O ambicioso sonho do jovem empreendedor Gabriel Leal de ver seus drones de pulverização voando por lavouras do Brasil não decolou – pelo menos por enquanto.
Depois de fazer alarde e chamar a atenção ao prometer produzir em escala comercial o maior equipamento do gênero no mundo e até informar ter cartas de inteção assinadas com grandes companhias do agro para pulverizar 500 mil hectares quando o aparelho estivesse no mercado, a Psyche Aerospace, fundada e dirigida por Leal, encerrou discretamente as atividades de sua divisão de drones agrícolas na última sexta-feira, dia 16 de maio, e demitiu 130 funcionários que trabalhavam na sede da empresa, em São José dos Campos (SP).
A empresa continuará operando, mas com uma quantidade bem menor de funcionários – entre 25 a 30 pessoas, segundo o próprio Leal – em um escritório em Campinas (SP).
A equipe restante estará focada no desenvolvimento da área de inteligência artificial e de uma plataforma chamada Turing, lançada pela startup em janeiro passado e chamada de “ChatGPT do agro”, em alusão à plataforma da americana OpenAI.
“Estamos solidificando a nossa presença de IA justamente para conseguir voltar com força na parte de hardware”, afirma Leal, de apenas 24 anos, em entrevista ao AgFeed.
Um dos três galpões que a Psyche ocupava em condomínio industrial de São José dos Campos já foi entregue. A startup ocupava ainda três andares de salas locadas junto à unidade do coworking WeWork na cidade, que também foram desocupados.
A Psyche prometia fabricar seus drones de pulverização agrícola em uma fábrica a ser instalada no interior de São Paulo. O maior dos equipamentos desenvolvidos pela empresa era o Harpia P-71, com capacidade nominal de 250 kg, movido por etanol e baterias elétricas e capaz de transportar 400 quilos de defensivos agrícolas.
O portfólio da Psyche tinha outros cinco drones e rovers (robôs). Entre 40 a 60 protótipos já teriam sido produzidos pela startup até o momento. Testes vinham sendo feitos em São José dos Campos e chegaram a ser realizados também em uma fazenda de Mato Grosso.
Leal afirma que o fim da divisão de drones está ligado à dificuldade de atrair novos investidores e finalizar novos contratos com rapidez. Até então, a startup vinha se sustentando a partir de aportes de dois investidores que somaram R$ 19 milhões.
"Cada mês de cash burn da Psyche custa milhões. A cada 30 dias que passavam, estávamos queimando milhões", diz o CEO da empresa.
No fim de janeiro, a startup havia aberto uma rodada de investimentos de R$ 50 milhões e também esperava atrair mais clientes com o lançamento da plataforma Turing.
Mas os planos não transcorreram como a Psyche havia previsto, segundo Leal. "A gente esperava fechar contrato dentro de 30 dias, por exemplo, e alguns contratos que a gente conseguiu levar com mais facilidade ainda estão sendo discutidos."
No lado dos aportes, houve poucos avanços. "Dos investidores que a gente estava conversando em janeiro, a gente evoluiu com alguns deles, só que os critérios de negociação acabaram não tendo fit. Estamos conversando ainda com investidores estrangeiros, e também com um fundo estrangeiro, mas que tem participação aqui no Brasil", afirma Leal.
A equipe já vinha sofrendo cortes ao longo dos últimos 60 dias até a grande leva de demissões registrada na semana passada, culminando também no fim da divisão de drones e concentração das atividades na área de inteligência artificial.
O próprio fundador da startup diz que se reuniu com a diretoria, gerentes e time de engenharia para explicar a situação.
“Antes que tudo colapsasse, tive que ter uma conversa para dizer: ‘Estamos indo no caminho certo, aprendemos muita coisa, chegamos num estágio onde ninguém chegou no Brasil até agora. Só que estamos queimando muito caixa e não estamos conseguindo compensar essa queima com receita, porque ainda estamos em fase de desenvolvimento’”, teria dito Leal.
“A gente não tem esse recurso hoje e, se eu mantiver vocês e toda essa estrutura, vão se passar alguns meses e realmente vamos quebrar.”
A startup já havia assinado alguns acordos com empresas, como uma carta de intenções com a companhia sucroalcooleira Tereos, mas não conseguiu cumprir as condições do termo com a companhia.
“Tinhamos algumas condições para converter esse contrato de carta de intenção para um contrato e uma dessas era fazer uma prova de conceito em 1 mil hectares. Só que coincidiu com o período em que estávamos na fazenda do Mato Grosso, onde ficamos até março, e também todo esse caos começou a acontecer. A operação, então, foi meio que pausada”, afirma Leal.
Apesar da crise, Leal afirma que a rodada de investimentos segue aberta e sem data para acabar. A Psyche busca agora, segundo o CEO, entre US$ 30 milhões a US$ 50 milhões - e não mais os R$ 50 milhões anunciados meses atrás. A startup também pretende lançar uma nova versão do Turing, sua plataforma de inteligência artificial, nos próximos 30 dias, segundo o empresário.
“Será uma versão totalmente simplificada, em que o produtor vai conseguir, através de imagem de satélite, entender como está a saúde da lavoura dele e, através de uma foto da lavoura, vamos conseguir categorizar tipos e níveis de doenças no campo.”
O criador da Psyche disse que a agtech treinou um modelo de LLM (sigla em inglês para modelo de linguagem de grande escala) com 200 mil documentos com dados sobre o agronegócio. “A nossa IA já é melhor em relação a informações sobre o agro brasileiro do que o ChatGPT em questão de números e fontes”, garante.
Leal também explica que o serviço antes estava atrelado à venda de drones e que agora a comercialização da plataforma vai ocorrer de forma independente e, inicialmente, a ferramenta será gratuita. “Vamos começar de graça e depois a gente vai comprar um plano bem barato, de cerca de 19 dólares por mês. Nosso objetivo também é global, estar no Brasil e no mundo todo.”
Em paralelo, o empreendedor afirma que não desistiu totalmente da ideia de fabricar drones, ainda que não tenha uma data exata de quando isso poderia acontecer. Leal diz inclusive que, nos próximos dias, estaria recebendo investidores para apresentar voos experimentais com os drones – ainda que a produção tenha sido encerrada completamente na semana passada. Isso não significa, no entanto, segundo o CEO, que novas vendas serão realizadas.
“Se a gente quiser continuar as conversas com possíveis clientes e com possíveis investidores, ainda precisamos demonstrar tudo o que a gente fez e o que a gente já pode fazer. Não vamos estar vendendo nada que a gente não consiga entregar. É só realmente uma questão de mostrar o que a gente desenvolveu e as nossas capacidades.”
Os investidores – o investidor Éder Medeiros e outro sob anonimato – estariam à par das alterações na empresa, garante Leal. “Foi uma decisão tomada em conjunto, baseada em fatos. Nada foi baseado em ideias da cabeça, foi tudo realmente baseados em dados. Faz parte da trajetória e os investidores também são empreendedores”, diz o criador da startup.
Drones grandes
Para uma fonte ouvida pelo AgFeed, a Psyche está pagando o preço de ter se arriscado em desenvolver equipamentos de grande porte, bem maiores do que os já disponíveis no mercado.
“Drones grandes apresentam muitos problemas de implementação. Quando você escala essas aeronaves, problemas que são desprezíveis nos drones menores começam a incomodar.”
Além disso, o equipamento teria um custo elevado e não se pagaria, segundo essa fonte. “Atualmente um drone se paga se tiver uma capacidade entre 60 e 80 litros. Alguns fabricantes já estão arriscando 100.”
A troca constante de baterias exigida pelos equipamentos também seria um outro foco importante de custos. “Ela por si só já daria uma despesa bem maior do que o custo que se pretendia praticar”, afirma a fonte.
Gabriel Leal teria sido contrário à produção de drones menores, ainda segundo essa fonte, e, por conta disso, entrado em uma discussão verbal com outros integrantes da empresa em uma reunião em que era debatida a possibilidade de redimensionar os drones para modelos menores.
“Aos berros, ele passou uma carraspana em todos os gerentes e fez todos, um a um, concordarem que a ideia do drone pequeno era ruim”, afirma a fonte. O criador da startup teria dito, ainda segundo essa fonte, que iria demitir funcionários que continuassem com a ideia e ainda pediu que um protótipo menor, já em fase de construção, fosse desmontado.
Ao AgFeed, o criador da Psyche diz não lembrar dessa reunião em específico, mas ressaltou que sempre defendeu a necessidade de ter um produto diferente do que já existe no mercado em debates sobre o desenvolvimento dos projetos.
“Sempre fui muito forte na minha posição em dizer: ‘A gente tem que fazer acontecer e não podemos aceitar desculpas para tentar fugir de um problema porque enfrentamos alguma dificuldade e não conseguimos fazer’.”
Leal argumenta também que a produção de drones maiores eram uma demanda vinda dos próprios clientes. “Ninguém pedia drone pequeno para a gente. Todo mundo queria drone heavy lift [de grande porte].”
Uma fonte acredita ser incerta a possibilidade de a Psyche voltar a fabricar protótipos de drones agrícolas após o encerramento da área. “O processo de documentação nunca foi muito bom e, sem a equipe de tecnologia, teriam que praticamente recomeçar do zero.”
Carros de luxo
O AgFeed conversou nos últimos dias com ex-funcionários da empresa, que revelaram detalhes dos bastidores recentes da Psyche. Todos eles toparam falar apenas sob anonimato, com medo de represálias.
Apesar de as fontes afirmarem que o ambiente da startup era propício à criação de ideias e conferia autonomia aos funcionários, haveria, segundo eles, desorganização na hora de contratar e demitir os colaboradores. “Teve casos de pessoas que saíram de outros empregos para aceitar a proposta da Psyche, foram demitidas em 1 mês e estão até hoje buscando realocação no mercado”, afirma uma fonte.
A Psyche também estaria enfrentando dificuldades por má gestão financeira, segundo as fontes. Os salários em geral seriam acima do que paga o mercado para as respectivas funções. Os diretores estariam recebendo altas cifras e usufruindo de carros de luxo de marcas como BMW, Audi e Mini Cooper locados pela empresa.
Em janeiro passado, a reportagem do AgFeed esteve presente em um evento luxuoso da Psyche – e, no mínimo, incomum a uma startup recém-criada. O objetivo do encontro era apresentar a plataforma Turing a investidores e imprensa.
Antes mesmo de o evento iniciar, a primeira surpresa veio ao constatar que a empresa que prestava serviços de assessoria de imprensa para a Psyche naquela ocasião era uma das maiores agências de comunicação corporativa da América Latina, cuja carteira de clientes traz algumas das maiores companhias do País.
O local escolhido para o evento era um auditório do River One, edifício corporativo de alto padrão da zona oeste de São Paulo, localizado junto à marginal do Rio Pinheiros.
O encontro reuniu mais de 100 pessoas durante cerca de quatro horas de um dia quente do verão paulistano, com direito à café da manhã e almoço com serviço à francesa.
O visual do evento lembrava bastante as apresentações anuais de Steve Jobs, criador da Apple, ao lançar novas versões do iPhone nos anos 2000.
No palco, o jovem Leal discursava vestido com um visual de estrela pop, composto por óculos de lentes amarelas, blazer, calça neon e tênis da grife Prada.
O luxo não estava apenas nas roupas, segundo mais de uma fonte. “O CEO andava de carro novo todo mês e viajava sempre”, diz uma dessas fontes.
Leal confirmou o aluguel de carros de luxo na conversa com o AgFeed e justificou dizendo que era um benefício destinado aos diretores e também uma forma de trazer mais competitividade à empresa ao contratar pessoas.
“No setor aeroespacial, os engenheiros são caros, tudo é caro e a gente compete com o mercado internacional”, alegou.
Para exemplificar, ele cita que o salário de um diretor de tecnologia era menor que o de alguns engenheiros que trabalhavam na empresa.
“A gente convertia isso em um contrato de aluguel de carro. Se você somar o benefício que aquele diretor tinha do salário dele, com o carro e com o benefício de alimentação, por exemplo, ainda era menor do que um CTO de mercado, ainda mais do mercado aeroespacial. Era isso que a gente fazia: mantínhamos o salário da diretoria mais reduzido e entregávamos esses benefícios.”
Com reportagem de Gustavo Lustosa.
Resumo
- Em crise financeira, a startup Psyche Aerospace encerrou sua divisão de drones agrícolas no último dia 16 de maio e demitiu 130 pessoas
- A Psyche vai focar no desenvolvimento da plataforma de IA Turing, chamada pela empresa de “ChatGPT do agro”
- Startup já tinha captado R$ 19 milhões e teria enfrentado dificuldades em obter novos clientes e investidores; fontes relatam má gestão financeira, com aluguel de carros de luxo para diretoria e altos salários