O industrial gaúcho Dan Ioschpe não é exatamente um PHD no agro, muito menos em agricultura regenerativa – condição que ele próprio faz questão de ressaltar em suas falas.

Nascido em uma família que construiu, ao longo do século passado, a maior fabricante de rodas do mundo, a gigante e já centenária Ioschpe-Maxion, o economista de formação sempre tangenciou as temáticas de agro e clima, mas não teve proximidade maior com os negócios do campo ao longo de sua carreira – a não ser um período em chegou a comandar a operação da Massey Ferguson no Brasil, nos anos 1990.

Apesar de ser mais conhecida pelos negócios de rodas e componentes para o setor automotivo e ferroviário, durante décadas, a Ioschpe-Maxion teve uma divisão de máquinas agrícolas e fabricava os tratores da marca norte-americana no Brasil

A marca ficou com os Ioschpe até 1996, quando a americana AGCO adquiriu o braço de máquinas agrícolas da companhia gaúcha e passou a ser a fabricante nacional da Massey.

Ioschpe, então, passou a se dedicar à Ioschpe-Maxion, da qual hoje é presidente do conselho de administração. Ao assumir há pouco mais de um mês o cargo de “campeão de alto nível” na COP30, a conferência do clima das Nações Unidas que vai ser realizada neste ano no Brasil, em Belém (PA), a convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o empresário voltou a ter contato mais próximo com o agronegócio e suas lideranças.

A aproximação é crucial pelo fato de que o campeão da COP faz a conexão entre governo, sociedade não-governamental e iniciativa privada - e, no caso brasileiro, engajar o agronegócio é importante pelo fato de o setor ser um grande emissor de gases do efeito estufa e estar no centro das discussões climáticas.

Apesar da conexão com os industriais, Ioschpe diz que já vinha se aproximando do agro desde o ano passado, quando presidiu o B20 Brasil, grupo do setor empresarial que acompanhou o andamento do G20, coordenado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Nos encontros do B20, o empresário lembra especialmente das considerações de Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS e líder da força-tarefa de Sistemas Alimentares e Sustentáveis do grupo, que defendia não existir uma “bala de prata” para tornar a produção de alimentos mais sustentável”.

Também estava de olho em Ricardo Mussa, líder do grupo transição energética e clima do B20 e, na época, CEO da Raízen – ele deixou a companhia de Rubens Ometto em novembro do ano passado e agora lidera o Sustainable Business COP30, grupo semelhante ao B20, mas voltado para a conferência do clima.

Há pouco mais de uma semana, já sob o chapéu de champion da COP, Ioschpe esteve em um evento promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em São Paulo, e discursou para uma plateia de vários empresários e líderes do setor.

Em sua fala, destacou as possibilidades únicas que a agropecuária nacional pode oferecer em termos de desenvolvimento socioeconômico “equilibrado” e ressaltou especialmente o papel dos biocombustíveis e dos créditos de carbono nessa transformação.

Ioschpe detalhou suas ideias sobre possíveis relações entre o agronegócio e a COP30 em uma entrevista ao AgFeed entre um compromisso e outro em uma agenda bastante apertada.

O empresário estava prestes a embarcar para Brasília, onde participaria de um evento promovido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Além de ocupar o cargo de champion da COP, Ioschpe também continua à frente do conselho da Iochpe-Maxion, acumulando ainda a participação no conselho de outras grandes companhias como Marcopolo, WEG e Embraer “e outras cositas más”, em suas palavras.

A seguir, um resumo dos principais tópicos da entrevista com Ioschpe:

Importância do agro para a COP

“Acreditamos que o agronegócio, a agroindústria e tudo o que gira em torno da agricultura é fundamental na agenda de ação climática e pode fazer uma diferença muito grande.

Essa é uma percepção tanto do champions team quanto da presidência da COP, porque uma parte significativa da mitigação das emissões, no caso brasileiro, deveria ocorrer justamente no agro.

O papel do agro é preponderante aqui, no caso brasileiro, porque a COP vai ser no Brasil. Não é muitas vezes que a COP se realiza em um país que tem tanto potencial de influir nessa balança. Dessa vez, estamos num país que tem potencial de ação climática muito diferenciado, não só no agronegócio, mas talvez, especialmente, no agronegócio.

É muito importante a gente usar esse ciclo para mostrar ao mundo essas tecnologias e aí, obviamente, retirar gargalos”.

Agro como solução

“O interessante é que existem muitas soluções dentro do agro, não só soluções, como ciência: você tem ciência também no agro, a Embrapa é um ótimo exemplo – e tem outras entidades também.

Você tem todos os ingredientes, relevância, escala, competitividade, no caso brasileiro, e soluções tecnológicas para que haja um impacto muito favorável do agro.

Vejo um papel muito importante e um potencial muito importante de fazer coisas grandes e relevantes. Se nós tivermos um bom caminho com o agro, como acho que vamos ter, e com o tema de florestas, no caso brasileiro, nós estamos tratando da maior parte da questão das emissões. Haveria um avanço nesse jogo muito significativo”.

Biocombustíveis

“Quando pensamos nos biocombustíveis, a gente tem no etanol, obviamente, uma experiência fantástica e vitoriosa. E que está na ponta do consumidor há muitos e muitos anos, que já tem economia de escala e que já caminha por seus próprios passos. Também há o etanol de segunda geração, o combustível sustentável de aviação, a biomassa, enfim, há muitas oportunidades abertas.

Talvez nenhum outro país tenha esse arsenal de potencial em relação a biocombustíveis, porque a gente tem uma produção de biomassa de várias naturezas que poucos países terão.

“Talvez a gente tenha passado tempo demais pensando só no Brasil – e aqui há uma oportunidade muito grande de integração dessa história com o mundo”

Essa agenda é chave para o Brasil e precisa agora haver uma concertação internacional. A gente precisa trabalhar um pouco, talvez, para ajudar que essa mitigação de carbono e essas vantagens dos biocombustíveis sejam evidentes, transparentes e claras para todos os demais países.

Outros países começam a adotar algumas tecnologias e alguns desenvolvimentos brasileiros envolvendo etanol e mistura.

Talvez a gente tenha passado tempo demais pensando só no Brasil – e aqui há uma oportunidade muito grande de integração dessa história com o mundo, seja do ponto de vista do crédito, seja no desenvolvimento dessas tecnologias por outros países que têm potencial de geração de biomassa e de produção”.

Financiar a transformação

“Temos várias oportunidades, várias iniciativas privadas, público-privadas, que tentam endereçar projetos específicos. Também temos essa questão do offset de carbono. Na medida em que essas soluções se mostrem vantajosas do ponto de vista de mitigação e tenham comprovação científica e a gente possa botar isso na mesa, com certeza, você vai ter valor nessa produção em relação ao que significa o custo do carbono. Temos alguma ideia disso no mercado europeu e em alguns outros mercados em que você já tem essas negociações avançadas.

Acho que nós vamos sempre precisar de financiamento, mas os projetos que têm escala e competitividade podem se autofinanciar, se auto sustentar pela sua própria vocação econômica.

Pensando nos setores, no contexto brasileiro, talvez o agro seja aquele no qual a gente tem a maior vantagem competitiva. E talvez ali a gente acabe tendo as melhores surpresas em termos de alternativas econômicas derivadas do próprio projeto”.

Como o agro pode definir suas prioridades para a COP

“Todos os setores estão sendo chamados a mostrar os seus projetos, suas prioridades, e elas precisam ter um KPI, um indicador, uma chave de performance. Então, eu acho que a busca que a presidência da COP está fazendo, e nós, obviamente, estamos participando e estamos engajados, é de tentar definir a relevância dessas iniciativas e, obviamente, botar algum foco, senão a gente corre o risco de ficar muito pulverizado e ter pouco foco em questões mais relevantes. Na minha opinião, a gente faz isso por relevância objetiva, não subjetiva.

E o que isso quer dizer? Quando a gente fala da mitigação, a questão objetiva, por exemplo, em gases, efeito estufa e emissões, ela é mais fácil. Você pode, de fato, dizer: ‘Olha, esse processo dá uma contribuição X e esse processo dá uma contribuição Y, onde é que eu vou botar a prioridade?’

Já quando a gente fala de adaptação e resiliência climática, somos mais subjetivos. Nós precisamos encontrar aqueles projetos de maior relevância e também botar um foco neles, porque, no fim do dia, de forma objetiva ou de subjetiva, eles vão trazer uma contribuição ao ser humano e ao desenvolvimento socioeconômico, seja ele maior ou menor.

Nós precisamos ajudar trazendo um certo mapa de relevância. E creio que a presidência brasileira da COP e nós, em conjunto, faremos isso, e haverá, sim, um grupo de prioridades”.

O papel do champion na COP

“A essência desse cargo é justamente a gente estar conversando com toda a sociedade não governamental, especialmente. Também com governos, mas especialmente com a sociedade não governamental, para tentar acelerar a agenda climática e a implementação dos assuntos.

O que eu estou fazendo desde o primeiro dia é conversar ao máximo com todos aqueles que estão participando dessas temáticas e é muita gente, de todos os setores, empresas, Nações Unidas, e claro, a presidência da COP no Brasil, representada pelo embaixador André Corrêa do Lago.

Minha ida ao evento da Abag é o exemplo de uma ação em que falamos com o setor, no caso, o agribusiness, para incentivá-los ao máximo a estarem muito ativos no processo.

A minha experiência é muito mais no ambiente empresarial, tomando decisões e tratando de temas diversos. Mas a minha vida tangenciou as questões climáticas, porque elas estão em qualquer empresa. A própria Ioschpe tem compromissos, tem bonds no exterior, com sustentability-linked bonds há muitos anos. Tem metas públicas de sustentabilidade.

Além disso, todas as empresas onde sou conselheiro têm remuneração variável para os seus diretores, com base no atingimento de metas relacionadas à ação climática”.

Resumo

  • O industrial Dan Ioschpe foi indicado em abril para o cargo de "campeão de alto nível" da COP30, que será realizada em novembro no Brasil
  • Empresário é presidente do Conselho de Administração da Ioschpe-Maxion, maior fabricante de rodas do mundo
  • Para Ioschpe, o agronegócio pode fazer a diferença na COP pelas soluções que criou para mitigar sua pegada de carbono