Nesses dias 19 e 20 de março acontece em São Paulo o evento mundial do World Cocoa Foundation (Fundação Mundial do Cacau). Mais de 500 participantes do mundo todo aqui debaterão o futuro de uma das mais importantes comodities no mundo e com um enorme potencial no Brasil. Isso traz relações com toda a cadeia agrícola.

Realmente, o chocolate tem essa capacidade única de conectar pessoas de diferentes origens e situações, não importa o lugar ou a classe social.

Ele é um símbolo de celebração, de carinho e de história. É fascinante como o chocolate consegue ser tão democrático. Desde uma barrinha simples até as opções gourmet, o chocolate tem uma maneira de agradar a todos.

O cacau vai além de ser apenas um produto de consumo. Ele tem um papel fundamental em várias economias locais e globais. Para muitos produtores, o cultivo do cacau é uma das principais fontes de sustento e sua cadeia de valor movimenta bilhões, gerando empregos diretos e indiretos ao redor do mundo.

E num encontro como este no Brasil, temos a responsabilidade de focar nas soluções e transformações necessárias para reinventar esse setor no Brasil, mas também nas relações gerais do setor agrícola.

Discutir problemas sem buscar um caminho para resolvê-los, uma mania nacional, é um exercício que, muitas vezes, pode nos prender em um ciclo improdutivo. Agora, num mundo diante de tantas transformações, mais do que nunca, precisamos de ações concretas e inovadoras.

Esse encontro de representantes de toda a cadeia produtiva é uma oportunidade única para se dialogar sobre a indústria do cacau e do chocolate, levando em consideração não apenas a qualidade do produto final, mas também a justiça social, economia e a sustentabilidade.

Tocamos aqui em um ponto essencial: as mudanças climáticas são, sem dúvida, um dos maiores desafios que enfrentamos, mas também trazem consigo a oportunidade de reimaginar a agricultura de uma forma mais sustentável e regenerativa.

A ciência moderna, com seu vasto arsenal de tecnologias e práticas inovadoras, tem a capacidade de transformar a maneira como tratamos o solo, a biodiversidade e o próprio processo de cultivo.

A agricultura regenerativa, que vai além da simples sustentabilidade, busca restaurar e melhorar os ecossistemas, recuperando solos degradados e promovendo a saúde ambiental. Implementar essas práticas nos cultivos pode ser a chave para garantir a longevidade da produção e a saúde do planeta.

Essa mudança de mentalidade exige, no entanto, humildade para reconhecer que o caminho que nos trouxe até aqui, pode não ser o mesmo que nos levará ao futuro.

Isso implica em adotar novas experiências, experimentar com diferentes práticas, tecnologias e até mesmo mudar a maneira como interagimos com os pequenos produtores e suas comunidades.

Mas sabemos que nada é mais difícil ao ser humano comum que mudar seus conceitos.

Há uma visão fascinante sobre a dinâmica humana e como as pessoas se comportam em relação ao trabalho e à vida. A pesquisa de Daniel Goleman, especialmente com sua classificação dos diferentes perfis de comportamento, realmente nos dá uma perspectiva poderosa sobre como podemos agir para impulsionar mudanças reais e transformadoras.

Ele diz que 11% da população é engajada e criativa, 19% são aderentes a esse primeiros, 50% esperam a vida passar e 20% são contrários a tudo, têm pavor da insegurança da mudança.

Esses 30% de pessoas engajadas, criativas e aderentes — que são incomodadas pela realidade e têm uma curiosidade aguçada para buscar soluções — são, sem dúvida, o combustível para qualquer transformação. Eles não apenas enxergam as oportunidades antes dos outros, mas também têm coragem para abraçar o desconhecido e gerar novos caminhos.

Então, ao invés de tentarmos convencer a totalidade de um público, o foco deve ser nos 30% de pessoas engajadas que têm o poder de influenciar os outros 50%. A ideia de não buscar um consenso — onde todos têm que concordar em tudo — mas sim um consentimento é uma mudança de paradigma.

Permitir que a revolução aconteça, mesmo sem um entendimento total ou absoluto de todos os aspectos, é libertador e muito mais eficaz em tempos de complexidade e incerteza.

O conceito de sustentabilidade precisa ser fluido e evolutivo. Sustentabilidade não é mais um modelo fixo, mas sim algo que se adapta conforme as necessidades das pessoas, da economia e do meio ambiente.

Essa prática de consentimento implica confiança, abertura e disposição para aceitar que, mesmo sem ter todas as respostas, podemos avançar em direção à transformação. Ela também sugere que o processo de mudança não precisa ser totalitário, mas sim gradual, com a força das ideias novas espalhando-se de maneira orgânica e se tornando parte do pensamento coletivo.

Esses pontos são, sem dúvida, fundamentais para o sucesso de qualquer transformação duradoura e especialmente para a revolução evolutiva que buscamos na cadeia do cacau e tantas outras.

A colaboração pré-competitiva é uma chave poderosa. No mundo atual, os desafios que enfrentamos são grandes demais para que qualquer organização ou indivíduo os enfrente sozinho. A troca de conhecimentos, a união de forças e a troca de experiências são a base para soluções mais eficientes, inovadoras e sustentáveis.

Quando conseguimos unir nossos saberes e recursos, não estamos apenas aprimorando nossa própria produtividade, mas também fortalecendo toda a cadeia de valor, criando uma rede de transformação mútua.

O conceito atual de sustentabilidade precisa ser fluido e evolutivo. Sustentabilidade não é mais um modelo fixo, mas sim algo que se adapta conforme as necessidades das pessoas, da economia e do meio ambiente.

O que era considerado sustentável há dez anos pode não ser mais relevante hoje. Precisamos de uma visão flexível que nos permita reagir e nos ajustar às realidades e urgências atuais, sem perder de vista o bem-estar coletivo e planetário.

Um dia ouvi o seguinte relato de um produtor rural: "Eu lutei a vida inteira para controlar a natureza, sem entender que invés de ser minha inimiga, ele sempre foi minha parceira”.

Esse é um excelente exemplo dessa mudança de mentalidade que estamos buscando. A natureza não é nossa inimiga, mas uma aliada fundamental. Se conseguirmos integrar esse entendimento de que a natureza e a agricultura devem coexistir de forma harmônica, com respeito e regeneração, nossa cadeia de produção não só será mais eficiente, mas também mais resiliente, saudável e justa.

Essa visão de uma revolução evolutiva é inspiradora. Ela nos chama para uma mudança de mentalidade, onde a colaboração e a adaptação são os pilares.

Podemos ser mais competitivos, sim, mas, ao mesmo tempo, mais responsáveis e conscientes. A chave para isso está em ser capazes de agir de forma coletiva, com propósito e com a coragem de implementar as mudanças necessárias para garantir que nossa agricultura, e todos que dependem dela, possam prosperar no futuro.

Marcello Brito é professor e Coordenador da FDC-Agroambiental