A cidade de Rutigliano na Itália era um lugar triste. Fincada bem no salto da bota que desenha o mapa do país, o pequeno povoado de 18 mil habitantes na província de Bari é menor que Caxambu, no Sul de Minas. De tão pobre, as construções históricas passam por problemas estruturais.

O lugarejo da região da Púglia vivia, até três anos atrás, de pequenas vinhas e seus moradores, aposentados que não conseguiam viver de suas pensões, cuidavam das videiras.

Tudo isso, entretanto, mudou com a ajuda de uma empresa brasileira - e de Giorgio Armani, que morreu na quinta-feira, 4 de setembro, aos 91 anos.

Rutigliano era uma região onde se plantava algodão no começo do século 20. E isso enchia de nostalgia o estilista italiano.

“Ele dizia que, quando começou a costurar, o tecido que ele usava era feito de algodão italiano, plantado na Itália, e que isso já não existia”, conta, em conversa com o AgFeed, o engenheiro florestal Valter Ziantoni, natural de Santo André, na grande São Paulo. O plantio de algodão na área, entretanto, acabou com a Segunda Guerra Mundial e nunca mais foi retomado.

As vidas de Ziantoni, Armani e da cidade de Rutigliano se cruzaram há pouco tempo - mas foi o suficiente para transformar os três. Desde que se formou em 2006, na Universidade Federal do Paraná, Ziantoni, hoje com 43 anos, trabalha com agricultura florestal. Ele fez inúmeros projetos de recuperação de áreas degradadas para governos para organismos internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em países como Laos, Quênia, Zâmbia, Grécia, Vietnã e no Brasil.

Há 11 anos, Ziantoni, que hoje mora em Timburi, perto de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior de São Paulo, decidiu criar a própria empresa, a PretaTerra, especializada em ajudar agricultores a recuperar o solo e aumentar a produtividade por meio do sistema agroflorestal, que combina árvores, culturas agrícolas e, por vezes, animais, para criar um modelo de uso da terra mais produtivo e sustentável.

Seus clientes - corporações como a Natura, a chocolates Dengo, a italiana Illy, a suíça Nestlé e até a americana Cargill - pagam para que ele crie projetos que ajudem pequenos agricultores a produzir mais com menos insumos químicos, de maneira orgânica.

“Quando comecei, havia muita demanda, mas muito pouca gente fazendo isso de maneira científica e economicamente viável. Agrofloresta era coisa de hippie”, conta Ziantoni. Por isso, a PretaTerra chamou a atenção da The Circular Bioeconomy Alliance e, desde 2020, a empresa passou a ser uma das parceiras da aliança criada pelo rei Charles III, da Inglaterra, que fomenta o uso circular de recursos naturais renováveis para criar soluções econômicas que regeneram a natureza.

O mundo da moda - como se sabe - é poluente. A indústria fashion é a segunda mais poluidora do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera, segundo a Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos. Mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados em anos recentes. E a projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas nos próximos oito anos.

Por isso, a Circular Bioeconomy Alliance estimulou a PretaTerra a enviar propostas de projetos para grandes nomes da moda, como o grupo LVMH, grupo ao qual pertence a Louis Vuitton e outras grandes grifes.

É aqui que Ziantoni e Giorgio Armani se encontram. “Mandamos um projeto à Armani, para uma pessoa do grupo, indicada pela aliança. Mas recebemos com surpresa um pedido de reunião, presencial, em Milão, com o próprio Giorgio Armani”.

Isso aconteceu no começo de 2022. Armani tinha 88 anos. “Nem de longe ele parecia um velhinho. Era um homem grande, viril, bronzeado e muito elegante, bem penteado”, conta o engenheiro.

“Ele me lembrou o Abílio Diniz porque os dois eram corados, esportistas, tinham uma postura firme”, diz ele, que havia trabalhado como chefe de pesquisa e desenvolvimento para a Fazenda da Toca, um projeto de sustentabilidade e produção orgânica e agroflorestal em larga escala, do ex-piloto de Fórmula 1 e filho Diniz, Pedro Paulo Diniz.

Na reunião, em Milão, Ziantone conta que Armani estava muito animado. Mas seu estilo contido e sério quase não deixavam que isso transparecesse. Ele era realmente muito firme, duro e pragmático, como disse Anna Wintour, editora-chefe da Vogue dos Estados Unidos por 37 anos (ela deixou o cargo em junho), num obituário publicado nesta sexta-feira 5: “Sem dúvida, houve algum momento nas minhas muitas décadas de convivência com Giorgio Armani em que finalmente me senti confortável o suficiente para chamá-lo de ‘Giorgio’ em vez de ‘Sr. Armani’. Mas levou tempo.”

O que ajudou Ziantoni na reunião foi que ele fala italiano fluentemente. Seus avós são da Itália e ele fala o idioma desde criança. Mesmo assim, não acreditou quando Armani disse que financiaria o projeto - desde que fosse com uma plantação de algodão na Itália. “Na Itália”, frisou o estilista. “Esse vai ser o projeto da minha vida”, disse Armani ao brasileiro.

Assim, Ziantoni acabou em Rutigliano. O Consiglio per la Ricerca in Agricoltura e L’Analisi Dell’Economia Agraria - uma espécie de Embrapa italiana - cedeu dez hectares de um solo que era pura pedra para a PretaTerra recuperar.

“Fizemos um grande preparo, com adubação verde, trituramos tudo e incorporamos essa biomassa ao solo. Com isso, irrigação e pés de pistache, que têm o porte de uma goiabeira, colhemos o primeiro algodão orgânico em um ano. Já estamos agora na segunda colheita”, conta o empresário.

As primeiras peças da Armani com algodão regenerativo foram lançadas em dezembro de 2023. “Soube que ele comentou com o rei Charles que estava se sentindo realizado com o projeto”, conta Ziantone.

Hoje, são 50 hectares de algodão sendo plantados na pequena cidade. Pessoas da localidade foram treinadas para trabalhar no manejo da cultura. E uma nova fonte de economia agora agita o povoado.

Esse era o último desejo de Giorgio Armani. Fazer o algodão “made in Italy” brotar novamente. E dar vida nova a uma velha cidade. Tudo promovendo uma moda menos poluidora e sustentável.

Bairrismo? Pode parecer que sim, diz Ziantone. Mas Armani não era cosmopolita como são alguns de seus concorrentes, de capital aberto. Ele sempre lutou para manter seu império independente. Ser italiano e regional - mesmo que com alcance global - é um conceito que está entremeado na marca Armani.

Agora, o futuro do projeto não preocupa o fundador da PretaTerra. Serão os herdeiros de Armani que decidirão o futuro da grife, fundada em 1975. O estilista confiou o futuro da Giorgio Armani SpA a familiares próximos e colaboradores antigos.

Na quinta-feira, a empresa prometeu preservar o espírito de independência, colaboração e a visão de Armani. “Fico triste porque poderíamos fazer muito mais com ele, mas tenho certeza que esse é um legado que ele, Armani, deixou para a Itália.”

Resumo

  • Um dos últimos projetos pessoais do estilista Giorgio Armani foi a introdução da cultura do algodão na Itália
  • Para isso, ele apoiou projeto da brasileira PretaTerra, especializada no desenvolvimento de sistemas agroflorestais
  • Iniciado há dois anos no sul da Itália, projeto hoje ocupa 50 hectares e está em sua segunda colheita

Valter Ziantoni, fundador da PretaTerra, no projeto de algodão regenerativo de Armani, na Itália

Sistema agroflorestal implantado pela PretaTerra em Rutigliano

Croqui do projeto elaborado para a a Armani

Linha especial de camiseta produzida com algodão da Púglia