Vida normal na Kepler Weber, uma das líderes no setor de armazenagem no Brasil – ao menos por enquanto.
Enquanto negocia com a americana GSI uma possível fusão que criaria um gigante em seu setor, a companhia gaúcha mantém a estratégia inalterada: segue apostando no grande déficit de armazenagem do país e, ao mesmo tempo, acelera a expansão na Argentina, diversificando seus negócios.
"Estamos vendendo mais, mais silo, mais secador, mais máquina de limpeza, por causa desse déficit. As margens estão apertadas, os juros mais altos, mas existe demanda", disse Bernardo Nogueira, CEO da Kepler Weber, nesta quinta-feira, dia 27 de novembro, durante o Kepler Day 2025, evento anual realizado pela companhia para investidores e analistas de mercado, em São Paulo.
A Kepler não ficou totalmente imune às dificuldades de mercado ao longo de 2025. Entre janeiro e setembro deste ano, a receita líquida da companhia foi de R$ 1,09 bilhão, recuo de 4,8% frente aos R$ 1,14 bilhão do ano anterior.
“Foi um ano difícil para o agro e um ano difícil para a Kepler”, resumiu Nogueira. O cenário de curto prazo do setor como um todo não chega a animar o CEO, mas ele aposta em um crescimento dos negócios da companhia. “2026 vai ser um ano difícil para o agro, mas nossa carteira de pedidos vai ser superior ao que foi 2025”, antecipou.
O otimismo de Nogueira se explica pela aposta da companhia na continuidade do grande déficit de armazenagem, que segue como um dos principais gargalos para os produtores rurais brasileiros – e, portanto, uma fonte estrutural de demanda para a Kepler.
Para ilustrar o cenário, o CEO retomou a analogia usada na divulgação dos resultados do terceiro trimestre, comparando o momento do agronegócio ao funcionamento de um avião.
“A gente está voando com uma turbina só. Mas um Boeing voa com uma turbina só. Não vai cair. Dá uma sensação ruim ver fumacinha nas três turbinas, mas ele voa”, afirmou.
Nogueira lembrou que hoje o agro opera com três turbinas desligadas: os preços de commodities estão apertados, os juros são os mais altos dos últimos 20 anos e há baixa disponibilidade de crédito. A única turbina ligada continua sendo a armazenagem, em sua avaliação.
E, desta vez, a companhia está mais preparada frente à crises. “No último ciclo ruim, tínhamos Ebtida negativo de 5%. Hoje estamos com Ebtida de 15,9%, 16%”, disse Nogueira.
Além da expansão dos negócios no Brasil, a Kepler está reforçando a aposta no crescimento de sua operação na Argentina.
Até o ano passado, o mercado portenho representava apenas 3% da área de Negócios Internacionais da companhia, mas já neste ano, passou a 17%. “A Argentina já está disputando com o Paraguai para ser o principal país de exportações da Kepler”, disse Nogueira.
Neste ano, a companhia fez cinco visitas estratégicas, treinamento de representantes, e campanhas de marketing digital para ampliar sua presença no país vizinho ao Brasil.
Ainda na linha de diversificação de negócios, a Kepler continua acreditando também em um novo negócio, que envolve aluguel de armazenagens, que havia sido a “estrela” do Investor Day do ano passado.
Por meio de um fundo, investidores em geral aportariam os recursos necessários para construir as estruturas de armazenagem. A Kepler recebe o dinheiro e constrói as estruturas. Nesse modelo, ao invés de comprar diretamente a estrutura, o cliente paga o aluguel, onde a Kepler também tem participação.
O projeto está ancorado por um fundo de R$ 500 milhões, sob a gestão da Jubarte Capital. Mas, apesar dos esforços, até aqui, a companhia não conseguiu fechar contratos de aluguel.
“O que atrapalha é o juro alto e as questões macro, trazendo um certo receio na assinatura de contratos de longo prazo, que vão de 15 a 20 anos. Mas a gente segue acreditando na tese, estamos trabalhando”, explicou Diego Wenningkamp, diretor de implantação da Kepler, durante o evento.
“A notícia boa é que muitos dos projetos que estamos discutindo se transformaram em vendas para a companhia, seja de equipamentos normais ou modelagem 360º”, emendou Wenningkamp, citando negócios feitos com empresas como Be8 e São Martinho.
Tudo em dia
A diversificação dos negócios da Kepler ajuda a diminuir a dependência de demanda sobre o que acontece em campo, lembrou o CFO da companhia, Renato Arroyo.
“Em 2022 tínhamos 76% concentrados em agroindústrias e fazendas e, agora, a representatividade desse segmento vem diminuindo um pouco. Outras áreas vem crescendo muito. Tínhamos 12% do resultado vindo de reposição e serviços, e agora estamos com 20%. Negócios internacionais eram 9%, e agora estamos com 14%.”
Ainda assim, não foi totalmente suficiente para conter quedas de preço. “Temos uma queda de quatro pontos percentuais nas margens comparando 2025 com 2024. Temos demanda, temos carteira de pedidos muito possivelmente maior que a do ano anterior, mas há uma pressão muito forte nos preços.”
Ao mesmo tempo, ele relatou que a rentabilidade da companhia segue robusta: “Norteamos uma margem muito perto de 2021, mas extremamente saudável face ao momento macroeconômico.”
Arroyo também avaliou que, apesar da margem Ebtida ter recuado quatro pontos percentuais em relação ao ano anterior, a empresa teria sofrido se não tivesse se reorganizado.
“Se não tivéssemos tomado ações, diversificação, lean, melhoria operacional, bom controle de despesas que a gente vem fazendo, muito provavelmente estaríamos numa situação similar à de 2016”, disse.
Quanto ao balanço, Arroyo destacou a força financeira da empresa. “Somos uma empresa de caixa líquido. Num momento de juros altos, há empresas pagando 18%, 19% ao ano e sofrendo muito. Aqui temos posição de caixa líquido mesmo pagando 104% de dividendos e fazendo investimentos.”
Ele destacou ainda o prazo confortável da dívida: “Temos um cronograma de dívida de 2,8 anos. Estamos muito confortáveis do ponto de vista de balanço”, disse Arroyo.
E a GSI?
O alto comando da companhia não comentou sobre as negociações com a GSI ao longo do Investor Day.
A Kepler já havia sinalizado, em aviso aos acionistas divulgado no último dia 17 de novembro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não trataria sobre o assunto.
"Os executivos da companhia não comentarão ou responderão a quaisquer questionamentos relacionados a esse tema durante o Kepler Day 2025", adiantou a empresa.
No último dia 4 de novembro, a companhia confirmou que recebeu da GPT, dona da GSI, uma proposta não vinculante para uma potencial fusão entre as duas empresas e que iria avaliar a proposta ao longo dos próximos 90 dias.
Se concretizada, o movimento abre caminho para a formação de um gigante setor de armazenagem no País, unindo duas grandes empresas do segmento. A GSI de cara já ganharia escala no Brasil ao incorporar a Kepler, que tem forte presença no mercado nacional.
Em contrapartida, a empresa brasileira teria acesso ao mercado dos Estados Unidos, onde a companhia americana tem boa presença, e uma estrutura global robusta, uma vez que a GSI é uma das marcas da Grain & Protein, que também trabalha ao redor do mundo com outras marcas como Cumberland, AP, Tecno e Aerotech, presente em mais de 70 países.
Resumo
- Enquanto negocia com a americana GSI uma possível fusão, a gaúcha Kepler Weber mantém suas estratégias comerciais e operacionais, apoiada pelo déficit de armazenagem no Brasil e aposta na expansão de seus negócios na Argentina.
- Mesmo com pressão de margens e receita menor em 2025, a empresa sustenta otimismo com carteira de pedidos superior à do ano anterior e diversificação de seus negócios
- Negócio de aluguel de armazenagens ainda não deslanchou devido à condições de mercado desfavoráveis