Sertãozinho (SP) - Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, admitiu, em recente entrevista ao videocast AgLíderes, um certo arrependimento por não ter defendido, no passado, investimentos em usinas de etanol de milho com foco exclusivo no processamento do cereal.

Arrependimento de lado, o próximo aporte da gigante global de commodities no País no setor ainda será dentro do modelo flex já existente, com a construção de uma usina anexa e consorciada com a produção do biocombustível de cana-de-açúcar.

O novo investimento será na Unidade Rio Dourado (URD), em Cachoeira Dourada (GO), onde a Cargill Bioenergia possui uma usina processadora de cana-de-açúcar. O modelo será o mesmo da Usina São Francisco (USF) e da Unidade Processadora de Grãos (UPG), em Quirinópolis (GO), cuja produção é feita a partir das duas matérias-primas.

“Temos o grande desafio na parte de etanol de milho que vai ser, primeiro, atualizar um pouco a tecnologia da fábrica já existente (em Quirinópolis) e levar a planta para outra usina de cana (a URD) que compõe a Cargill Bioenergia”, revelou Sousa em entrevista ao AgFeed durante a Fenasucro & Agrocana, em Sertãozinho (SP).

Um ponto favorável citado pelo executivo para justificar o futuro investimento é a biomassa de cana disponível na URD. O bagaço gera energia elétrica e, segundo ele, a oferta será suficiente para abastecer também a futura planta de etanol de milho.

Esta semana, a São Martinho, vizinha da Cargill Bioenergia em Quirinópolis, anunciou investimento de R$ 1,1 bilhão para ampliar em 80% a capacidade produtiva de sua usina de etanol de milho.

Sousa não revelou quanto será investido pela Cargill na futura planta industrial, mas, segundo ele, a nova usina “mostra a direção que nós vamos” seguir dentro da política de biocombustíveis da gigante global de commodities.

Apesar de a multinacional investir no setor há décadas, o braço de biocombustíveis foi denominado Cargill Bioenergia apenas este ano, com a conclusão da compra de fatia de 50% da SJC Bioenergia, conglomerado das duas usinas de Goiás da qual era sócia.

Na operação, anunciada em abril, a Cargill exerceu o direito de preferência sobre os ativos do antigo sócio em valores que, segundo fontes, superaram R$ 2,6 bilhões. Por ter prioridade no negócio, pagou o preço para superar outros concorrentes, entre eles a Atvos.

As unidades são capazes de processar 9 milhões de toneladas de cana por safra, 2 milhões de toneladas de milho por ano, mantêm 130 mil hectares de áreas próprias e em parceria. As usinas geram 800 GWh/ano de energia e empregam 4.600 pessoas, de acordo com a Cargill.

Questionado se, além dos investimentos na nova planta, a companhia partiria para novas aquisições no mercado, Sousa adotou o tom de mistério. “Isso eu não posso falar. Nós estamos sempre de olho, acompanhamos bem próximos, mas dependemos de ter oportunidade”, afirmou.

Eventuais negócios e oportunidades em usinas de cana-de-açúcar podem até surgir, mas a prioridade em futuros investimentos da Cargill Bioenergia é para o etanol de milho, garante o presidente da companhia. O motivo é o custo menor para se investir no biocombustível a partir do cereal.

“O uso de capital para fazer uma usina de cana é muito maior do que para fazer uma de etanol de milho. A capacidade de você produzir etanol com menos capital investido é muito maior no milho do que na cana”, disse. “Num país que tem 15% de taxa básica de juros, o uso de capital é mais relevante que nunca”, completou.

Apesar de o crescimento da produção de etanol no Brasil ser a partir de milho, na avaliação de Sousa a consolidação geográfica da cana-de-açúcar garante a manutenção da oferta de etanol a partir da matéria-prima.

Biodiesel

Paralelamente ao investimento em etanol de milho, a Cargill tem, segundo seu presidente, um plano para fortalecer, modernizar e aumentar a capacidade de produção de biodiesel no Brasil. “O próximo passo vai ser a melhoria nas fábricas de biodiesel adquiridas, tanto na eficiência de processo, quanto na capacidade”, afirmou Sousa.

Segundo ele, o anúncio dos novos investimentos ocorrerá “em breve”. As unidades adquiridas às quais o executivo se refere são três plantas de esmagamento de soja e produção de biodiesel compradas em 2023 da Granol nos municípios de Anápolis (GO), Porto Nacional (TO) e Cachoeira do Sul (RS).

As unidades tinham capacidade para produção de 1,2 bilhão de litros de biodiesel por ano, segundo dados divulgados à época, e o negócio incluiu ainda três armazéns de grãos no Tocantins e um em Goiás. Além das plantas industriais, a Cargill já possuía uma fábrica de biodiesel em Três Lagoas (MS) com capacidade produtiva de 352 milhões de litros.

Segundo Sousa, a demanda brasileira de biodiesel, de 9,6 bilhões de litros em 2025, seguirá em crescimento na esteira do aumento da mistura mandatória ao diesel de petróleo, atualmente em 15%, a B15. A lei do Combustível do Futuro, aprovada em 2024, prevê a elevação em 1 ponto porcentual ao ano, para 20% até 2030 e abre a possibilidade de checar a 25%.

“A lei do Combustível do Futuro traz uma avenida clara de onde vai ser o crescimento. A capacidade produtiva já existe, já estamos prontos e existe capacidade produtiva para B19 e B20”, afirmou Sousa.

Durante o painel “Papel do Biodiesel na Transição Energética”, na Fenasucro & Agrocana, ele citou a Indonésia, que já aplica a mistura de 30% do biodiesel no diesel, como exemplo do potencial de crescimento para o Brasil.

Segundo Sousa, o crescimento de oferta e demanda pelo biodiesel não precisa necessariamente ser suprido somente pelo óleo de soja, já que outras matérias-primas também são utilizadas na fabricação do biocombustível.

“Também existem outros óleos que podem entrar na equação. O aumento da produção de proteínas animais gera, como subproduto, a gordura animal que é usada também no sistema produtivo”, avaliou.

“Então, eu acho que nós estamos em um caminho muito positivo para preencher o mandato existente”, completou o presidente da Cargill no Brasil, lembrando que a companhia utiliza biocombustíveis em operações de transporte marítimo e hidroviário.

Resumo

  • A Cargill Bioenergia vai construir uma nova usina de etanol de milho em Cachoeira Dourada (GO), anexa à atual unidade de cana-de-açúcar
  • O investimento ocorre após a aquisição total da SJC Bioenergia, consolidando a atuação da Cargill no setor
  • Além do etanol, a Cargill planeja expandir a produção de biodiesel com melhorias nas fábricas adquiridas da Granol