Com 3,9 milhões de toneladas de plumas produzidas na safra 2024/2025, o Brasil é hoje o terceiro maior produtor e o líder na exportação de algodão do planeta, à frente inclusive dos Estados Unidos. Desse volume, cerca de 70% são exportados para países como Índia, China, Tailândia, Indonésia e Vietnã.

Mas é no mercado interno que o setor enxerga boas oportunidades para os próximos anos, já que o Brasil consome cerca de 700 mil toneladas da pluma anualmente. O volume tem ficado estável nos últimos anos, mas a expectativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) é de que essa quantidade possa chegar a 1 milhão de toneladas nos próximos anos.

E o desenrolar desse carretel de fios, passa, é claro, pelo consumo. Em tempos de crescimento das plataformas de vendas de vestuário como Shein, Shoppee e Temu e a concorrência agressiva das fibras sintéticas - mais baratas, com menor durabilidade e nada sustentáveis -, o setor tem na rastreabilidade da cadeia o diferencial necessário para conquistar cada vez mais espaço na sacola de compras dos brasileiros.

Desde 2019 a Abrapa coordena a iniciativa Sou ABR, que reúne o trabalho do movimento Sou de Algodão com a rastreabilidade da cadeia de ponta a ponta, um dos diferenciais do setor.

“Nós já tínhamos a rastreabilidade dos fardos no campo, mas queríamos desenvolver na cadeia completa. Foi aí que nasceu o Sou ABR”, explica a diretora de relações institucionais da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e gestora do Sou de Algodão, Silmara Ferraresi.

Nesse cenário, a iniciativa Sou de Algodão - que em 2026 completará dez anos de existência - é parte fundamental dentro da estratégia do segmento. Nascido para promover a integração de todos os elos da cadeia produtiva, desde o campo até chegar ao varejo, o movimento conta com quase 1,8 mil parceiros, entre malharias, indústrias têxteis, designers e estilistas e marcas de varejo.

O Lançamento do Sou ABR aconteceu em 2019 e a primeira coleção 100% rastreável foi feita pela marca Reserva, com uma linha de camisetas. No ano seguinte, foi a vez da Renner lançar sua primeira coleção de calças jeans também rastreáveis.

De lá para cá o número de marcas só cresceu e hoje o consumidor pode encontrar peças com a tag Sou ABR em lojas como a C&A, Calvin Klein, Dudalina, Individual e Almagrino, que tem como sócio o produtor Alexandre Schenkel e cuja história foi recentemente contada pelo AgFeed.

No segmento de cama e banho, a Dohler produziu a primeira linha de toalhas 100% rastreável do mercado.

Até dezembro de 2024, foram produzidas 320 mil peças 100% rastreáveis no mercado Brasileiro, mas Silmara revela que a meta é chegar a 1 milhão de unidades até o final de 2025.

Somente no ano passado a iniciativa rastreou 41.647 fardos de algodão em 99 fazendas nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Piauí, Minas Gerais e Goiás. Também foram rastreados 163.150 metros de tecido,136.310 quilos de malhas e 1.764.794 quilos de fios.

Juntamente com o lançamento do programa aconteceu também o lançamento da tag Sou ABR, que carrega um QR Code em que o consumidor pode ter acesso a todos os detalhes de produção daquela peça, desde a fazenda onde o algodão foi cultivado, o nome dos proprietários, as certificações da propriedade, quais indústrias participaram do processo produtivo, dados cadastrais,entre outros dados.

Silmara conta que desde 2020, quando a TAG passou a circular, mais de 110 milhões de unidades já foram distribuídas. “Isso é um forte indicativo de que, se as marcas vêm valor em colocar a etiqueta nas peças, é porque o consumidor está demandando mais informações sobre o que consome”, avalia.

Para ter direito à TAG, o produto precisa ter em sua composição no mínimo 70% de algodão.

Outra frente do Sou de Algodão está na parceria com universidades e escolas de moda, para projetos educacionais que visam levar o conhecimento sobre as boas práticas do setor aos jovens profissionais do mundo da moda.

Essa imersão inclui visita às fazendas certificadas e acompanhamento do processo produtivo completo. A iniciativa também realiza o Desafio de Moda, que premia estudantes de moda que utilizem produtos à base de algodão.

O vencedor recebe R$ 30 mil para produzir seu próprio desfile tendo como destaque as peças feitas em algodão.

“É uma maneira de estimularmos esses jovens talentos a estarem mais atentos às questões como rastreabilidade, origem, sustentabilidade dos produtos, que são fundamentais para um setor que dita tendências de consumo”, avalia a executiva.

O Sou de Algodão já está, inclusive no SP Fashion Week, a principal semana de moda do país. “Pelo quarto ano consecutivo teremos um desfile do nosso movimento, criado em conjunto por um grupo de estilistas para promover a nossa matéria-prima.

Segundo Silmara, o movimento nasceu do incômodo da Abrapa e do setor com a perda de share tanto no mercado interno quanto no externo. “No mercado internacional, o algodão tem uma participação que varia entre 21 e 23%, enquanto as fibras sintéticas têm 70% de share”.

No Brasil o algodão tem maior participação, chegando perto de 50% do mercado. Silmara conta que no estudo inicial feito em 2016 para mapear o setor e os desafios, a equipe verificou que de forma geral, o consumidor brasileiro não tem o hábito de ler as etiquetas ou pensar na composição do produto que está comprando.

No próximo ano, para celebrar a primeira década do Movimento, um novo estudo deverá ser feito para verificar a evolução dos hábitos de consumo desde que a iniciativa chegou Às lojas.

Segundo Silmara, um dos focos das ações é no engajamento do público feminino, que apesar de ser a maior fatia consumidora, é o que menos compra itens de algodão. “Apenas 20% das peças de vestuário feminino comercializadas são de algodão, percentual que chega a 60% para os homens e 80% para peças infantis”.

O preço ainda é um fator de seleção. Para driblar essa barreira, Silmara explica que o trabalho do movimento está em educar o consumidor para que ele perceba que a compra de uma peça de algodão tem impactos positivos para a sociedade e o planeta.

“Além de ser um produto que oferece maior conforto e durabilidade, a peça de algodão é sustentável e está diretamente relacionada a uma cadeia produtiva bastante importante para o país”, pondera.

Dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) apontam que a cadeia têxtil e de confecção teve faturamento de R$ 203,9 bilhões em 2023, com produção têxtil de 2 milhões de toneladas.

São mais de 25,3 mil indústrias no Brasil, sendo o segundo maior empregador na indústria de transformação com 1,30 milhão de empregados formais e 8 milhões incluindo os terceirizados e os chamados “efeito renda”, sendo que 60% dessa mão de obra é feminina.

A relevância da participação feminina em todos os elos da cadeia produtiva vem ganhando destaque, com um evento focado na comunicação com esse público. Promovido pela International Cotton Association, o Women in Cotton será realizado em São Paulo nesta segunda-feira, 30 de junho.

Com o tema “A comunicação resolve problemas complexos. Como aplicar na cadeia do algodão”, o evento pretende debater estratégias para ampliar o diálogo entre os elos da cadeia e o consumidor final, especialmente as gerações mais jovens.

“Os jovens estão no centro da nossa estratégia de comunicação, pois são eles os mais antenados aos temas como sustentabilidade e trazem a preocupação cada vez maior com a origem do que consomem”, avalia Silmara.

Resumo

  • A cadeia produtiva do algodão nas iniciativas Sou ABR e Sou de Algodão, para agregar valor, enfrentar a concorrência de fibras sintéticas e conquistar o consumidor
  • Meta para 2025 é atingir 1 milhão de peças 100% rastreáveis, investindo em parcerias com marcas, universidades e eventos como o SP Fashion Week
  • A relevância da participação feminina em toda a cadeia também ganha destaque, com eventos como o Women in Cotton, realizado em São Paulo

Silmara Ferraresi, diretora de relações institucionais da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e gestora do Sou de Algodão