Itaúba (MT) - No norte do Mato Grosso, o famoso “Nortão”, região líder da produção de grãos no País, o relógio do agronegócio parece seguir outro ritmo.

Num momento em que o agro respira margens mais curtas, o grupo familiar Biancon aposta em eficiência e criatividade dentro da porteira para sustentar o ritmo de crescimento.

Com propriedades localizadas entre Lucas do Rio Verde e Sinop, o grupo ergueu uma operação agrícola completa, unindo grãos, algodão, pecuária e integração de sistemas.

A estratégia é simples no papel e complexa na execução: extrair mais de cada hectare. Com os preços das commodities mais baixos e custos, principalmente de fertilizantes, elevados, a família tem buscado compensar o cenário com eficiência dentro da porteira.

Igor Biancon, um dos diretores e sócios do grupo, explica que este é um momento de “cautela, não de expansão”, e que o objetivo é “otimizar e maximizar o resultado com o que já temos”, diante de margens mais espremidas.

O grupo nasceu de uma história de migração típica do Centro-Oeste. Em 1993, a família deixou Seberi (RS), para tentar a sorte em Lucas do Rio Verde (MT), cidade ainda em formação.

No início, eram apenas 400 hectares de soja no município. Mas, aos poucos, o grupo subiu o mapa e hoje se divide em cinco fazendas, que somaram 45 mil hectares entre safra e safrinha na temporada 2024/2025 (24 mil de soja na primeira colheita e cerca de 20 mil na safra de inverno).

O AgFeed visitou nesta semana a propriedade de Itaúba, arrendada em 2021, para entender mais a foto do momento e as estratégias dos próximos anos dentro do grupo. A fazenda foi a pioneira do Programa Reverte, estruturado pelo Itaú BBA e pela Syngenta, com foco em conversão de áreas degradadas.

O projeto já ilustra um pouco do apetite do grupo em olhar para a otimização dentro da porteira antes de pensar (e lamentar) os preços de commodities no mercado externo.

“Na época, com preços de commodities elevados, surgiu oportunidade de arrendar essa fazenda, que era tradicional de pecuária. Nós vimos que havia chance de converter e o pessoal do Itaú nos apresentou o Reverte”, disse Igor Biancon.

A conversão custou cerca de US$ 500 por hectare (algo em torno de R$ 10 milhões considerando o dólar a R$ 5 da época), para transformar 4 mil hectares de pastagens em lavouras.

No primeiro ano de lavoura após a conversão, em 2021/2022, a fazenda colheu 56 sacas de soja por hectare nessas áreas recuperadas, um resultado que, para um solo recém-transformado, foi considerado expressivo pelo grupo.

Três anos depois, a produtividade média nas áreas convertidas subiu, chegando a 69 sacas, enquanto as áreas mais consolidadas de outras fazendas ultrapassaram as 70 sacas por hectare na temporada 2024/2025.

O avanço da fertilidade abriu espaço para o algodão, cultura que o grupo introduziu há apenas dois anos em Itaúba. “Colhemos acima de 300 arrobas de média de algodão em uma primeira safra, o que mostra como o solo evoluiu”, afirmou Igor Biancon.

Essa unidade conta com 22 mil hectares de área total, sendo 7 mil hectares de lavoura e 4 mil de pastagens, onde conta com 8 mil cabeças de gado em um ciclo de cria, recria e engorda. Quatro anos depois de iniciar o projeto, os resultados aparecem e ajudam a surfar em safras tortuosas. Quando foi arrendada, eram 3 mil hectares de soja e 8 mil de pastagens.

O solo antes raso e compactado começa a dar sinais visíveis de evolução. “A gente chegou até áreas que produziram de 7 a 8 sacas a mais do que uma área sem integração. Os marcadores mostram uma evolução biológica importante”, disse Igor, ao comparar o desempenho entre talhões com e sem o uso combinado de boi e braquiária.

A conversão, porém, não foi simples. O início do processo exigiu capital, paciência e adaptação. “Você chega em uma área de pecuária e precisa desmanchar cerca, gradear pasto, corrigir o solo, redimensionar estradas. É um investimento pesado”, explica o produtor.

Em alguns cantos da fazenda, o aprendizado veio do erro. Áreas com pedregosidade ou excesso de umidade voltaram a ser pastagens. “Chegamos a plantar oito mil hectares nessa fazenda, mas parte não se viabilizou. Aprendemos a respeitar o limite de cada talhão”, acrescentou.

Mas o grupo não parou no grão. Com o aprendizado da conversão, criou um modelo próprio de integração.

A “safrinha de boi”, como é chamada pelos executivos, ocupa 1,5 mil a 2 mil hectares na unidade, onde o pasto de braquiária entra depois da soja e serve de alimento para os animais.

“A ‘safrinha de boi’ rentabiliza melhor que o milho em algumas áreas. É uma forma de aproveitar as terras mais arenosas e manter a matéria orgânica viva”, explica Igor Biancon. Segundo ele, o ganho médio nessas áreas chega a 7 ou 8 sacas a mais de soja na safra seguinte, além do lucro com a pecuária.

A adoção do sistema ILP (integração lavoura-pecuária) ainda mudou o metabolismo da fazenda. Ao incorporar a braquiária no sistema e aproveitar o gado na safrinha, o grupo encontrou um equilíbrio entre fertilidade, descanso do solo e rentabilidade.

O resultado é um solo mais resiliente à seca e com melhor capacidade de infiltração. “A gente esteve aqui no auge da seca e as áreas integradas ainda estavam verdes. Isso mostra que o solo evoluiu”, disse o diretor, se referindo a um período de 120 dias de seca que se alastraram entre o segundo e o terceiro trimestre deste ano.

Hoje, o rebanho soma cerca de 7 mil cabeças, distribuídas entre cria, recria, engorda e confinamento. O plano é chegar a 14 mil animais nos próximos cinco anos. Para tal, aposta em reaproveitar subprodutos gerados nas fazendas: caroço de algodão, resíduos de armazém e esterco os bois.

“O que importa da área de integração é isso aqui”, disse o irmão de Igor, Ivan Biancon, que também lidera a operação, apontando para um dejeto dos animais que estavam em um talhão há poucos dias. Por lá, o grupo deve entrar com as plantadeiras e iniciar o cultivo de soja nos próximos dias.

Na unidade de Tabaporã (chamada de Fazenda Índio Possesso), a companhia ainda conta com um confinamento, que opera junto a uma unidade de beneficiamento de algodão própria. Dessa forma, utiliza o subproduto do caroço do algodão como ração bovina, que por sua vez, alimenta o boi que deposita seus dejetos no solo, reforçando o ciclo que pretendem atingir.

Esse reaproveitamento dos subprodutos tem reduzido os custos de insumo. A meta, segundo Ivan Biancon, é reduzir de 30% a 40% o uso de fertilizantes minerais nas fazendas com esse projeto.

“Hoje, uma tonelada de composto custa cerca de R$ 350. Considerando R$ 700 por hectare no manejo, que usa duas toneladas, em algumas áreas conseguimos acréscimo de até 8 sacas de soja por hectare. Solo é uma construção”, disse Ivan.

Na Fazenda Colorado, localizada em Nova Canaã do Norte, áreas menos produtivas em grãos estão sendo convertidas em pastagem.

Nas áreas onde o grupo adotou a integração lavoura-pecuária, o ciclo se fecha dentro da fazenda: o resíduo de algodão e de armazém, antes subaproveitado, virou alimento e adubo.

“A gente começou na pecuária, começou a ter muito também resíduo de algodão, resíduo de armazém. Começamos a perceber que se a gente não fizesse um ciclo completo, se não tivesse pasto para a gente fazer cria e recria, a gente ia ter dificuldade de expandir esse negócio de pecuária”, contou o produtor.

Somente cerca de 10% a 12% do faturamento vem da pecuária e o restante segue concentrado na agricultura. Questionado sobre a receita do grupo, Ivan Biancon brincou e disse que “fatura bastante”.

Apesar de não abrir os números exatos, citou que a operação vendeu, na última temporada, 1,5 milhão de sacas de soja, 1,3 milhão de sacas de milho e 18 mil toneladas de pluma de algodão.

Considerando o patamar atual do preço dessas commodities segundo números da Grão Direto para a região de Sinop, de R$ 119 na saca de soja e R$ 50 no milho, além de R$ 57 na arroba do algodão em pluma, segundo o IMEA para a mesma praça, a venda poderia somar cerca de R$ 310 milhões. Isso tudo sem contar a operação com os bovinos.

Segundo Igor Biancon, a empresa vende seus grãos principalmente e para para tradings. Além do ABCD (ADM, Bunge, Cargill e LDC), cita Cofco, BTG e Fiagril. Na pecuária, vende para frigoríficos como JBS e empresas locais como Boa Carne e Frigobom.

No milho, metade é vendida para indústrias locais de etanol e a outra metade segue seu destino rumo a outros países. Na temporada 2025/2026, que será marcada, segundo Ivan Biancon, por margens mais apertadas, além da aposta em aumentar cada vez mais o plantel bovino, a empresa vê um momento melhor para o milho.

“O algodão passa por um momento difícil. Vamos reduzir a área em cerca de 10% para dar espaço ao milho, que aqui na região está mais atrativo por causa do etanol”, disse.

Segundo ele, não há muito espaço para reduzir mais o algodão porque “o Capex do algodão é alto”. “As máquinas já estão aí, a algodoeira já está aí, então não posso parar. A gente aumentou a área de milho e a pecuária vive um momento bom”, disse.

No grupo como um todo, o plantio de milho deve ficar entre 10 mil a 12 mil hectares.

Outra aposta do grupo está na biomassa. Na propriedade de Tabaporã, a empresa está iniciando o cultivo de 90 hectares de eucalipto. A ideia inicial é atender a demanda de caldeiras da algodoeira e de secadores nos armazéns.

Com o boom das indústrias de etanol de milho, o mercado começa a projetar um déficit de florestas que alimentem essas usinas. Segundo Igor Biancon, a região ainda possui ampla disponibilidade de biomassa – pelo menos por enquanto.

“A gente entende que no futuro isso vai ficar mais restrito. Então começamos com esse projeto para conhecer como é, como funciona, como isso vai encaixar dentro do operacional do grupo. A ideia é expandir, pois sabemos que há uma demanda muito grande tanto para uso dentro da porteira, armazém e algodoeira, quanto para o mercado principalmente de etanol”, afirmou.

O jornalista viajou a convite da Syngenta e do Itaú BBA

Resumo

  • Grupo administra 45 mil hectares de safra e safrinha distribuídos entre soja, milho, algodão e pecuária, aplicando ILP e sistemas de reaproveitamento de resíduos para aumentar produtividade e reduzir custos
  • Uma das propriedades da família foi a pioneira do programa de Reverte, para recuperação de áreas degradadas, patrocinado por Syngenta e Itaú BBA.
  • Na temporada 2024/2025, grupo comercializou 1,5 milhão de sacas de soja, 1,3 milhão de milho e 18 mil toneladas de algodão

Soja plantada há cerca de 15 dias em fazenda do grupo Biancon

Rebanho em área de pastagem da família na Fazenda Itaúba

Or irmãos Ivan e Igor Biancon em área recuperada pelo Programa Reverte