Itaúba (MT) e Paranatinga (MT)* - Era 2020 quando o Grupo Biancon, que planta 45 mil hectares entre safra e safrinha no norte de Mato Grosso, decidiu dar um novo rumo a uma área de pastagem arrendada em Itaúba.
Na época, a soja e o milho viviam um auge de preços do pós-pandemia e quem tinha capital (ou coragem) apostava em expansão. Foi nesse momento que o grupo familiar, comandado pelos irmãos Gerson, Igor e Ivan Biancon, buscou um financiamento para transformar hectares de pasto em lavoura.
“Eu falei para o Pedro Nadaf, nosso officer no Itaú BBA, que arrendamos uma área e precisaríamos de crédito para converter. Ele respondeu que tinha um negócio interessante pra gente”, lembra Igor Biancon.
O “negócio” era o Reverte, um programa recém-lançado pelo Itaú BBA e pela Syngenta, voltado a financiar a recuperação de solos degradados, que ainda buscava seus primeiros cases.
A área arrendada era a Fazenda Itaúba, aberta nas décadas de 1970 e com pouco mais de 20 mil hectares de área total. Na época, eram 3 mil hectares de soja e 8 mil de pastagens. Hoje, são 7 mil hectares de lavoura e 4 mil de pastagens, onde conta com 8 mil cabeças de gado em um ciclo de cria, recria e engorda.
A partir dali, o piloto virou modelo. O Reverte nasceu oficialmente em 2019, no embalo das discussões sobre agricultura regenerativa, e ganhou escala com a estruturação de crédito de longo prazo e assessoria técnica conjunta entre Syngenta e Itaú BBA.
Em números, o salto é expressivo: hoje o programa conta com 279 mil hectares em 410 fazendas, 97 agricultores e R$ 2,03 bilhões desembolsados em 11 estados. Metade do programa está concentrada em áreas no Mato Grosso.
“O produtor está na linha de frente da regeneração. O lucro é um meio, não o fim”, resume Jonas Oliveira, gerente de Sustentabilidade da Syngenta.
Segundo ele, o Brasil tem cerca de 160 milhões de hectares de pastagens, dos quais 40 milhões têm potencial agronômico para se tornar áreas agrícolas sem necessidade de novos desmatamentos. “Nosso papel é transformar essa oportunidade em um negócio sustentável, financeiramente viável e ambientalmente responsável”, acrescentou.
O foco segue em áreas de pastagem em degradação leve e moderada, evitando regiões de alto risco ambiental. “Não falamos em deslocar pastagem para agricultura, mas em intensificar. Quem tem boi, tem que ter boia”, sintetizou Jonas Oliveira, citando a expansão do etanol de milho e a necessidade de integração de sistemas.
Antes de chegar ao crédito, o produtor passa por um processo de originação e validação dupla. Tanto Itaú BBA quanto Syngenta podem prospectar o cliente, mas o projeto só avança se houver consenso entre as duas partes.
Primeiro, o perfil técnico da área é avaliado: degradação, regularidade ambiental, potencial agronômico e risco operacional. Depois, o banco analisa o perfil financeiro e o histórico de relacionamento do produtor.
“Hoje, tanto o Itaú quanto a Syngenta fazem essa originação. No fim, é uma jornada conjunta, porque o crédito é de longo prazo e exige confiança dos dois lados”, diz João Adrien, head de ESG Agro do Itaú BBA.
Adrien explica que o Reverte financia o produtor com linhas de investimento de até 10 anos, com carência de três anos, e recursos de até R$ 16 mil por hectare, dependendo do nível de degradação e do projeto.
O crédito cobre correção de solo, calcário, fertilizantes, estrutura viária e manejo inicial, ou seja, o grosso do investimento na conversão.
Nos anos seguintes, o produtor ainda consegue acessar uma linha de custeio anual pelo banco, com limite de R$ 5 mil por hectare, desde que mantendo as boas práticas acompanhadas por monitoramento técnico da Syngenta e de parceiros como a Embrapa, Agrotools e a TNC (The Nature Conservancy).
“Cada cliente passa por um processo rigoroso de avaliação socioambiental”, explica Adrien. Os critérios de elegibilidade incluem um CAR (Cadastro Ambiental Rural) ativo e sem pendências, inexistência de alertas de desmatamento ou embargos ambientais, e a comprovação de capacidade técnica e de manejo sustentável.
Quando há algum problema, o próprio programa auxilia o cliente na regularização. “Tem muito produtor que nem sabia que o CAR estava suspenso. A gente senta com ele, mapeia o problema e indica o caminho para resolver. O banco tem uma equipe técnica ambiental só pra isso”, explica Adrien.
Segundo Adrien, 20 dias é o prazo médio para desembolso de um projeto já regularizado. E, para evitar o que ele chama de “divórcio”, os contratos são longos: até 10 anos de parceria, com acompanhamento contínuo. “É quase um casamento”, brinca.
A meta do programa é ousada: chegar em 1 milhão de hectares recuperados até 2030. Para isso, o ritmo de crescimento precisa acelerar e muito. Ao final de 2025, a ideia é chegar aos 300 mil hectares, com o Reverte completando cinco anos.
Na prática, a meta envolve crescer mais de duas vezes (colocar mais 700 mil hectares no projeto) no mesmo intervalo de tempo.
João Adrien cita que, nos primeiros dois anos, o programa ainda estava se encontrando e teve um crescimento baixo, que foi substituído por um boom de 2023 pra cá. “Esse ano o ritmo foi menor, mas continua a crescer. Se a conjuntura toda for favorável, o Reverte vai crescer ainda mais”, disse ao AgFeed.
Essa “conjuntura”, segundo o executivo, envolve fatores que não dependem do banco, como preços de commodities e taxa de juros.
Ele acrescenta que não há a ideia de trazer novos financiadores para o projeto, mas sim buscar mais apoio técnico. “Hoje o programa já roda bem na estrutura que temos”.
Os Biancon e o aprendizado do solo
Na fazenda de Itaúba, o Grupo Biancon captou US$ 500 por hectare revertido. Considerando os 4 mil hectares recuperados e um dólar a R$ 5 na época, a captação foi de cerca de R$ 10 milhões.
O capital ajuda a empresa a realizar um processo que não é simples. "Você chega em uma área de pecuária e precisa desmanchar cerca, gradear pasto, corrigir o solo, redimensionar estradas. É um investimento pesado", explica o produtor Igor Biancon.
Em alguns cantos da fazenda, o aprendizado veio do erro. Áreas com pedregosidade ou excesso de umidade voltaram a ser pastagens.
"Chegamos a plantar oito mil hectares nessa fazenda, mas parte não se viabilizou. Aprendemos a respeitar o limite de cada talhão", acrescentou.
Para o solo, o Grupo Biancon aplicou entre 5 e 6 toneladas de calcário por hectare e fez fosfatagem inicial logo no primeiro ciclo.
“No primeiro ano colhemos 56 sacas de soja já na virada da pecuária para agricultura”, conta Igor. O resultado foi considerado expressivo pelo grupo, para um solo recém-transformado.
Três anos depois, a produtividade média nas áreas convertidas subiu, chegando a 69 sacas, enquanto as áreas mais consolidadas de outras fazendas ultrapassaram as 70 sacas por hectare na temporada 2024/2025.
O avanço da fertilidade abriu espaço para o algodão, cultura que o grupo introduziu há apenas dois anos em Itaúba. "Colhemos acima de 300 arrobas de média de algodão em uma primeira safra, o que mostra como o solo evoluiu", afirmou Igor Biancon.
O grupo também adotou integração lavoura-pecuária (ILP) e reduziu em até 40% o uso de fertilizantes minerais, substituindo parte por compostos orgânicos feitos nas próprias fazendas. “O solo é uma construção, ele vai evoluindo safra após safra”, resume Igor Biancon.
Mesmo com o avanço técnico, Igor reconhece que o contexto da época foi determinante para o projeto sair do papel.
“2020 foi um momento de transição porque as commodities tinham começado a subir muito de preço, mas a realidade até dos contratos de arrendamento ainda não tinha mudado tanto”, disse.
“Provavelmente hoje, se a gente tivesse uma oportunidade com a rentabilidade atual e o preço que hoje eu imagino que custe um arrendamento, provavelmente não faríamos”, completou.
O produtor afirma que o projeto se mostrou viável no longo prazo, muito por conta da carência de três anos no momento em que o investimento é mais pesado. “A partir do quarto ano, a gente começou realmente a não ter mais esse investimento de conversão e a área começou a se pagar”, acrescentou.
Segundo ele, a fazenda também ganhou valor, e ele estima uma valorização de 50% nas terras por conta da reversão.
O momento atual, no entanto, é outro. “Hoje é um momento mais de cautela, diria assim, na agricultura, não de expansão. Não é um momento em que estamos correndo atrás de novas áreas para arrendamento ou para compra, e sim de fazer com o que a gente tem, tentar otimizar e maximizar o resultado, porque realmente as margens estão bastante espremidas”, disse Igor Biancon.
O caso JCN: ILP e floresta no mesmo mapa
Se no Grupo Biancon o Reverte foi a porta de entrada para o crédito verde, no Grupo JCN, ele se tornou uma ferramenta para acelerar práticas sustentáveis já em curso.
O conglomerado é dono de 90 mil hectares, sendo 50 mil de áreas produtivas. São 25 mil hectares de soja, 10 mil de milho, 15 mil hectares de algodão e ainda áreas que abrigam 8 mil cabeças de gado. Na fazenda do grupo em Paranatinga (MT), a empresa iniciou em 2023 uma conversão de 9 mil hectares, com apoio de R$ 120 milhões em financiamento.
“Essas áreas tinham solo exposto e muita espécie invasora. O Reverte trouxe capital e conhecimento técnico para fazer essa virada”, resume Jonas Oliveira, da Syngenta.
Além do cultivo de grãos, a estratégia do grupo inclui integração lavoura-pecuária (ILP), reflorestamento de nascentes e um viveiro que produz 35 mil mudas por ano, com espécies como jatobá, pequi e aroeira.
Na propriedade se encontram 46 nascentes de rios, resultados do processo de reflorestamento realizado pela empresa. Na propriedade, com área total de 44 mil hectares, são quase 22 mil de vegetação nativa, sendo quase 2 mil recuperados por meio desse processo iniciado nos viveiros.
Por lá, são 19,1 mil hectares de agricultura, sendo 3,2 mil irrigados, outros 2,3 mil para pecuária e 4,6 mil hectares de ILP.
Jonas Oliveira cita que o sistema ILP mostrou resultados rápidos: “A soja se beneficia do nitrogênio deixado pelo capim, e a pastagem, depois, cresce mais vigorosa. A última amostragem de solo mostrou que 60% da área já está classificada como saudável e outros 40% em recuperação”.
*O jornalista viajou a convite da Syngenta e do Itaú BBA
Resumo
- Criado pelo Itaú BBA e Syngenta há cinco anos, o programa Reverte já desembolsou R$ 2,03 bilhões e recuperou 279 mil hectares de pastagens degradadas em 11 estados.
- Programa combina financiamento de longo prazo, assessoria técnica e monitoramento ambiental, oferecendo até R$ 16 mil por hectare para conversão.
- Metade das áreas beneficiadas está concentrada em Mato Grosso e meta é chegar a 1 milhão de hectares no País até 2030