JBS, Cargill, Vale e agora a Natura. A soma do faturamento da lista dos principais parceiros da startup Belterra, supera R$ 1,5 trilhão em 2022. são empresas que, além de gigantescas, buscam ampliar sua gama ESG por meio do reflorestamento e de práticas mais sustentáveis na agricultura.

O contrato com a Natura acabou de ser assinado, conforme revelou em primeira mão ao AgFeed um dos sócios da Belterra, Valmir Ortega. Trata-se de um acordo de cooperação para expandir as culturas da palma, para a produção de óleo, e de cacau no Pará.

O projeto engloba a implantação de 20 mil hectares de sistemas agroflorestais, com um investimento a ser captado de fundos e parceiros, de R$ 800 milhões até 2030.

“Podemos oferecer uma solução integral para o produtor que quer mudar o uso de solo ou para o produtor que está testando um modelo novo de negócio. Ao mesmo tempo, a Natura entra como um comprador desses produtos no futuro e como um parceiro estratégico”, explicou Ortega.

A Belterra está, segundo seu sócio, em fase de “amadurecimento” do seu próprio modelo de negócio. O grande desafio para escalar é a quantidade de mão de obra necessária para a prestação dos serviços.

Em termos de números, já são 10 mil hectares contratados até 2025. Até 2030, a empresa espera rondar os 50 mil hectares contratados ou já restaurados.

Outra questão é o financiamento. A empresa atua com parcerias estratégicas com empresas multinacionais e alguns fundos de investimento e, além disso, captou R$ 17 milhões em uma emissão de CRA verde emitido pelo grupo Gaia, numa oferta coordenada pelo Santander.

Até o final do primeiro trimestre do ano que vem a startup quer fazer uma primeira rodada de financiamento de equity, ou seja, dar uma porcentagem do negócio em troca de investimentos.

Com o movimento, espera captar até R$ 50 milhões com fundos brasileiros e estrangeiros.
Ortega conta que o custo de implantação é de R$ 30 mil por hectare. Com isso, a cada 10 mil hectares restaurados o investimento necessário é de R$ 300 milhões.

“Estamos conversando e negociando com fundos e, para essa etapa, queremos fundos alinhados com a tese de impacto. Ou que sejam empresas orientadas para restauração florestal. Queremos ter sócios alinhados com a tese”, explicou.

Mãos dadas com a RestaurAgro

Depois da meta até o final da década, os números ganham mais dígitos e entram na casa do milhão. Segundo Ortega, a ideia é que a empresa passe a ser uma espécie de incorporadora do segmento.

Se no mercado imobiliário uma construtora ergue o prédio, um escritório de arquitetura cuida da organização de cada apartamento, a equipe de design de interiores faz o acabamento e a imobiliária vende as casas, a incorporadora é quem, de fato, é responsável por captar dinheiro e dirigir o processo.

A Belterra quer atuar como essa “incorporadora” e, por meio de parceiros locais nos estados que atuar, tirar os projetos do papel.

Um desses parceiros é a startup RestaurAgro, que atua como consultoria e assessoria ambiental, principalmente em questões envolvendo regularização de passivos ambientais e áreas embargadas no Mato Grosso.

Em entrevista ao AgFeed, o CEO e fundador da RestaurAgro, Thiago Nogueira, conta que a empresa já passou de 500 hectares em processo de restauração, quando considerado só a operação própria da empresa em 2023. Nos três anos de vida do negócio, são mil hectares restaurados.

Equipe da RestaurAgro seleciona sementes de plantas nativas

Em um projeto de carbono para APP (área de preservação permanente), a empresa pretende atingir mais mil hectares até o ano que vem, por meio de parcerias e atuação própria.

Até aqui, o funding da empresa foi feito pelo próprio caixa e com recursos via cooperativas de crédito. Para continuar crescendo, Nogueira já vislumbra aportes financeiros na startup.

Até agora, dois fundos de investimento já se mostraram interessados, mas o executivo ainda se coloca numa posição de aprendiz nesse universo das captações. O investidor tem de ser, segundo Nogueira, alguém que tenha fit com a startup, e que vislumbre o longo prazo para sentir o impacto no investimento.

“Na meta de mil hectares em projetos de regularização no ano que vem, queremos destravar isso via investimentos. No nosso pipeline, já temos 600 hectares disponíveis para começar”, afirma.

Thiago Nogueira afirma que, por sua trajetória pessoal, não tinha como não atuar no agro. Nascido na Amazônia, no estado de Rondônia, viveu por lá até os 19 anos, quando foi cursar engenharia florestal na Universidade Estadual do Mato Grosso.

Ele contou ao AgFeed que, quando nasceu, o pai saiu de uma situação mais precária na fazenda que trabalhava e morava e foi para a cidade. No âmbito urbano, passou a trabalhar numa indústria madeireira.

“Vivenciei a fazenda a vida inteira, com uma família agricultora de pecuária de leite e corte. Como estava no contexto amazônico, sempre convivi com os aspectos legais e ilegais da expansão e desmatamento desde criança”, diz.

Em 2010, já na faculdade, teve contato com um professor que atuava com viveiros, e acabou tomando gosto pelo processo, em que o ajudava a coletar sementes. Durante o curso, trabalhou como estagiário na Embrapa Pastoril, onde teve mais contato ainda com pesquisadores no agro.

Depois, foi trabalhar no ICV (Instituto Centro de Vida) e começou a atuar com adequação ambiental de propriedades. “Depois de um ano lá, alguns diretores montaram uma startup de pecuária sustentável, que tinha como objetivo recuperar 10 mil hectares degradados e atuar com as APPs”, conta.

Nessa startup, chamada Pecsa, ele ficou quase seis anos e foi maturando a ideia de empreender. Começou a atuar na empresa com geotecnologia, mas para buscar o que ele realmente queria fazer no negócio, restaurou, por conta própria, um hectare de APP sem a empresa saber. “Isso me promoveu a restaurador”.

Nesses anos, ele conta que conduziu projetos de restauração de mais de 700 hectares e, durante o período de atuação, acabou realizando um projeto de mestrado num edital que envolvia o IPE (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e a ong WWF.

Foi entre 2019 e 2020 que passou a estruturar o que se tornaria a RestaurAgro. Ele conta que na semana que defendeu sua dissertação de mestrado teve um sonho onde vislumbrou um escritório e, com o nome da startup já na cabeça, ele resolveu partir para a jornada empreendedora.

Seus chefes no ICV o incentivaram e já firmaram o primeiro contrato da startup. “A partir dali as coisas começaram a andar. Como eu já atendia muito produtor rural que precisava de ajuda, só pelo boca a boca eles começaram a me procurar e demandar projetos de regulação ambiental”, conta.

No primeiro ano a startup se envolveu em cerca de 60 hectares e, logo depois, já entrou num projeto de mais 100 com a WRI Brasil, a Suzano e a Imazon. “Estruturamos um escritório para atuar num mercado que eu já conhecia. A ideia é tornar mais fácil o entendimento da regularização para o produtor, sobretudo no Mato Grosso. Para mim, tudo isso culmina na restauração”, afirma.

A ideia da Belterra é que nos próximos anos, a empresa ajude a fomentar esse tipo de iniciativa ao redor do Brasil. “Vemos empresas novas nascendo para prestar serviços para a Belterra”, diz.

Serviços como aluguel de máquinas e viveiros, por exemplo, podem ser feitos por essas terceirizadas, sem a necessidade de a Belterra alocar capital próprio em todas as etapas do processo.

“A partir de 2030, com a experiência que temos até agora, vejo potencial de descentralizar as atividades para a rede de parceiros, e aí, ter outra velocidade de crescimento”, comenta.

O primeiro impulso da Belterra

Valmir Ortega fez sua carreira profissional em órgãos públicos, sempre em cargos de direção de órgãos relacionados ao meio ambiente. Natural do Mato Grosso do Sul, hoje ele trocou o calor do centro-oeste pelo frio curitibano, onde a Belterra está sediada.

Na sua carreira, foi superintendente de planejamento ambiental no Mato Grosso do Sul, diretor de um programa de desenvolvimento sustentável do Pantanal, diretor de ecossistemas no Ibama e, antes de atuar como consultor independente e entrar na Belterra, secretário do Meio Ambiente do Pará.

Ele conta que quando trabalhava no governo paraense, o estado conduziu um grande esforço contra o desmatamento, que envolvia, além de reduzir o desmatamento ilegal, recuperar áreas degradadads ao longo do tempo.

Valmir Ortega, fundador da Belterra

Ele e sua equipe criaram um cadastro ambiental rural no estado antes da lei federal que instituiu o CAR. “O desafio era pensar uma estratégia de acelerar a restauração, que não ficaria só no controle, fiscalização e pressão legal, e também capitalizar o produto que pagasse a dívida da restauração”, conta.

Essa ideia de gerar o dinheiro e substituir a pastagem degradada foi o estalo para Ortega pensar em como restaurar milhões de hectares no futuro, num caminho que gerasse benefícios econômicos para os produtores.

“Hoje se fala do mercado de carbono, mas no caso brasileiro, sobretudo na Amazônia e na Mata Atlântica, temos um cardápio de frutos, plantas e óleos tão gigante que permite diversas composições e oportunidades diferentes”, comentou.

Valmir Ortega passou a atuar como consultor, até que surgiu a oportunidade de ajudar a Vale, por meio do Fundo Vale, a construir um projeto de preservação. A mineradora havia se comprometido a colocar 100 mil hectares preservados de pé.

Ortega então apresentou uma proposta de restauração, com parcerias com produtores rurais e agroflorestas. Desses 100 mil hectares, 40 mil hectares serão feitos com a Belterra.

“A Belterra nasce para acelerar esse modelo de restauração, em arranjo e parcerias com produtores rurais, num modelo que não se baseia em compra de terras. O objetivo é ajudar o produtor a ter retorno”, diz.

“Na outra ponta, oferecemos uma alternativa para empresas com metas ESG, mitigação de carbono florestal, ou empresas e parceiras que querem estruturar cadeias produtivas”, acrescenta.

Nos primeiros anos, a empresa também firmou uma parceria com a Cargill, uma das maiores compradoras de cacau no País.

Na avaliação de Ortega, o cacau é uma das espécies chaves nos sistemas agroflorestais e tem uma penetração forte em estados como Bahia, Rondônia, Mato Grosso e Pará.

Nas agroflorestas propostas pela Belterra, é feito um mix de uma espécies agrícolas de ciclos mais longos, como o cacau e o dendê, com outras de ciclo mais curto, como milho, mandioca e banana.

Dessa forma, o negócio já gera receitas no curto prazo. No longo prazo, os produtos derivados do cacau, pupunha e dendê pagam o investimento.

Com a JBS, a Belterra criou uma empresa chamada Rio Capim para operações dedicadas à pecuária. Na parceria,que é feita via Fundo JBS para a Amazônia, são inicialmente R$ 10 milhões em 25 propriedades no Pará.