A butique de investimentos Sustainable Investment Management (SIM), a securitizadora Opea e a agfintech Traive acabam de concluir uma captação de US$ 60 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) verde para financiar a produção de soja livre de desmatamento no Cerrado brasileiro ao longo da safra 2025/2026.
Os empréstimos já estão sendo firmados e são oferecidos a juros mais baixos para produtores que se comprometem a produzir sem desmatar áreas em suas propriedades, mesmo considerando o percentual de desmatamento legal permitido pelo Código Florestal.
Ao todo, estão sendo beneficiadas cerca de 280 propriedades em estados do Cerrado, com expectativa de produção de mais de 240 mil toneladas de soja livre de desmatamento nesta safra.
A ideia é conservar cerca de 90 mil hectares de vegetação nativa -- sendo 29 mil hectares além do exigido por lei. Ao todo, serão mais de 22 milhões de toneladas de carbono estocadas que deixarão de ser emitidas.
A emissão dos CRAs faz parte do programa RCF Cerrado, criado há três anos pela butique de investimentos SIM.
A iniciativa visa promover a produção e a comercialização de soja livre de desmatamento no Cerrado, fornecendo financiamento para os produtores adquirem insumos para o cultivo de soja.
Os agricultores, por sua vez, se comprometem a produzir sem desmatar áreas - seja legal ou ilegal - ou ainda sem fazer a conversão de vegetação nativa – e, de preferência, utilizando áreas recuperadas de pastagens para produzir soja.
Eles também precisam não ter desmatado áreas após o dia 1º de janeiro de 2020 e devem seguir mais três critérios de adequação de suas propriedades ao programa: as terras agrícolas devem ser registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), a área não deve se sobrepor a unidades de conservação, reservas indígenas e terras comunitárias (incluindo quilombos) e, por último, deve conter e manter as áreas legais exigidas como reservas e áreas de preservação permanente (APPs).
As fazendas também devem respeitar a legislação trabalhista (incluindo trabalho escravo e infantil), a Moratória da Soja (se aplicável), embargos ambientais e regras internacionalmente aceitas para o uso de agroquímicos.
As taxas de juros praticadas são mais baixas que as de mercado, variando em uma faixa de 8,5% a 9,5% – menores, portanto, que a taxa Selic.
“Pode ter alguns casos que extrapolam essa faixa, mas fica em torno disso. É que o financiamento individual depende de várias características do produtor, das análises de crédito e das condições que ele tem”, diz Maurício de Moura Costa, COO da SIM, em entrevista ao AgFeed.
Para dar sustentação financeira ao programa, os produtores emitem Cédulas de Produto Rural (CPR), que são utilizadas como ativos para a emissão dos CRAs.
A captação atual é referente à quarta emissão de CRAs feita pelo RCF Cerrado. Na primeira emissão, feita em 2022, foram cerca US$ 11 milhões, que atraíram três grandes redes de supermercados do Reino Unido: Tesco, Sainsbury’s e Waitrose.
No ano seguinte, em 2023, em uma segunda emissão, de US$ 47 milhões, entraram os bancos Rabobank e Santander e o fundo de investimento AGRI3.
Já a terceira emissão, no ano passado, foi bem mais tímida, de cerca de US$ 6 milhões, refletindo as dificuldades financeiras dos produtores na safra 2023/2024.
Agora, nesta nova rodada, juntam-se ao grupo o programa Mobilising Finance for Forests (MFF), gerido pelo banco de desenvolvimento holandês FMO e financiado pelos governos do Reino Unido e da Holanda, e também o IDB Invest, braço de investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A ideia inicial era que essa captação superasse a casa de US$ 150 milhões, mas o volume final acabou sendo menor, explica Moura Costa, da SIM, em função de dificuldades nas negociações ao longo do processo.
"A gente estava com manifestações de intenção que chegavam àquele patamar, entre US$ 100 milhões e US$ 150 milhões, possivelmente até mais. Mas, quando a gente foi montar, houve algumas incompatibilidades entre objetivos, e a gente teve que postergar esse crescimento", diz.
A expectativa de Moura Costa é de que, em 2026, o veículo supere US$ 200 milhões em recursos, com novo CRA. "Se tudo der certo, teremos novidades", diz.
Os títulos são listados na B3 e na Bolsa de Viena, o que facilita o acesso de investidores estrangeiros. “Esse é o pulo do gato”, brinca Moura Costa. "Quando eu listo esse CRA na Bolsa de Viena, o investidor investe por lá”, explica Renato Barros Frascino, head de agronegócio da Opea.
Barros Frascino também cita a facilidade tributária que esse tipo de operação traz. "Quando o investidor investe no Brasil, ele também paga uma tributação sobre a variação cambial. mas quando investe direto lá fora a tributação somente é sobre a remuneração deles."
As CPRs também são emitidas em dólar e os contratos de venda da soja também são cedidos na moeda americana.
“O agro já vende suas commodities e contrata empréstimos em dólar. Isso facilita tanto a operação para o produtor quanto a entrada do investidor, que prefere um título em dólar a um em reais, com necessidade de swap cambial”, diz Barros Frascino.
Além dos representantes do setor financeiro, o programa conta com um conselho consultivo ambiental, com representantes de organizações como The Nature Conservancy, UN Environment, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Proforest, entre outras, que acompanham o desenvolvimento da iniciativa.
Resumo
- SIM, Opea e Traive captaram US$ 60 milhões em CRAs verdes para financiar soja livre de desmatamento no Cerrado na safra 2025/2026, beneficiando cerca de 280 propriedades.
- Programa RCF Cerrado oferece crédito para produtores de soja que não desmatem, mantenham vegetação nativa além do exigido por lei e cumpram critérios ambientais e trabalhistas.
- Captação marca a quarta emissão de programa elaborado pela SIM, que já atraiu redes de supermercados, bancos e fundos internacionais; nesta rodada entraram MFF e IDB Invest