Ricardo Mussa não parou desde que deixou o comando da Raízen, em novembro do ano passado. De lá para cá, seu passaporte recebeu os carimbos de diversos países, como China, Alemanha e Japão.

Não se trata exatamente de turismo, mas de uma espécie de sabático com causa. Férias mesmo ficaram restritas a um breve período em meados de julho passado, aproveitando o calendário escolar de suas duas filhas.

De resto, a agenda atribulada se explica pelo fato de que Mussa assumiu, em março passado, uma nova missão, não muito longe do ambiente corporativo que frequentou ao longo de sua carreira executiva.

Mussa hoje ocupa o cargo de chair da SB COP 30, sigla para Sustainable Business COP 30, iniciativa global liderada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

“Meu envolvimento com a SB COP está tomando o meu tempo. Mas está sendo muito legal. Achei que era um momento bom de fazer networking e participar de uma oportunidade única”, diz Mussa em conversa com o AgFeed em São Paulo.

“Eu disse: ‘Para que eu vou perder essa oportunidade? Recém saí de uma companhia, para que entrar em uma outra na sequência?’”, complementa Mussa, que, no entanto, admite, sem dar detalhes, estar “mapeando” possibilidades no mercado corporativo.

Enquanto isso, ele tem concentrado suas forças na SB COP, que tem o objetivo de articular o setor privado e levar suas pautas à COP 30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas que será realizada em novembro em Belém (PA).

Ao todo, 67 países já estão participando dessa espécie de coalizão, representados por organizações equivalentes à CNI em cada país, caso da Câmara Americana de Comércio, nos Estados Unidos, e de um órgão semelhante na China.

"A ideia era termos 15 países e devemos chegar no final a mais de 70 países. Ao todo, são quase 40 milhões de empresas sendo representadas por essas entidades", diz Mussa.

O executivo explica que a criação dessa entidade responde a uma demanda crescente por parte das empresas e é também a uma forma de o setor privado estar representado na conferência.

"A COP sempre foi algo onde o setor privado nunca teve muita bola, muita vez. É um negócio muito de governo, em que o setor privado não participa", diz ele.

"Mas, nas últimas COPs, começou a ter mais movimento do setor privado, porque 80%, 85% de toda a emissão de CO2 vem daí. Foi então que começou uma discussão de trazer o setor privado para a mesa. Só que ele não é organizado para estar na COP", emenda Mussa.

A SB COP é declaradamente inspirada, segundo ele, no modelo do B20 Brasil, grupo também coordenado pela CNI que reuniu empresários brasileiros de diferentes setores para influenciar a discussão da Cúpula de Líderes do G20, realizada no Rio de Janeiro em novembro do ano passado.

"Vimos que o nível de assertividade das recomendações do B20 foi altíssimo: 72% do que escrevemos estava no documento final do G20", recorda Mussa.

Ele lembra também que isso chamou a atenção do empresário Dan Ioschpe, chair do B20 e hoje high-level champion da COP30: "Ele falou: 'Esse negócio funciona'. E quando veio a COP, ele disse: 'Por que a gente não faz o mesmo na COP? Criando o B20 da COP?'", diz Mussa.

Ricardo Alban, presidente da CNI, por fim, teve a ideia de criar um grupo sob a batuta da confederação das indústrias. A iniciativa também ganhou a simpatia do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP 30. "Hoje, o Brasil tem a felicidade de ter o presidente da COP, o high-level champion e o chair da SB COP muito alinhados", resume Mussa.

Também a exemplo do B20, um time de peso, reunindo grandes líderes de empresas de diferentes setores, foi chamado para liderar cada uma das oito forças-tarefas temáticas.

Gilberto Tomazoni, CEO global da JBS, lidera a força-tarefa de sistemas alimentares, enquanto Daniela Manique, CEO da Solvay-Rhodia para a América Latina, atua na frente de transição energética.

Tércio Borlenghi, fundador e CEO da Ambipar, lidera o grupo de economia circular e materiais. João Paulo Ferreira, CEO da Natura, representa a força-tarefa de bioeconomia.

Rafael Segrera, presidente da Schneider Electric para a América do Sul, comanda a força-tarefa de empregos e habilidades verdes, enquanto Luciana Ribeiro, sócia-fundadora da gestora eB Capital, lidera o grupo de financiamento climático.

Fechando a lista, Rubens Menin, controlador da construtora MRV e do Banco Inter, conduz o grupo de cidades mais sustentáveis e resilientes.

Mussa planeja que cada uma dessas oito forças-tarefas apresente três recomendações cada à conferência do clima da ONU. A ideia é que essas sugestões sejam reunidas em um paper a ser finalizado até o fim deste mês.

“Para que possamos, entre setembro e novembro, articular, primeiro fazer o advocacy das recomendações, botar debaixo do braço e explicar para todo mundo”, explica Mussa.

O executivo admite que não é simples congregar interesses de diferentes setores privados e realidades diversas entre si.

"O cara da Arábia Saudita não está muito a fim de eletrificação, por exemplo. Já para o cara da China, eletrificação é tudo. Para o Brasil, biocombustível é mais importante. Mas e aí, o que é mais relevante pro mundo?", pondera Mussa. “A minha maior dificuldade é lidar com essa diversidade, porque agora os interesses são muito distintos.”

Ele também lembra que o desafio de influenciar a COP 30 é bem maior que o G20: “No G20, são 20 países. Na COP, são 197. E o modelo de negociação do G20 não é por consenso. O da COP é. Se você tiver um país, por menor que ele seja, uma ilha do Caribe, que falar ‘não estou de acordo’, não sai o documento.”

Dessa forma, a ideia de Mussa é também ir além das recomendações do setor privado. Ele diz que criou um concurso, o SB COP 30 Awards, para selecionar projetos já em andamento das 40 milhões de empresas representadas pelas entidades de indústria e comércio que participam da SB COP.

Cada força-tarefa vai avaliar e escolher as melhores iniciativas para levar 40 projetos a serem apresentados em um estande na blue zone (área onde acontecem as negociações e com acesso mais restrito), em Belém.

"Quando alguém de algum governo estiver passando por ali, queremos dizer: 'Deixa eu te mostrar por que, na sua política pública, você tem que falar de etanol'. Ou 'deixa eu te mostrar esse projeto aqui, que está dando retorno financeiro, está reduzindo emissões'", diz. "A melhor forma de influenciar o setor público é através do exemplo.”

No ano que vem, a SB COP 30 continuará funcionando, com Mussa passando o cargo a um representante do país onde a conferência do clima da ONU será realizada – Turquia e Austrália estão na disputa, com o favoritismo do país da Oceania.

Um discurso para o agro

Mussa avalia que o Brasil tem uma oportunidade "única" de liderança na COP, podendo apresentar suas soluções ambientais, inclusive no agro. “A gente está na parte da solução, não do problema. Tem país que é problema. O Brasil é a solução.”

Para exemplificar como o agro pode ser solução, ele menciona o dispositivo presente no Código Florestal brasileiro, que determina que determinadas porcentagem da área de um imóvel rural devem ser como Reserva Legal – na Amazônia Legal, por exemplo, 80% dos territórios das propriedades devem ser preservados.

"Que país do mundo tem isso? Você vai para França, vai para os Estados Unidos e ninguém tem isso. E no fim, a gente também não se orgulha disso", diz Mussa.

"A gente tem muita área preservada, a legislação ambiental brasileira é super dura com o agricultor, temos também o biocombustível, somos exportadores de energia, de alimentos... A gente fala muito mal da gente e a COP é a hora de mostrarmos que o Brasil tem, principalmente no agro, uma liderança inequívoca também na questão ambiental. O nosso agro é mais verde que o agro do resto do mundo e não somos reconhecidos por isso", emenda ele.

Em contato permanente com representantes de diferentes países, Mussa sente que há má vontade com o setor agrícola brasileiro e que isso acontece muitas vezes por desconhecimento – e por isso é importante enfatizar o que o setor produtivo está fazendo no Brasil.

“Quando eu vou fazer reuniões lá fora, acho que há uma imagem muito ruim e um desconhecimento do que é a agricultura brasileira e do que é o agricultor brasileiro. A pessoa não sabe o que é Reserva Legal, por exemplo. A imagem que vem de desmatamento da Amazônia é de uma minoria. Isso não representa a agricultura brasileira. E é isso que chega lá fora”, diz Mussa.

“Às vezes, por má fé também de algumas ONGs ou de gente que são nossos competidores e que utilizam isso para prejudicar a agricultura brasileira.”

Dessa forma, na sua avaliação, até mesmo empresas brasileiras acabam sendo influenciadas por métricas e formas de análise que não levam em consideração as características do agro brasileiro.

Mussa traz um exemplo concreto da Raízen: “Tinhamos uma discussão muito séria que era a seguinte: você media escopo 1, escopo 2, escopo 3 e havia uma discussão no Conselho de que era necessário produzir menos etanol para você reduzir as suas emissões como um todo, já que o etanol não é emissão zero e, se você produzir mais etanol, você reduzir a emissão”, recorda.

“Eu dizia: ‘Não, gente. Se eu produzir mais etanol, vou substituir a gasolina. Quem é produtor de renovável tem que incentivar a produção.’ Mas, como na métrica mundial, a lógica é feita por causa do problema, você não pode aplicar a lógica do problema por causa da solução”, emenda ele.

O passado e o presente da Raízen

A Raízen de hoje já é bastante diferente da empresa que Mussa deixou, em novembro do ano passado, quando saiu do cargo, hoje ocupado por Nelson Gomes, que havia sido CEO da Cosan e que adotou uma nova linha de trabalho.

Em fevereiro passado, após registrar um prejuízo líquido de R$ 2,57 bilhões no terceiro trimestre do ano-safra 2024/2025, a companhia congelou investimentos previstos para o etanol de segunda geração (E2G).

O E2G era um dos principais pilares da gestão de Mussa, que previa a instalação de 20 unidades produtoras de etanol celulósico até a safra 2030/2031. Agora, além da planta que está em operação, a unidade Bonfim, em Guariba (SP), apenas quatro mais quatro novas usinas estão garantidas.

Outra estratégia da nova gestão foi pautada por desinvestimentos de ativos que estavam no portfólio, com a ideia de adequar a empresa à realidade de juros altos que vive o Brasil.

Ao final do ano fiscal 2024/2025, encerrado em março de 2025, a alavancagem da empresa estava em 3,2 vezes, ante 1,3 vez um ano antes. Já a dívida líquida encerrou o mesmo período em R$ 34,3 bilhões, 78,9% superior à cifra reportada na safra anterior. A empresa ainda registrou um prejuízo líquido de R$ 2,5 bilhões no ano passado.

Até aqui, os desinvestimentos já somam mais de R$ 2,7 bilhões e o mais representativo deles – não tanto pelos valores envolvidos, mas sim pelo histórico – talvez seja o fechamento da Usina Santa Elisa, unidade industrial de Sertãozinho (SP), anunciado no mês passado.

Fundada em 1936 pelas famílias Biagi e Marchesi, a Santa Elisa foi considerada um marco do setor sucroenergético na região de Ribeirão Preto. Muitas décadas depois, passou ao comando de Rubens Ometto, já em 2021, após a Cosan ter adquirido a Biosev, que detinha o comando da usina.

Mussa despista quando questionado sobre como avalia os rumos da Raízen após a sua saída. Cuidadoso nas palavras, faz elogios à companhia.

“Acompanho muito de longe agora. Posso dizer que é uma super empresa e que tem excelentes projetos. O momento atual é diferente, tem que respeitar o momento que eles estão vivendo lá. Acho que eles têm grandes ativos, excelentes pessoas, tem tudo para dar certo”, diz.

Assim como Rubens Ometto, fundador e sócio controlador da Cosan, que volta e meia aparece em público para criticar o atual nível da taxa Selic, Mussa também menciona a restritividade dos juros em sua fala.

“De novo, são momentos diferentes. O Brasil está com juros muito altos. Você teve um ciclo de baixa na parte de ESG, que ninguém imaginava que teria agora, então tem uma demanda menor pelos produtos. E é muito difícil falar de ficar crescendo… Olhando um pouco para a Selic 15% ao ano, quem que vai tomar a decisão de fazer grandes investimentos? É muito difícil, quando você deixa o dinheiro parar na conta rendendo 15%...”

Apesar do "ciclo de baixa" atual, ele acredita que o "trend (tendência) do E2G continua" e que sua "essência" de eficiência e transporte de energia limpa é válida.

Ele admite também que o Brasil deu “um pouco de azar” ao sediar a COP num momento em que os Estados Unidos estão alterando políticas climáticas após o início do segundo mandato do presidente Donald Trump, em que a temática ficou em segundo plano.

“Não dá para a gente dourar a pílula. O momento dos Estados Unidos é outro. O governo é outro. Não é prioridade para eles”, diz.

Mussa também reconhece que as condições para a realização da COP estão longe do ideal.

Nas últimas semanas, as críticas sobre a falta de estrutura da rede hoteleira de Belém e os preços abusivos de hospedagem na capital paraense têm escalado dentro e fora do Brasil.

Delegações de diversos países vêm pressionando o governo brasileiro, com a ameaça de que não vão participar do evento ou de enviar uma quantidade menor de pessoas, o que prejudicaria a representatividade do evento como um todo.

Mussa acredita que isso deve se refletir também na quantidade de executivos que vão participar do evento.

“O que eu acho que vai acontecer na prática é que muitos CEOs não virão, porque o cara precisa ter seis meses de antecedência ou até mais para definir esse tipo de agenda. Na prática, acho que virá um número menor de pessoas e mais júnior do que em outras”, diz.

“Nosso papel agora é tentar motivar essa turma a vir e tentar fazer eventos pré-COP em São Paulo e no Rio. E ajudar o governo no que a gente puder ajudar”, emenda Mussa.

Seja pelas dificuldades geopolíticas, seja pelas dificuldades práticas, Mussa admite que o momento para a realização da COP no Brasil não é o melhor, mas reforça a necessidade de adaptação.

“Não dá para também falar que é bom. Vai ser mais difícil do que a gente imaginava. Se tivesse sido em outro momento, há um ano atrás, dois anos atrás… Mas é o que é. É a realidade. Nunca vai ser do jeito que a gente quer. Temos que nos adaptar e fazer o melhor que dá pra fazer.”

Resumo

  • Poucos meses depois de deixar o comando da Raízen, Ricardo Mussa comanda a SB COP 30, iniciativa que articula o setor privado para influenciar a COP 30
  • Com forças-tarefas temáticas com grandes líderes empresariais, entidade prepara recomendações às lideranças da COP e projetos concretos para apresentar em Belém
  • Mussa admite que o momento geopolítico do mundo e de logística em Belém dificulta a realização da COP