Para quem ainda duvida que o financiamento verde pode chegar aos agricultores, um grupo de empresas e bancos está dando uma demonstração prática, ao anunciar um projeto de US$ 47 milhões baseado na emissão de CRAs, Certificados de Recebíveis do Agronegócio, atrelados a critérios de sustentabilidade, para financiar a soja de baixo carbono.

Nos próximos meses, 122 propriedades rurais serão financiadas pelos recursos captados por meio dos CRAs Verdes que estão sendo emitidos, algo em torno de R$ 232 milhões, para expandir de forma sustentável a produção de soja no Cerrado.

Para ter acesso aos juros mais baixos que o mercado, os produtores terão o compromisso de desmatamento e conversão zero de mata nativa, incluindo os excedentes de reserva legal.

Desta forma, as áreas que ainda poderiam ser desmatadas legalmente, seguindo os percentuais de preservação definidos pela legislação brasileira, também precisam ser mantidas.

Os produtores beneficiados pelo projeto estão nos estados de Mato Grosso, Goiás e no Matopiba (região que engloba o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

A ideia é oferecer incentivos para a produção e eventual expansão do cultivo sem desmatar áreas de vegetação nativa, mesmo aquelas permitidas por lei.

A emissão terá como lastro as 260 mil toneladas de soja estimadas para a safra 2023/2024 nestas propriedades, o que resultará na conservação de uma área de 43,4 mil hectares de vegetação nativa, segundo informaram as empresas envolvidas no projeto. Com isso, ficarão preservados 11,3 mil hectares de excedente de reserva legal, que são capazes de estocar mais de 20 milhões de toneladas de carbono.

A estrutura financeira é feita da seguinte forma: os CRAs foram registrados na Bolsa de Viena, na Áustria, e na B3, no Brasil.

Os green bonds foram comprados pelo Santander do Brasil e pelo Rabobank, que aportaram, cada um, US$ 12,6 milhões. Além deles, o fundo europeu de investimento de impacto AGRI3 colocou mais US$ 11 milhões.

Esses recursos se somam a outros US$ 11 milhões alocados pelas varejistas britânicas Tesco, Sainsbury’s e Waitrose em um fundo criado pela iniciativa Responsible Commodities Facility (RCF), em agosto de 2022.

A emissão dos green bonds em dólar foi coordenada pela Sustainable Investment Management (SIM), empresa especializada em finanças ambientais e idealizadora do RCF, em parceria com a Opea, uma das principais plataformas de securitização do país, e a Traive, plataforma tecnológica brasileira que conecta produtores rurais e investidores, permitindo a análise, o gerenciamento de portfólio e documentação, e monitoramento do risco de crédito.

"A primeira emissão do CRA Verde em dólar do último ano foi um enorme sucesso entre os investidores, tanto que esse ano a operação cresceu mais de quatro vezes em volume. Isto demonstra claramente o potencial do agronegócio brasileiro, bem como o forte interesse de investidores privados”, afirmou o CEO da Traive, Fabricio Pezente.

No ano passado a Traive, a Opea e a SIM viabilizaram o primeiro CRA Verde em dólar do Brasil, numa operação que levantou US$ 11 milhões. A proposta era parecida, e envolvia o cultivo de soja em regiões livres de desmatamento.

“Estou confiante de que essa demanda continuará crescendo significativamente ano após ano”, comenta Pezente.

O primeiro CRA também foi listado na Bolsa de Viena pela Opea, e é o terceiro do mercado local.

"A iniciativa abre uma porteira para que produtores que atuam de forma sustentável acessem recursos no exterior que antes eram apenas para grandes empresas brasileiras que emitem green bonds”, disse Renato Frascino, sócio e head de Agronegócios da Opea.

O escritório de advocacia Pinheiro Neto Associados prestou a assessoria jurídica da operação e o Santander Brasil, além de ter adquirido os green bonds, atuou como coordenador líder da emissão da série brasileira.

"Este CRA Verde demonstra a nossa capacidade de unir esforços e inovar para que os nossos clientes possam atender às mais exigentes demandas do mercado internacional por commodities sustentáveis, e adotar melhores práticas produtivas que preservam os nossos ricos ecossistemas”, afirmou Maitê Leite, vice-presidente executiva Institucional do Santander Brasil, que ressaltou que a instituição é líder na escrituração de CBIOs por aqui.

As propriedades seguirão os critérios socioambientais da Iniciativa IFACC – Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco.

O cumprimento dos critérios e os impactos ambientais serão continuamente monitorados e reportados a um Comitê de Sustentabilidade que envolve o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (UNEP), The Nature Conservancy (TNC), BVRio, Conservation International, Proforest Initiative Brasil e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).