Numa janela com poucos dias de diferença, a companhia de insumos agrícolas Nutriplant protagonizou duas notícias aparentemente contraditórias entre si.
Há pouco menos de duas semanas, ela teve um pedido de recuperação extrajudicial homologado, depois de quase oito anos de tentativas.
Dias depois, na sexta-feira, 28 de março, a empresa divulgou seus resultados para o ano de 2024. E eles mostraram números positivos, com uma receita líquida recorde, que atingiu R$ 200 milhões, uma alta de 11,9% frente 2023.
Além da receita recorde em 2024, a Nutriplant registrou um lucro líquido de R$ 10,3 milhões, alta de 193% em relação a 2023. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) ficou em R$ 19,1 milhões, alta de 79% em um ano.
Essa aparente gangorra é, na verdade, a representação do que foram os últimos anos do grupo, que passaram longe de ser uma linha reta.
“Com a homologação, colocamos uma pedra em cima do assunto, com isso se encerrou o processo. Apesar do fato novo, isso era algo que já estava resolvido há tempo, e se tratou de uma formalização jurídica”, diz o diretor presidente, financeiro e de relação com investidores da Nutriplant, Ricardo Pansa.
Ele explica que, ao longo dos últimos anos, a Nutriplant conseguiu repactuar suas dívidas, que, com os descontos negociados com os credores, estão hoje na casa dos R$ 15 milhões.
E, com isso, a companhia está pronta para novos passos. Em entrevista ao AgFeed, Pansa revela que a empresa vai estrear no segmento de biodefensivos na safra 2025/2026, buscando aproveitar o boom desse mercado.
A estratégia ainda é inicial: introduzir aos poucos, em mercados e clientes que já atuam, produtos baseados em bactérias produzidos por outras empresas, que serão embalados sob a marca Nutriplant.
“Tendo sucesso, com certeza consideramos fabricar esses produtos. Vamos aproveitar da nossa tradição para atuar onde já temos relacionamentos, seja em cultura quanto em região”.
A Nutriplant é uma veterana no mercado de insumos e também uma pioneira entre as empresas médias do agro na atuação junto ao mercado de capitais – foi a primeira desse grupo a abrir seu capital e ter ações negociadas na bolsa de valores brasileira – o IPO ocorreu em 2007.
Sua origem remete a três outras companhias. A primeira é a Quirios, criada nos anos 1960 pelos irmãos Emílio e Massimo Pansa. A empresa nasceu fornecendo sais inorgânicos para indústrias.
Já nos anos 1970, outras duas empresas, as americanas Ferro Corp e Frit Industries, começaram a produzir e vender micronutrientes para o agro brasileiro e, em 1980, formalizaram a criação da Nutriplant.
Em 2004, os sócios da Quirios compraram a Nutriplant das multinacionais. A Quírios, da família Pansa, foi incorporada ao negócio em 2012.
Hoje, a Nutriplant produz micronutrientes, usados tanto em insumos comercializados com sua própria marca e também vendidos para outras indústrias de fertilizantes quanto.
Os micronutrientes envolvem minerais como cobalto, manganês, zinco, mas a Nutriplant também possui produtos feitos à base de aminoácidos e extratos de algas, explica o CEO.
Sua receita é dividida por igual entre as vertentes B2B e B2C. Na segunda, metade é repassado para revendas agrícolas e metade vendida direto para grandes clientes.
A maior parte do mercado está em produtores de grãos como soja e milho no Centro-Oeste, mas a companhia também tem clientes nas culturas de café e de hortifruti, sobretudo produtores mineiros e capixabas, afirma o executivo.
“Para 2025, a projeção é crescer nas culturas onde já atuamos e vemos uma oportunidade de entrar ainda mais em culturas de maior valor agregado”, conta Ricardo Pansa.
Ele cita ainda que, em 2024, a empresa reorganizou a força de vendas, posicionando os produtos em novas revendas e ampliando o número de vendedores no campo.
“Continuamos os esforços para estabelecer relacionamentos comerciais com revendedores em diversas regiões do País, investindo no desenvolvimento de diversos campos de teste”, diz.
Do IPO à REJ
A abertura de capital da Nutriplant foi um marco para a bolsa de valores brasileira. Na primeira década do século 21, a então Bovespa criou um segmento para permitir que médias empresas pudessem acessar o mercado de capitais de forma gradual.
Segundo o site da B3, hoje são 11 empresas no Bovespa Mais, incluindo outros players do agro como o CTC. Desses, somente a Nutriplant e a farmacêutica Biomm chegaram a de fato fazer o IPO.
Em 2008, quando começou a negociar seus papeis, a Nutriplant distribuiu pouco mais de 2 milhões de ações. Na época, poucas empresas do agro como JBS, BrasilAgro, SLC Agrícola e a BRF (ainda por meio da Sadia e Perdigão) estavam no mercado.
Contudo, a crise de crédito que afetou o mundo todo naquele ano deixou a estratégia de crescimento de lado. E a Nutriplant colecionou prejuízos e acumulou dívidas nos anos seguintes.
O alto endividamento levou a companhia a entrar com o primeiro pedido de recuperação extrajudicial em 2017. Aos poucos, a empresa viu seu balanço melhorar, ao mesmo tempo em que o segmento Bovespa Mais deixava de se tornar atrativo.
Ao longo dos anos, a Nutriplant já teve como acionistas o BNDES, a Fama Investimentos e o HSBC. Desde 2004, o controle da empresa está com a família Pansa por meio das empresas Tripto Participações e Trilogia Investimentos, que juntas possuem 83,7% das ações. Hoje, a Tripto possui 73,8% do negócio e a Trilogia 9,9%.
Na Bolsa, onde é avaliada em R$ 50,9 milhões, a Nutriplant negocia ações pelo ticker NUTR3, que hoje é cotado a R$ 3,85. Das 13 milhões de ações, são apenas 3,2 milhões em circulação.
Desde 2017 a empresa tem trilhado uma trajetória para reestruturar suas dívidas. Em 2018 a Nutriplant conseguiu homologar outro pedido, que foi anulado em 2020, mesmo após a definição de um cronograma em 2019.
Então, em 2021 a empresa apresentou novo plano de recuperação, que foi protocolado em 2022 e aceito agora em março de 2025.
De acordo com Ricardo Pansa, essa é uma “história antiga que não afeta mais a empresa operacionalmente”.
Ele afirma que, quando entrou com o primeiro pedido, em 2017, a Nutriplant buscava estruturar um passivo em dólares com fornecedores. Na época, a companhia sofreu com uma desvalorização cambial relevante e buscou socorro.
“Isso ficou resolvido em 2018, mas por conta de alguns erros no processo, até porque a vara de Barueri não é especializada nesta área, houve alguns questionamentos. Desistimos e ingressamos com um novo pedido em 2021”.
Segundo documentos disponíveis tanto na CVM quanto no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), a renegociação somava quase R$ 90 milhões em dívidas com credores.
Após a renegociação, teria caído para os atuais R$ 15 milhões. Para chegar até esse ponto, porém, o caminho foi tortuoso.
Isso porque, para aprovar o plano de recuperação proposto, a empresa precisava da anuência dos detentores de mais de 50% dos créditos pendentes.
A empresa informou que cerca o quórum de credores anuentes, ou seja, aqueles que aceitaram o processo, é de 66,23% em relação ao total dos créditos sujeitos à recuperação extrajudicial.
Documentos a que o AgFeed teve acesso mostram que entre os principais credores estavam grupos como Oaktree Investment Corp, Banco do Brasil e a trading chinesa Tianjin Chengyi International.
Ao longo das negociações, as duas últimas pediram impugnações sobre o processo. O BB conseguiu retirar cerca de R$ 4,45 milhões do total da dívida da Nutriplant, restando ainda R$ 3,49 milhões.
A trading chinesa, por sua vez, contestou a legitimidade do quórum. Ela argumentava que os créditos da Oaktree, sozinhos, representava 62% do passivo. E que, se saíssem do processo, restariam apenas 4,25% dos credores aprovando a recuperação extrajudicial.
Por isso, a homologação agora trouxe novo ânimo para a companhia.
Além das dívidas incluídas na recuperação, a Nutriplant encerrou 2024 com R$ 11,1 milhões em financiamentos bancários, distribuídos entre bancos como Itaú, Santander e Fibra. A maior parte desse valor, R$ 7,9 milhões, tem vencimento no curto prazo.
Com a homologação do plano e um ano de crescimento no faturamento, a empresa acredita que conseguirá novas linhas de crédito e seguirá expandindo suas operações.
“Com a sentença concessiva da homologação do plano de recuperação extrajudicial proferida em 18 de março de 2025, e diante dos resultados econômico-financeiros positivos apresentados em 2024, a administração acredita na obtenção de novas linhas de crédito e continuidade do crescimento das suas receitas”, informou a empresa.