Uma simples canetada, que pode ser assinada a qualquer momento pelo presidente Lula, pode custar R$ 15 bilhões para alguns setores do agronegócio. Segundo cálculos de uma série de entidades que representam empresas do setor, esse é o valor adicional a recair sobre o transporte de cargas no País caso Lula sancione a medida provisória de número 1153,que, em seu terceiro artigo, reformula a cobrança dos seguros dessa atividade.
Em uma carta aberta assinada pela Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) e a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), as associações projetam que, caso a MP seja sancionada, os custos logísticos nas cadeias produtivas relacionadas aos órgãos podem subir 1800%.
Em valores, é possível que o custo anual para os setores de alimentos, proteína animal, grãos, farelos e óleos, que fica em torno de R$ 800 milhões atualmente, passe para algo em torno de R$ 15 bilhões.
Com consequência, esse aumento de custos pressionaria o frete, que por sua vez, faria o preço final dos alimentos subir no supermercado.
Carlos Muller, gerente de relações governamentais da Abiove, que ajudou a elaborar a carta junto com as associações, explicou ao AgFeed que o grande problema da MP é a alteração no seguro obrigatório já existente para cargas.
Atualmente, o instrumento utilizado é o chamado RCTR-C (Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas).
Pela lei em vigor até agora, os embarcadores, ou seja, esse encargo é de responsabilidade dos donos da carga, que contratavam os seguros de transporte ao longo da cadeia produtiva. Como esses players possuem um ganho de escala e uma quantidade maior de contratos feitos, tinham uma maior margem de negociação e um custo menor.
Isso acontecia pois o negócio era firmado junto com as seguradoras que se contratavam a apólice de Transporte Nacional, que levava em consideração a receita bruta do embarcador em todos os modais de transporte na hora de assinar os papéis.
Na MP à espera de sanção presidencial, essa contratação de seguros fica a cargo das transportadoras. Entretanto, como elas são pulverizadas dentro da cadeia e sem o mesmo peso econômico em uma negociação, acabariam, segundo as entidades, tendo que se adequar aos preços tabelados das seguradoras e, por consequência, ver os custos subirem.
“Não importa a transportadora, até mesmo a maior do Brasil não vai ter a receita operacional bruta que tem uma Cargill, uma JBS, uma Fiat, por exemplo”, comenta Muller.
“A contratação do seguro exclusivamente pelo transportador significará maior preço individualizado das apólices, pois essas serão descentralizadas, e tal custo será repassado aos produtos”, destacam as entidades na carta aberta.
Somado a isso, a MP ainda prevê a criação de mais dois novos seguros obrigatórios, um relacionado a desaparecimento e o outro sobre a responsabilidade civil do veículo. Até então, esses dois eram facultativos no transporte rodoviário.
“A instituição de uma obrigatoriedade por si só vai naturalmente aumentar o preço do frete. Se algo que é facultativo passa a ser obrigatório, o frete fica mais caro e sobre o preço do produto final”, argumenta o gerente da Abiove.
Nas contas das instituições, o RCTR-C somado dos setores passará de R$ 167 milhões atuais para R$ 10 bilhões. Ao mesmo tempo, os dois novos seguros obrigatórios poderão ainda somar os outros R$ 5 bilhões.
“Esses aumentos são especialmente preocupantes porque impactam as cadeias de maneira cumulativa e têm um efeito cascata sobre os custos produtivos, ocasionando maior pressão inflacionária", destacaram a Abiove, a ABPA e a Abia.
De acordo com as entidades, a receita operacional bruta dos segmentos foi na ordem de R$ 1,6 trilhão em 2022.
Ainda na avaliação de Muller, se essa medida provisória for sancionada, quem será mais prejudicado serão o pequeno transportador e o transportador autônomo, que possuem menos barganha ainda do que grandes transportadoras.
Nos dados mais recentes da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), existem cerca de 550 mil caminhoneiros autônomos no Brasil. Isso representa 77,62% dos profissionais da categoria.
Vale ressaltar que o texto da MP estabelece que, quando um autônomo é responsável pelo frete, a subcontratante deve deve fazer o seguro, com exceção se a relação for direta com o caminhoneiro.
Na carta, as entidades recomendam o veto desse dispositivo no texto como única forma para que o transporte dos produtos agropecuários não caiam nesse buraco.
Do lado dos caminhoneiros, a possível sanção da MP é vista de uma forma mais otimista, principalmente em relação a uma autonomia para escolher a seguradora que vai pagar o embarcador por eventuais danos à carga transportada..
"Por causa de uma interpretação errada de uma lei de 2007, os transportadores eram obrigados a aceitar, sem negociação, a contratação de seguros contra acidentes e roubos escolhidos por embarcadores", ressaltou a NTC&Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística), em documento publicado em seu site.