“O timing é horrível.” Foi assim que Ingo Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), uma das principais entidades representativas do setor, definiu a decisão da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que na noite de segunda-feira, 18 de agosto, suspendeu de forma preventiva a vigência da Moratória da Soja.

A reação de Plöger, de certa forma, resumiu a percepção de boa parte do agronegócio brasileiro. Isso porque a decisão do órgão antitruste veio um ano depois de um questionamento formal vindo da Câmara dos Deputados sobre o acordo, criado em 2006, com participação de grandes tradings como ADM, Bunge, Cargill e Amaggi, em que elas se comprometem a não comprar soja de áreas desmatadas no bioma Amazônia após julho de 2008.

Só que a medida, lembra Plöger, vem em um momento especialmente delicado, em que o Brasil precisa reforçar sua imagem no exterior diante das crescentes exigências ambientais de mercados compradores do produto brasileiro.

É o caso dos Estados Unidos, que citou o desmatamento ilegal como um dos motivos para taxar a importação de produtos brasileiros em 50%, e da União Europeia, cuja lei antidesmatamento deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2026, e exige que as commodities vindas do Brasil não tenham sido produzidas em áreas desmatadas.

Além, é claro, do fato de o país estar às vésperas de receber a COP 30, a conferência do clima da ONU, que será realizada em Belém em novembro – e na qual o País pretende mostrar ao mundo que está engajado no combate ao desmatamento ilegal.

“Mesmo que legalmente [a decisão do Cade] tenha fundamentos legais em relação à concorrência ou não, agrava [a imagem do País] porque parece mostrar que a gente é leniente e deixa desmatar, o que não é o fato”, afirmou Plöger a jornalistas nesta terça-feira, dia 19 de agosto, em um evento em São Paulo.

“Certo ou errado, com direito ou sem direito, vai prejudicar a imagem, principalmente agora, no meio da COP e com os Estados Unidos nas nossas costas… é um prato cheio para dizerem: ‘Estão desmatando mesmo’”, acrescentou.

Se, por um lado, um dos principais representantes da associação do agronegócio pareceu preocupado, de outro, os produtores de soja de Mato Grosso, os principais críticos do acordo antidesmatamento, comemoraram a decisão do Cade.

“Trata-se de um marco histórico na defesa da livre concorrência e da produção legal no campo, que devolve segurança jurídica e dignidade aos milhares de produtores que sempre atuaram em conformidade com o Código Florestal e as leis ambientais brasileiras”, disse a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), em nota divulgada à imprensa.

Os produtores também não têm receio de que a medida traga prejuízos ao comércio dos grãos, uma vez que a cultura vem avançando sobre áreas de pastagens, e não sob novas áreas desmatadas, segundo disse Maurício Buffon, presidente da Aprosoja Brasil, à agência de notícias Reuters. "Não acreditamos que haverá queda no comércio de soja", disse.

Para o Cade, a Moratória é “um acordo anticompetitivo entre concorrentes que prejudicam a exportação de soja”.

Assim, além de suspender o acordo, o órgão antitruste determinou também que o grupo de trabalho da Moratória “se abstenha de coletar, armazenar, compartilhar ou disseminar informações comerciais referentes à venda, produção ou aquisição de soja, bem como que se abstenha de contratar processos de auditoria.”

“Seus membros devem também se abster de compartilhar relatórios, listas e documentos que instrumentalizem o acordo, bem como retirar a divulgação de documentos relacionados à moratória de seus sítios eletrônicos”, acrescentou o Cade, em nota.

No início da tarde, um site que trazia informações sobre a moratória foi retirado do ar, segundo a Reuters, numa indicação de que a decisão já começou a repercutir entre os integrantes do pacto.

A autarquia estabeleceu multa diária de R$ 250 mil caso a medida seja descumprida. Além da suspensão da Moratória, o Cade instaurou também um processo administrativo contra associações e empresas envolvidas, que foram intimadas a apresentar defesa.

Após a fase de instrução, a Superintendência-Geral do Cade emitirá um parecer conclusivo, que será encaminhado ao Tribunal da autarquia para julgamento.

Há ainda a possibilidade de um acordo por meio de Termo de Cessação de Conduta (TCC) entre o Cade e as representadas.

Em caso de condenação, as associações podem ser multadas em valores que vão de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões. Já para as empresas, as penalidades variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto registrado no último exercício anterior à abertura do processo administrativo.

O que dizem as entidades

A reação das associações que representam indústrias e tradings foi de surpresa, segundo notas divulgadas após a decisão.

A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) disse ter sido surpreendida e recebido com “extrema preocupação” a decisão do Cade.

A entidade afirmou ainda que deverá recorrer da decisão, adotando “medidas administrativas cabíveis, mas ressaltou que continuará mantendo o “espírito de total colaboração” com o Cade.

Na mesma linha, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) também declarou surpresa com a decisão.

A associação disse reiterar “seu compromisso com a legalidade” e informou que tomará medidas cabíveis de defesa, além de colaborar “de forma plena e transparente com as autoridades competentes”, fazendo a prestação de “todos os esclarecimentos necessários para o devido andamento do processo”, disse.

A Abiove concluiu seu comunicado dizendo que “seguirá acompanhando atentamente os desdobramentos do caso, mantendo sua postura institucional de diálogo construtivo e respeito às normas vigentes.”

Já a Aprosoja-MT, além de comemorar a decisão do Cade, também disse que o acordo vinha impondo, há anos, “barreiras comerciais injustas aos produtores, sobretudo os pequenos e médios, impedindo a comercialização de safras cultivadas em áreas regulares e licenciadas.”

“Ao reconhecer os indícios de cartel e as distorções geradas por esse mecanismo, o Cade cumpre seu papel institucional de combater práticas anticoncorrenciais e preservar o ambiente de mercado justo e competitivo.”

A Aprosoja-MT disse também que, mais que uma vitória do setor, a decisão também é “um passo essencial” para que o Brasil possa “reafirmar que sustentabilidade e legalidade não se opõem”, reforçando também o fato de que “não se pode simular políticas ambientais como pretexto para a exclusão econômica.”

A associação finalizou sua nota informando que “seguirá vigilante e atuante para garantir que produtores que respeitam a lei também tenham o direito de produzir, prosperar e contribuir com o desenvolvimento do país.”

Já a organização Greenpeace criticou a decisão do Cade, avaliando que o órgão antitruste está estimulando o desmatamento e forçando mercados a adotarem soja proveniente de áreas desmatadas.

"Avançar com o desmonte de um acordo eficaz, reconhecido internacionalmente e construído ao longo de quase vinte anos, em nome do desmatamento livre, seria um tiro no pé. Sem a Moratória da Soja, considerada um dos acordos multisetoriais mais eficazes do mundo, abre-se caminho para a soja voltar a ser um grande vetor de desmatamento na Amazônia, e isso enterrará qualquer chance de o Brasil cumprir suas metas climáticas", disse, em nota, a coordenadora de florestas do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti.

"É inacreditável que a Moratória tenha sido suspensa há apenas três meses da COP30”, acrescentou.

Linha do tempo

A decisão do comitê antitruste federal acolheu uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados em agosto de 2024, assinada pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT), em que pedia ao Cade que investigasse o acordo por possíveis práticas de manipulação de mercado.

Em dezembro do ano passado, a Aprosoja-MT também havia entrado com uma denúncia formal no Cade para que o órgão investigasse a conduta das empresas signatárias do acordo anti-desmatamento

Na ocasião, a Aprosoja defendeu que a Moratória fere "o princípio da livre concorrência" e que impunha "barreiras supralegais aos produtores, prejudicando diretamente suas atividades econômicas e o desenvolvimento sustentável das comunidades locais."

Somente em Mato Grosso, a associação calculava, na época, que o acordo afetava 85 municípios e 2,7 milhões de hectares, totalizando uma perda de mais de R$ 20 bilhões.

Em movimentações paralelas, os produtores de Mato Grosso já tinham conseguido vitórias que, se não suspendiam a Moratória por completo, diminuiam seu efeito.

Primeiro, ainda em outubro do ano passado, o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, sancionou uma lei estadual contra a Moratória, retirando a concessão de incentivo fiscal às empresas que aderiram à iniciativa.

A iniciativa, que partiu inicialmente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, e foi encampada pelo governador, ganhou até a adesão do ministro Carlos Fávaro na época.

"As organizações não governamentais e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) fizeram um pacto para não comprar produtos de origem de desmatamento e foram mais legais que a lei. Isso gera uma insatisfação legítima dos produtores", afirmou o ministro na ocasião.

Meses depois, já no fim de 2024, quatro partidos políticos - PC do B, PSOL, Partido Verde e Rede Sustentabilidade – entraram com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI nº 7.774) no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão dos dispositivos da lei estadual.

O STF decidiu, então, suspender temporariamente a lei com uma liminar, em decisão de Flávio Dino no dia 26 de dezembro do ano passado.

Em abril passado, no entanto, Dino voltou atrás em sua decisão após um pedido feito pelo governo de Mato Grosso, a Assembleia Legislativa local e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Em despacho, o ministro reconheceu que a Moratória da Soja trouxe "inequívocos benefícios ao país", mas que isso não significava que o acordo não pudesse ser "eventualmente debatido e repactuado" após quase duas décadas de existência.

O ministro determinou que a legislação passe a valer apenas a partir de 1º de janeiro de 2026, "para que as partes privadas e os agentes públicos possam dialogar nos termos que considerarem cabíveis."

"A Moratória da Soja, apesar de sua indiscutível relevância para a preservação ambiental, não tem força vinculante sobre a atuação do poder público, que pode fundamentar sua política de incentivos fiscais, em critérios distintos em relação a um acordo privado, desde que conforme a legislação nacional", escreveu Dino.

Resumo

  • O Cade suspendeu a Moratória da Soja, acordo anti-desmatamento firmado entre tradings e associações, avaliando que pacto é anticompetitivo
  • Associações de tradings e indústrias reagiram com surpresa e prometem recorrer, enquanto produtores rurais de MT comemoraram a decisão
  • Já representantes de entidades como Abag e Greenpeace alertaram para risco de desgaste da imagem do Brasil no mercado internacional