Dona de uma receita líquida de R$ 416,9 bilhões somente no ano passado, a JBS é sinônimo de proteína animal para a maioria dos consumidores. Mas também é uma potência em um mercado menos óbvio para o público: o de couro animal.
Como tantos frigoríficos, no passado, a empresa da família Batista vendia couro fresco logo após o abate das cabeças de gado em suas unidades, mas não trabalhava no processo de curtimento da pele bovina
Isso começou a mudar a partir de 2009, quando a companhia resolveu entrar na manufatura, com uma divisão chamada JBS Couros.
De lá para cá, o grupo se consolidou também neste segmento, com operações espalhadas pelo mundo, presente no Brasil, Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Vietnã, Alemanha e México.
Se antes vendia apenas o couro cru, a companhia agora atua de ponta a ponta na cadeia – e está fazendo bons negócios até mesmo com os resíduos do processo produtivo, lucrando com a chamada economia circular.
Recentemente, a JBS passou a remeter para a Itália cerca de 550 toneladas por mês do farelo de rebaixadeira, subproduto dos curtumes que passou a ser utilizado por uma indústria italiana na fabricação de bioestimulantes foliares.
É mais um capítulo de um processo que começou há seis anos, quando a JBS resolveu implementar um novo conceito, batizado de kind leather, para maximizar seus ganhos no segmento de couro.
Dessa forma, a companhia passou a comercializar apenas uma parte específica do couro dos animais, e não toda a pele, como é usual na indústria de couro.
Assim, a empresa consegue enviar peças específicas para indústrias automotivas e moveleiras, que não precisam necessariamente fazer um novo corte no produto que recebem.
"Em uma tradução ao pé da letra para o português, seria uma forma gentil de produzir essa pele, melhorando o rendimento de material para não haver desperdício", diz Guilherme Motta, presidente da JBS Couros, em entrevista ao AgFeed.
A empresa, então, passou a eliminar regiões nas quais não se conseguia ter um bom aproveitamento de corte, como a região das patas, da frente do animal e da parte do rabo.
Essas aparas não utilizadas no processamento do couro bovino são enviadas para outras indústrias da companhia como a Genu-in, que produz peptídeos de colágeno, e NovaProm, que transforma colágeno para indústria alimentícia.
Apesar de trazer maior aproveitamento da pele aos clientes finais, a utilização de apenas uma parte do couro nos curtumes trouxe um resíduo, para o quala JBS patinou alguns anos até achar uma destinação.
Trata-se do já mencionado farelo de rebaixadeira, que é gerado quando a pele já está curtida e passa por um processo mecânico de raspagem para ajustar o couro à espessura ideal. São frações de milímetro, que variam conforme a indústria que vai utilizar o produto.
“Couro para sapato é um couro mais grosso, já um couro para sofá é um couro mais fino e para o segmento automotivo é intermediário”, explica Motta.
“Isso demanda uma precisão que realmente exige uma ação física na matéria. E essa ação física é feita por uma máquina que chama-se rebaixadeira, que vai rebaixar a espessura da pele”, emenda o presidente da JBS Couros.
O destino desse resíduo era o aterro industrial, mas essa condição ainda inquietava o time da JBS.
“Queríamos entender como a gente faz uma valorização desse material e parar de interpretar ele como um resíduo, mas sim como matéria-prima, como a gente consegue agregar valor”, diz Motta.
Finalmente, após dois anos de tratativas regulatórias com autoridades brasileiras, italianas e europeias, a JBS recentemente passou a exportar todo o resíduo para o exterior.
Com isso, a companhia pôde encerrar as operações dos aterros industriais que mantinha nas unidades de Itumbiara (GO), Lins (SP) e Uberlândia (MG) para receber esse tipo de resíduo.
Motta considera que esse processo faz parte de um amadurecimento do mercado de couros. “Antigamente, a agregação de valor do couro acabado era feita na Itália. Hoje, cada vez mais as empresas brasileiras estão agregando aqui para o produto sair acabado", afirma o executivo.
"Essa solução faz parte de uma estratégia muito mais longa da JBS Couros, se posicionar sempre como liderança na entrega de solução de couros de baixo impacto ambiental. E a gente é, hoje, de uma certa maneira, internacionalmente, reconhecido por isso através da bandeira do kind leather”, diz Kim Sena, diretor de sustentabilidade da JBS Couros.
Hoje, 92% dos resíduos gerados pela JBS Couros já têm um destino circular. Mas ainda há alguns resíduos que a JBS não consegue reaproveitar, explica Sena.
Ele cita o exemplo de um farelo oriundo do processo de lixamento, que se dá após a aplicação de óleos e resinas que conferem características especiais ao couro que vai seguir para diferentes indústrias, como as que transformam a pele em revestimento de bancos de carros, sofás e cadeiras, por exemplo.
"Só que, como esse farelo já está numa etapa posterior do processo, já está acrescido de outros produtos, ainda não é aceito por essa tecnologia, atrapalharia a geração de fertilizantes", afirma Sena, ressaltando que esse farelo é gerado em quantidades muito menores que o farelo de rebaixadeira, mas que tecnologicamente é mais complexo.
A empresa trata as peles do gado em água gelada, in natura. Dessa forma, a companhia evita o uso de sal para a conservação, o que traria gastos desnecessários para a operação. "O sal é custo, não agrega valor", explica Guilherme Motta.
Como os materiais são perecíveis, os curtumes da companhia geralmente ficam próximos dos frigoríficos da JBS ou, então, distantes em um raio de até 500 quilômetros.
Isso porque a matéria-prima precisa chegar ao curtume em no máximo 48 horas e sempre em temperatura controlada.
No Brasil, são dez unidades que transformam o couro fresco em wet blue, que é a primeira etapa do processo de curtimento, e outras cinco que levam a pele fresca até o processo de acabamento final.
A JBS possui unidades também no Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Itália e Vietnã, cada uma com funções específicas de acabamento ou manufatura.
A companhia não divulga números específicos de quanto couro processa, mas Motta diz que a quantidade de pele curtida “passa dos milhões”.
Resumo
- A JBS passou a exportar 550 toneladas mensais de farelo de rebaixadeira, resíduo dos curtumes, para uso em fertilizantes foliares na Itália
- A iniciativa elimina aterros industriais e eleva para 92% o reaproveitamento dos resíduos gerados pela divisão de couros
- A ação integra a estratégia “kind leather”, que valoriza o couro com menor impacto ambiental e amplia a economia circular no negócio