Atualmente, o Brasil conta atualmente com 100 milhões de hectares pulverizados por cerca de 2,5 mil aeronaves, entre aviões e drones, segundo dados do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag).
Dentre os drones, o sindicato estima que são cerca de 10 mil voando pelo interior produtivo nacional. Esse mercado de aviões sem piloto tem atraído até players estrangeiros, como é o caso da Pyka, empresa americana que prepara terreno para aterrissar com suas aeronaves elétricas e autônomas no País em breve, como adiantou o AgFeed há alguns meses.
Por aqui, empreendedores nacionais também estão de olho nesse mercado de drones autônomos. Uma delas é a Psyche Aerospace, que está em vias de fechar uma captação de R$ 15 milhões para colocar no mercado seus drones em até quatro meses.
Em entrevista ao AgFeed, o CEO da empresa, Gabriel Leal, afirmou que essa rodada de investimentos está na fase de assinatura de contratos e a ideia é que, após o primeiro faturamento entrar no caixa da empresa, faturar R$ 1 bilhão em 12 meses.
Dentre os investidores, estão alguns empresários com propriedades rurais e alguns investidores-anjo, que já criaram negócios anteriormente.
Antes da rodada atual, por exemplo, a Psyche Aerospace havia captado R$ 2 milhões em um aporte pré-seed do investidor Éder Medeiros. O empreendedor fundou e vendeu por R$ 83 milhões para a Locaweb a startup Melhor Envio, de logística para e-commerce, em 2020.
Já a conta do bilhão é explicada por Leal a partir das cartas intenções que, segundo diz, a empresa ter para a venda de serviços. Seria 500 mil hectares já assinados e outros 2 milhões de hectares em conversas.
Ele explica que, no seu modelo de negócio, o drone pertence à Psyche, que cobra R$ 20 por hectare em cada aplicação. E calcula que cada produtor precise, em média, de 25 aplicações por ano.
Assim, apenas para os clientes já assinados, segundo as contas otimistas do CEO, 25 aplicações vezes 500 mil hectares vezes R$ 20 resultariam em R$ 250 milhões para a empresa, sem considerar custos. O bilhão viria com a área total que diz ter em negociação.
Entre os clientes com cartas assinadas estão produtores de grãos no Centro-Oeste e fazendeiros do setor sucroenergético do interior de São Paulo. Nesse grupo, revelou os nomes da Nardini Agroindustrial e da Tereos.
Para atendê-las, a empresa, que tem sede em São José dos Campos, está em vias de concluir o modelo final do seu drone Harpia-71, uma aeronave híbrida (movida por etanol e baterias elétricas) que tem capacidade de transportar 400 quilos de defensivos agrícolas, com uma autonomia de 10 horas. “Faremos uma pulverização eletrostática, que aumenta a eficiência de absorção no dorso da planta”, conta.
O drone estaria no meio do caminho entre as aeronaves pulverizadoras - que podem transportar até 3 mil quilos - e os drones tradicionais - com capacidade máxima de 150 quilos.
Segundo Leal, a fábrica da empresa, localizada em São José dos Campos, já tem capacidade para produzir um drone por dia e, para os 500 mil hectares já assinados, seriam necessários cerca de 80 drones.
Além do drone autônomo, a empresa também desenvolveu uma espécie de contêiner chamado de Beluga, com capacidade de 60 mil litros, que será disposta em áreas próximas a da pulverização. O dispositivo, que também serve para abastecer o drone de forma autônoma, contém água, defensivos e combustíveis.
Uma frota completa, que na estimativa da empresa é de seis drones mais uma Beluga, tem um custo de produção de R$ 2 milhões. Segundo Leal, essa frota é capaz de pulverizar entre 8 mil e 10 mil hectares por dia.
Um cowboy espacial
Gabriel Leal é um empreendedor diferente. Natural de Livramento de Nossa Senhora, no interior da Bahia, ele se diz um apaixonado pela área aeroespacial.
Apesar de entrar agora no mundo do agro, o segmento já faz parte de sua vida há gerações. Tudo começa com seu bisavô, que já teve alguns empreendimentos na área de fruticultura. Já seu avô, se dedica à pecuária e produção de laticínios.
Seu pai, inclusive, é formado em engenharia agronômica, e hoje atua com pecuária e fruticultura. A experiência familiar, contudo, não fez de Leal um expert no agro desde cedo.
“Nunca os vi fazendo outra coisa que não seja ‘roça’. Venho desse meio, mas é um ‘agro pobre’. Eu tinha esse preconceito de um agro atrasado tecnologicamente, baseado nas vivências da minha região. Não conhecia os grandes produtores de grãos do centro-oeste”, comenta.
Com apenas 23 anos de idade, Leal se considera um autodidata e diz que optou por não fazer faculdade por acreditar que esse tipo de ensino está “atrasado”.
Ele saiu do Nordeste assim que fez 18 anos para tentar a vida em São Paulo. O viés empreendedor já o ajudou a criar alguns negócios, como um marketplace para o mercado automotivo. Junto a isso, a rede de amigos vasta e cheia de engenheiros o ajudam nas partes técnicas de suas empreitadas.
Cansado da vida na capital, ele conta que um desses amigos engenheiros o convidou a conhecer São José dos Campos. A cidade, conhecida por sediar o Intituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Embraer, conquistou Leal e ele acabou acabou tendo contato com o PIT São José, o parque tecnológico da cidade.
“Não estava gostando do que fazia na época em São Paulo e então passei a conversar com dezenas de engenheiros para um projeto. Quando decidi que precisava me mudar para São José dos Campos, sabia que tinha que submeter um bom plano de negócios”, diz.
Dessa conversa, surgiu a ideia de enviar um projeto de algum negócio e sua paixão pelo tema aeroespacial voltou à tona.
Com um olhar futurista, a primeira ideia era a de mineração espacial. “Algo muito ambicioso”, segundo ele, mas que era um sonho. Para atingir esse objetivo, ele traçou um planejamento, que envolvia desenvolver tecnologias ou para aviões ou para drones. A burocracia do primeiro o fez optar pelo segundo.
O mercado de drones, contudo, é amplo, e pode abarcar o setor militar, de construção civil entre outros. A ideia do agro veio no momento em que Leal se deu conta da magnitude do setor no Brasil.
Depois de algumas conversas com o pai e engenheiros já mais ligados ao agro, ele calculou o mercado potencial com produtores médios e grandes do centro-oeste e decidiu apostar no que é hoje a empresa.
“O que chamou atenção é que o setor tem a escala que eu queria e, olhando o mercado, vi que os drones atuais têm capacidade baixa”, afirma. Com o plano de negócio traçado, a empresa passou pelo crivo do PIT São José e, em 2022, o projeto foi aprovado.
A partir daí, ele se mudou para o interior e começou a conhecer seus sócios e conselheiros, que ajudaram a fundar o negócio oficialmente. Dentre eles estão Victor Hespanha, segundo brasileiro a viajar para o espaço e que atua como desenvolvedor de negócios, Matheus Pedroso, COO e cofundador, e João Barbosa, CTO e cofundador.
Para começar o negócio, Leal e sua equipe precisavam de um drone protótipo, e só aí buscariam uma captação pré-seed. O capital inicial nesse momento era do próprio Leal, que captou com familiares como o pai, avô e um tio. “Precisava de uma força de vontade grande para motivar as pessoas a entrar no negócio sem dinheiro”.
Nesse momento, ele conheceu Lauro e Renato Aburaya, pai e filho com background no setor aeroespacial. Lauro atuou na Embraer por cerca de 30 anos e inspirou o filho a fazer o mesmo por cerca de dois anos. Renato Aburaya atua agora como diretor de manufatura na startup.
Os dois foram os responsáveis por produzir o primeiro drone da Psyche, com fibra de vidro e alumínio, em apenas um mês. Com o projeto pronto, Leal tentou buscar investidores no próprio segmento agro, mas não teve sucesso. “Ouvia que eles, como clientes, estavam dentro, mas como investidor não interessavam”.
Victor Hespanha então conheceu Éder Medeiros e o apresentou ao CEO. Leal conta que ambos partilham da paixão pelo espaço, mesmo com negócios ainda feitos na Terra.
“Na primeira vez que conversamos, nem falamos de negócio, mas sim sobre o setor espacial. Quando apresentei a Psyche, contamos nossas histórias um para o outro e entendi que somente outro empreendedor que já montou um negócio iria comprar a ideia. Em 14 dias fechamos o investimento”, explica.
Conquistando grandes nomes do agro
Nesse meio tempo, Gabriel Leal iniciou uma agenda com grandes produtores rurais para tentar entender as dores e mostrar o negócio. Leal percebeu que, para dar tração ao negócio e buscar novos investimentos para de fato colocar o drone no mercado, precisava de cartas de intenção de compra.
O CEO conheceu Gilson Pinesso, atual presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão), após cerca de 100 conversas com produtores, ele estima.
“A reunião foi ótima. É muito difícil achar um cara que te entende, gosta do risco. Saímos da reunião recebendo apoio e ele disse que, quando eu voasse o drone na fazenda dele, ele largava os contratos com outros fornecedores e assinava comigo para os 70 mil hectares que ele possuía”, conta o executivo.
Pinesso então foi um dos primeiros que assinou a carta de intenção, 10 minutos após a reunião.
Depois disso, a Psyche saiu das duas salas no PIT São José para uma fábrica de dois mil metros quadrados na zona sul de São José dos Campos. A ideia é verticalizar toda a produção, tanto para os componentes eletrônicos quanto motores. Até agora, a empresa já fabricou cinco drones, que estão em processo de aperfeiçoamento para chegar ao modelo final do Harpia P-71.
Quando chegar ao modelo final, ele estima que, em um mês e meio, a empresa já poderá saltar da produção de um drone para três por dia.