A parábola bíblica do bom semeador, que reforça o “princípio da persistência”, é a preferida do CEO da Cresol, Cledir Magri, que, mais do que nunca, em 2024, está precisando lidar com os desafios da agropecuária.
O maior número de agências da Cresol, que hoje está em terceiro no ranking dos sistemas cooperativos (perde para Sicredi e Sicoob), está no Rio Grande do Sul, estado que foi fortemente atingido pelas enchentes no final de maio.
“Olhamos algumas regiões com certa preocupação, para saber se, de fato, o agricultor vai pegar dinheiro, se ele vai conseguir plantar. Principalmente no Vale do Taquari, que foi muito devastado, além do Vale do Rio Pardo e o Vale do Caí”, afirmou Cledir Magri, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Ele disse que órgãos como Banco Central e BNDES estão atentos a esta questão. O monitoramento está sendo feito mês a mês, mas até agora, Magri garante, não foram registrados efeitos significativos na concessão de crédito, nem na inadimplência.
“Nós não temos identificado problemas porque essas operações, todas elas, estão amparadas pelo ProAgro (seguro). E hoje, dentro da Cresol, se considerar Pessoa Jurídica, Pessoa Física, todos, a agricultura é disparada a menor na inadimplência”, disse o executivo.
Apesar dos efeitos das cheias e do momento mais desafiador do agro como um todo, ele garante que a inadimplência do crédito rural segue abaixo de 1% e dentro da média histórica.
“Por isso que, na visão geral, nós estamos muito entusiasmados, será o melhor Plano Safra da história da Cresol”, ressaltou.
Na visão da cooperativa, as previsões atuais para os preços das commodities também indicam uma tendência de estabilidade, o que reforça o cenário mais otimista.
“Isso também traz algum tipo de conforto pro produtor. O ruim era quando ele estava com a soja a 200 (reais por saca), aí veio para 100. Mas tu tá plantando agora sabendo que a soja vai ficar na casa de 130 e o custo, tem uma margem satisfatória. Mas claro que uma catástrofe sempre pode ocorrer, ninguém previa o que aconteceu no Rio Grande do Sul”, lembrou.
Plano Safra cresce, Proagro preocupa
A Cresol prevê liberar R$ 15 bilhões na safra 2024/2025, 30% a mais que a temporada anterior. “Esses 30% acompanharam o crescimento médio do sistema. Então nós conseguimos, apesar de todos esses desafios e as dificuldades, manter essa evolução”, destacou Magri.
Do total previsto, R$ 10 bilhões são recursos para operações de custeio, com prazo mais curto. Já o restante, R$ 5 bilhões, devem ser liberados nas linhas de investimento, que são de longo prazo.
O executivo também esclarece que, dos R$ 15 bilhões, cerca de 95% contam com algum tipo de equalização nas taxas de juros por parte do governo federal, ou seja, tratam-se de linhas subsidiadas.
Segundo o CEO, o sistema já está “operando o Plano Safra há 60 dias”, em função de uma “demanda grande” nas agências, principalmente para financiar o plantio.
O dólar mais valorizado a partir de junho e início de julho, que melhorou preços de alguns produtos, “animou o produtor”. Ele disse que houve uma certa pressa porque os produtores sabem que o dólar mais alto também acaba impactando os preços dos insumos, que tendem a subir.
A maior parte das operações feitas pela Cresol se refere ao Pronaf, que representa 85% do do total. É um crédito que atende a agricultura familiar e que predomina nos estados da região Sul, onde o sistema cooperativo tem sede (na cidade paranaense de Francisco Beltrão) e presença mais forte.
Porém, nem tudo é alegria nesta safra. Uma das grandes preocupações da Cresol no início do ano era o rumor de que os recursos do Proagro – seguro rural subsidiado pelo governo para pequenos produtores – poderiam ser reduzidos drasticamente ou “até acabar”, como se ouvia no setor, em função da preocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário com eventuais fraudes e “ajustes necessários”.
“Se eu olhar o Proagro entre o que nós discutimos em março desse ano (com o governo) e o que nós chegamos agora, é motivo de festa”, admitiu Magri.
De qualquer forma, houve uma mudança nas alíquotas, o que está deixando mais caro contratar o Proagro, especialmente no caso de médios produtores.
“Se pegar um Pronamp, o produtor vai pagar 8% de taxa de juros e 23% de alíquota do Proagro. Eu não sei quantos negócios no Brasil hoje têm margem para suportar uma taxa de juro de 30% ao ano”, alertou o CEO da Cresol.
Até mesmo na agricultura familiar, segundo ele, há casos em que a alíquota do Proagro chega a 10%, mais a taxa de juros do Pronaf de 6%, o produtor teria um custo de 16%. “É bem acima da Selic”.
Ainda assim, o executivo acredita que não haverá impacto significativo no volume de contratações, considerando que o produtor terá uma margem muito mais apertada, mas não deverá correr o risco de ficar sem seguro.
E é nessa hora que o CEO da Cresol (que já foi seminarista na época de estudante) cita a parábola do bom semeador.
“Lá, nas sementes que não nascem, o cara segue semeando. O agricultor é o típico persistente. Ele não deixa a terra dele descoberta”, afirma. “Chegou a época do plantio, é da vocação dele, ele vai atrás do crédito, mesmo pagando os 23% de alíquota”.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, pelo menos 70% das operações da Cresol tiveram algum tipo de cobertura do Proagro na última safra.
Expansão para outros estados
Enquanto a soma dos planos federais da agricultura familiar e empresarial cresceu menos de 10%, no sistema Cresol foi possível aumentar em 30%, segundo o CEO, porque há um avanço significativo para outras regiões do País, além dos estados do Sul.
“É uma expansão que já está ocorrendo há dois ou três anos. Por mais que já existam instituições financeiras em algumas cidades, nem sempre elas têm uma expertise e uma definição estratégica em atuar com o agro”, afirmou Magri.
Entre as regiões “novas” para expandir, o executivo cita os estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso.
“Entre o ano passado e este ano, nós abrimos mais de 30 agências em Minas Gerais. Lá tem uma vocação muito grande para o agronegócio, com pequenas propriedades. Nós estamos encontrando uma realidade que muito produtor nunca teve, a oferta do crédito, que agora ele pode acessar”, contou.
O diferencial da Cresol, segundo ele, é a relação mais próxima e um apoio a cada produtor para viabilizar as operações.
“A equipe faz a visita, vamos ver que documento falta, se faz uma consultoria e um acompanhamento. Aí aquele produtor já fala para o vizinho, conta que cooperativa liberou o dinheiro. São pequenas propriedades, muito parecidas”, reforçou.
Uma particularidade do universo da Cresol é que, nos últimos anos, até sobram recursos do Pronaf. “Teve um anúncio de R$ 71 bi (safra passada) e a aplicação foi um pouco mais de R$ 60 bi. Esse ano o anúncio foi R$ 76 bi e a expectativa é que chegue em R$ 70 bi de aplicação, então tem sobrado dinheiro”, disse Magri.
Ele afirmou que o fator limitante é estrutura, como pessoas e agências em maior número. “Se quiséssemos crescer 50%, seria possível”. A exceção – onde realmente falta dinheiro subsidiado – está no crédito voltado ao médio produtor, o chamado Pronamp.
Também faz parte da expansão uma maior presença nas regiões Norte e Nordeste. Na quarta-feira, 17 de julho, a agência 900 da instituição em Juazeiro do Norte, no Ceará. “Mas é outra realidade, outra perspectiva, com muitas operações, mas com volume de recursos baixíssimo”.
Questionado se ainda assim fica viável economicamente ir para regiões mais distantes, de menor volume de crédito, Magri diz que sim, pelo fato de o spread pago pelo Tesouro para as instituições ter um incentivo maior nas operações para estas regiões do País.
“O governo teve a sensibilidade, no Ministério da Fazenda, e acabou aumentando a remuneração para o agente financeiro, para ter um estímulo, exatamente para compensar isso. O BNDES também esteve envolvido nisso, então, se eu vou fazer um crédito no Norte e Nordeste, eu recebo uma remuneração maior”, explicou.
Segundo ele, no caso do BNDES, para operações da região Sul o spread seria de 3,5%. Já para o Nordeste ficaria em torno de 5%.
Neste cenário, ele calcula que, há 5 anos, a região Sul representava 98% das operações da Cresol. “Tenho certeza absoluta que hoje esteja próximo de 90%”, disse, com o avanço do sistema para as outras regiões.
Meta antecipada
No ano passado, em entrevista ao AgFeed, o CEO da Cresol disse que a meta era alcançar R$ 45 bilhões em ativos em 2025. Com base nos resultados até agora, Cledir Magri acredita que o valor deve ser atingido ainda este ano, antecipando seus planos.
“Um dos fatores para essa previsão de atingir um ano antes é a questão do agro, que segue tendo um papel de destaque. É o tema da expansão, que abre novas oportunidades, novas possibilidades de negócio”, explicou.
A participação de outros públicos, como micro e pequenas empresas, também está crescendo, segundo ele. Em 2023 chegou a R$ 33 bilhões em ativos, um crescimento de 30% sobre o ano anterior.
Além do agro, o CEO considera que posicionamento de merca e investimentos em tecnologia vêm contribuindo para o crescimento constante.
A carteira total da Cresol é de R$ 24,5 bilhões, sendo R$ 10 bilhões de crédito rural. O restante é crédito comercial, o que inclui muitas operações também relacionadas ao agronegócio.
Magri estima que 50% da carteira tenha relação com o agro, em diferentes produtos, como no financiamento de um veículo para o produtor rural, por exemplo. Ele disse que essa distribuição “meio a meio” vem se mantendo nos últimos anos e que o planejamento estratégico da Cresol estabelece que o crescimento deve ocorrer em todas as frentes, sendo que o agro não teve ficar com fatia menor que 50%.
CRA Verde
A Cresol tem planos de avançar no mercado de capitais, mas até agora não encontrou “o jeito certo”, segundo o CEO, que diz haver mais dificuldades para cooperativas de crédito se comparadas as cooperativas agropecuárias, ligadas à produção.
Em 2022, o sistema chegou a captar R$ 250 milhões via emissão de CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), mas acabou liquidando as operações nas datas de vencimento.
No último ano, buscou maneiras de viabilizar a emissão de um CRA Verde, em conjunto com o BNDES e o BID. “Mas não conseguimos avançar, porque não encontramos um formato que agregasse os três atores, além de não ser simples, ficando uma operação muito cara”, contou Magri.
O objetivo, porém, não foi abandonado. A Cresol agora está otimista com a possibilidade de emitir um primeiro CRA Verde, ainda este ano, desta vez em parceria com um fundo alemão, cujo nome não foi relevado.
“Eles são especialistas em mercado de capitais e trabalham com títulos verdes”, disse. Desta vez, só os alemães e o sistema cooperativo participarão do processo, sem outros envolvidos.
Cledir Magri disse que, no outro modelo, o custo elevado tornaria a operação deficitária para a Cresol, por isso não seguiu adiante.
“Nosso sonho é fazer dois CRAs, um com selo verde e outro com selo social”, disse. “Mas sabemos que não são operações simples”. A expectativa é que cada uma das operações fique, no mínimo, em R$ 100 milhões.
O executivo também reclama da dificuldade adicional que existe quando se trata de uma instituição financeira, como uma cooperativa de crédito. “Se uma cooperativa de produção faz, consegue acessar em condições mais acessíveis do que uma de crédito”.
Uma ideia que a Cresol também vem adiando é o lançamento de um FIDC para financiar máquinas usadas. “Estruturamos o fundo, já estava pronto para lançar em uma feira, mas quando fizemos o teste de estresse com os produtores rurais, vimos que eles acharam caro, não contratariam”, contou.
“Nem CRA, nem FIDC ou Fiagro, nós não abandonamos. Entendemos que eles têm um papel importante dentro do nosso portfólio de captação, mas precisamos achar o jeito certo”, disse Magri.