É fato que os irmãos Maggi Scheffer são uma marca de projetos de sucesso no agro de Mato Grosso, principalmente pela competitividade e representatividade de negócios como o Grupo Bom Futuro.
Mas a nova geração da família vem trazendo ao cenário mais um elemento promissor: foco em inovação e sustentabilidade, criando caminhos que não apenas fomentam a longevidade do negócio, mas também trazem ganhos reais em relação a custos.
A história de Rafael Bortoli é um exemplo deste fenômeno. Ele é filho de Inês Marina Scheffer Bortoli, irmã de Eraí Maggi Scheffer, fundador do gigante Bom Futuro, que hoje opera cerca de 1 milhão de hectares.
O pai de Rafael, “Zeca” Bortoli, é um dos quatro sócios principais da Bom Futuro, participando da parte patrimonial da empresa.
Seriam motivos suficientes para que Rafael apenas buscasse uma posição na empresa da família, mas não foi esse o caminho que escolheu. Preferiu tocar o próprio negócio, comprando primeiro terras para plantar algodão, mas depois expandindo com arrendamento de terras, sem “alavancar financeiramente” e, mais tarde, partindo para a piscicultura e a agroindústria.
Atualmente, Rafael Bortoli é CEO da Natter, empresa batizada assim por envolver “natureza e terra” entre seus propósitos. A irmã e o pai também são sócios do grupo.
Assim como primo Guilherme Scheffer, que tem como amigo, Rafael se diz apaixonado pela agricultura regenerativa.
“A gente vem trabalhando muito na questão da gestão, tentar ser mais eficiente da porteira para dentro, melhorar custo, entender mais sobre solo, sobre agricultura regenerativa, sobre melhorar a produtividade com menos custo. E sempre teve vontade de buscar inovação e tecnologia”, contou Rafael Bortoli, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
O principal diferencial da Natter tem sido a operação que mostra, na prática, o conceito de economia circular.
Para resumir: a empresa cria alevinos, que viram tilápias, abatidas no frigorífico próprio, onde as vísceras que sobram são matéria-prima para a fábrica de fertilizante. Esse adubo vai para as lavouras da Natter, que rendem mais quilos por hectare e os grãos, fechando o ciclo, alimentam os peixes e o rebanho bovino da empresa.
Parece simples, mas é uma engrenagem que precisa funcionar muito bem em todas as etapas, com alta eficiência, o que vem sendo alcançado, segundo o empresário.
“Essa questão da economia circular, ela não é de hoje, ela vem de uma característica, principalmente do meu pai, de uma cultura lá do Sul de aproveitamento de tudo, sabe? Eles aprenderam desde criança a aproveitar tudo o que tinha dentro da propriedade”, disse Bortoli.
Ele lembrou que na chegada da família a Mato Grosso, os recursos eram limitados, por isso a prioridade em aproveitar tudo. Bortoli relata que foi do seu pai a ideia de começar a reaproveitar resíduos da tilápia, mas foram descobrindo diversas oportunidades.
No algodão, por exemplo, viram que após o beneficiamento, que separa a pluma e o caroço, sobrava um resíduo. A partir dele, começaram a fazer o que chamam de “briquete de algodão”, uma biomassa com menos volume e mais peso, portanto, viabilizando o transporte.
“A gente está iniciando agora (na Natter) uma estratégia de reaproveitamento de todo o resíduo orgânico que a gente tem dentro da unidade de produção”, destacou ele.
Está sendo construída uma mini fábrica de compostagem que não vai usar apenas a separação do lixo das diferentes áreas da empresa, inclusive cantina e refeitórios.
“Quando a gente traz o grão para o armazém, ele passa por uma máquina que faz uma limpeza desse grão, e sobra um resíduo, só que é um resíduo que tem carbono orgânico”, explicou.
“E aí a gente está estruturando para poder pegar todo esse carbono orgânico, misturar com rocha fosfatada, que é um adubo natural, junto com uma rocha potássica, que também é um adubo natural, e um composto orgânico, que é o nosso próprio produto, que é resíduo da nossa biofábrica”.
Na visão “orgânica e regenerativa” de Bortoli o céu é o limite. Esse adubo orgânico também é aplicado nas áreas de jardinagem, em torno das casas e da fazenda, além das hortas que fornecem frutas e verduras para os 700 funcionários.
Há também uma preocupação com as pessoas, segundo ele, algo que tem sido comum entre empresários que partem para a agricultura regenerativa.
“Na medida do possível, a gente vai tendo resultado, consegue ter geração de caixa, consegue reaproveitar, e pega parte desse resultado para melhorar a qualidade de vida para as pessoas que estão dentro das nossas unidades de produção. A gente tenta multiplicar tudo aquilo que Deus coloca na nossa mão. Nosso intuito é crescer pra compartilhar”, afirma.
Frigorífico e fábrica de fertilizante
Um dos negócios fundamentais na estratégia circular da Natter é a produção de tilápias. A empresa é dona de uma indústria de peixes, que atua com a marca Saciatta, com sede em Campo Verde (MT).
O negócio começa desde a produção de alevinos, com investimentos em genética – a empresa possui matrizes reprodutoras – até a engorda dos peixes e o abate.
“A gente vem trabalhando geneticamente, vem buscando inovação e tecnologia para poder ter uma tilápia que tenha cada vez melhor rendimento, que é um ganho em peso diário com maior produção de filé”, disse Bortoli.
A expectativa é que a produção, em 2025, atinja 8 mil toneladas de tilápia, ante 6 mil no ano passado. Para o ano que vem, a previsão é chegar em 9 mil toneladas. Houve uma obra concluída em 2024 que triplicou a capacidade da planta, na qual foram investidos R$ 10 milhões.
Em paralelo ao negócio de tilápia, foi crescendo a produção de biofertilizante. A iniciativa de usar os resíduos veio antes mesmo de a Natter ter adquirido o frigorífico – a planta, no passado, pertencia ao Grupo Bom Futuro.
“Esse resíduo, no caso, era um passivo ambiental para a Bom Futuro. Para eles era mais viável a gente ir lá e buscar. O custo era praticamente o frete na época. Hoje a gente já coloca um preço em cima dessa carcaça”, ressaltou Bortoli.
Atualmente, cerca de 30% das vísceras que são produzidas no frigorífico vão para a fábrica de fertilizante, conhecida pela marca Ambios Agro. O excedente vem sendo comercializado para terceiros, enquanto a produção de adubo não chega no nível capaz de absorver todo o volume de resíduos. Bortoli calcula que ainda é possível triplicar a produção de fertilizante, sem a necessidade de comprar resíduos fora.
Entre 2017 e 2021, a produção de fertilizante da Ambios atendia apenas as áreas agrícolas do grupo Natter. Depois disso, foi estruturada uma área comercial, que já fornece o adubo para clientes não apenas de Mato Grosso, mas também de Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Matopiba e Pará.
A expectativa é que o faturamento suba de R$ 35 milhões para R$ 50 milhões na safra 2025/2026. Em três anos, a meta é chegar a R$ 100 milhões.
Mais produtividade
As apostas da Natter vêm trazendo bons frutos na produtividade agrícola. Na safra 2025/2026, a empresa deve cultivar 30 mil hectares de soja e 10 mil hectares de milho segunda safra.
Rafael Bortoli disse ao AgFeed que os ganhos da agricultura regenerativa nas lavouras têm sido evidentes, principalmente pelo uso do fertilizante que a própria empresa produz.
“É um produto à base de origem animal que, pelo fato de ser um produto orgânico, é muito melhor absorvido pela planta. A gente tem toda uma linha de micronutrientes. Nós fizemos uma parceria com uma empresa do Rio de Janeiro com produção de algas e a gente fez um produto a base de algas junto com o nosso produto”, revelou.
As algas contribuem na questão hormonal, ajudando no crescimento das plantas, disse. O resultado tem sido “melhor pegamento de flor, melhor crescimento de raiz, melhor enchimento de grão e, consequentemente, maior produtividade”.
“O legal da agricultura é que ela é muito dinâmica, sempre tem algo novo para aprender”, afirmou Bortoli.
Neste sentido, a Natter está montando um centro de pesquisa e estabelecendo parcerias com universidades.
“A gente vem observado que uma planta bem nutrida ela é mais resistente a praga e a doença então nas nossas próprias áreas de produção, com o uso desses produtos a gente vem melhorando tanto a parte nutricional quanto a parte da vida biológica”, reforçou.
Um estudo feito pela Natter mostrou que, ao melhorar a vida no solo com as práticas de agricultura regenerativa, houve uma redução de 10 para 5 sacas de soja por hectare no custo de produção com químicos.
“Em cinco anos a gente reduziu em quase 50% o uso de químicos nas nossas áreas. Então isso é muito benéfico traz muita competitividade para nós”.
A empresa diz já contar com áreas que fazem manejo 100% biológico, sem uso de químicos, alcançando a mesma produtividade das lavouras de cultivo tradicional, cerca de 75 sacas por hectare.
Rumo ao primeiro bilhão
Além dos quase 50 mil hectares de grãos, a Natter tem 10 mil hectares de pasto definitivo. São 15 mil cabeças de gado, com processo de cria e engorda.
Apenas dois mil hectares são áreas próprias, o restante é arrendado. A maior parte das lavouras está no Norte de Mato Grosso, em Vila Rica, próximo da divisa com o Pará.
Já a produção de fertilizante fica no Sul do estado, próximo ao município de Jaciara. Isso porque o grupo também tem uma criação de tilápia em tanque-rede próximo ao local.
O faturamento da Natter, na última safra, foi de R$ 350 milhões. Bortoli calcula que R$ 280 milhões foram gerados pela área agrícola.
O futuro da empresa, na visão dele, passa pelo forte potencial da agricultura regenerativa e, consequentemente, por uma maior participação da Ambios.
“Eu vejo que a Ambios tem um potencial enorme de crescimento. Ela é um bebê ainda. E ela também vai ajudar muito a Nater, principalmente por conta dessa parte de pesquisa, para a Natter ser mais competitiva”.
A produção agrícola da Natter estaria crescendo 5% ao ano sem ampliação de área, somente em função destas práticas.
“O nosso produto é um potencializador dos biológicos. Então é uma área que a gente quer ampliar e vai ser nessa sinergia com algumas empresas para melhorar a utilização desses biológicos nas áreas dos produtores”.
Para o ano que vem, Bortoli acredita que a Natter alcance “meio bilhão” de reais em faturamento. Perguntado para quando ele espera o primeiro bilhão, o empresário respondeu: “daqui uns três anos”.
Ele acredita que, por estar ofertando um produto inovador, poderá ser procurado por empresas ou eventuais candidatos a sócios. Porém, diz que está descartada uma abertura de capital, inclusive para o negócio de fertilizantes.
“Tem que ser um negócio muito bem pensado, porque uma das coisas que está fazendo a gente ser competitivo no que hoje a gente tem de maior faturamento, que é o agro, são os nossos produtos. Então, a gente tem diminuído o custo, diminuído o uso de químico, melhorado a nossa produtividade”.
“A gente consegue ainda nutrir nossas plantas e entregar produtividade mesmo num clima adverso, mesmo numa situação mais adversa. Isso funciona como um seguro. E aí deixar de ter esse seguro, para nós, é muito arriscado”, acrescentou.
Mercado de terras
O plano da Natter é seguir investindo no próprio negócio. Os aportes recentes são estimados em R$ 50 milhões, o que inclui a ampliação na Saciatta, novas estruturas de armazenagem para a produção agrícola, maquinário e investimentos na área experimental da Ambios, além de um centro de distribuição.
Em relação a compra de terras, Rafael Bortoli acredita que “já passou o momento”.
“Se você for pegar talvez alguma coisa lá no estado do Pará, no estado do Maranhão, talvez... Mas uma área dessa você vai ter problema de mão de obra, vai ter problema de infraestrutura, de máquinas. Essa fase onde você conseguiria comprar uma área para poder aumentar o patrimônio aqui no Mato Grosso, essa oportunidade eu acho que já passou”.
Por outro lado, o empresário acredita que, mesmo que as terras não se valorizem tanto quanto ocorreu nos últimos dez anos, “o arrendamento vai ficar cada vez mais caro, não adianta se iludir”.
“Lógico que a gente está passando por um período de desvalorização de commodities, as margens estão muito apertadas, mas a partir do momento que retornar, tiver um retorno nos preços, acredito que a competição no arrendamento vai ser maior”, avaliou ele.
Ele prevê que nos próximos anos o preço das terras se valorize “próximo da inflação” e não bem acima destes índices, como foi visto na última década.
Sobre o momento desafiador do agro, Bortoli diz que a Natter “nunca foi de arriscar, de ir para a aposta”. A estratégia é comprar os insumos, travando custos, fazendo hedge, em linha com a previsão de orçamento, ele diz.
“A margem nossa não é muito boa, não é uma margem muito ampla, mas a gente tem tido margem. Tanto na soja, quanto no milho, quanto na pecuária, quanto no algodão”.
O segredo, segundo Rafael Bortoli, é enxergar bem os números “dentro de casa”, para analisar em detalhes onde estão os gargalos e buscar soluções.
Resumo
- Rafael Bortoli lidera a Natter com um modelo de economia circular no agro, integrando grãos, pecuária, piscicultura e produção de biofertilizantes
- A empresa transforma resíduos de produção em fertilizantes orgânicos, o que tem gerado aumento de produtividade e redução de custos com químicos
- Com faturamento de R$ 350 milhões em 2024 e meta de chegar a R$ 1 bi em três anos, a Natter espera crescer sem depender de expansão de área