Entre abril e maio de 2025, Eumar Novacki foi procurado pelo agropecuarista José Pupin com dois problemas, dos grandes, para tentar resolver. Advogado, ex-secretário executivo do Ministério da Agricultura e homem de confiança do ex-ministro Blairo Maggi, Novacki se fixou em Brasília (DF) após deixar cargos públicos e por lá montou uma banca com dezenas de profissionais.

Ele voltou aos holofotes com a defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 24 anos de prisão por envolvimento na trama golpista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas a especialidade do seu escritório é atender casos ligados ao agronegócio.

Os dois abacaxis entregues há pouco mais de seis meses a Novacki pelo agropecuarista estão interligados e fazem parte do processo de recuperação judicial do Grupo Pupin, que já foi um dos maiores produtores do País – José Pupin, durante alguns anos, carregou a alcunha de “Rei do Algodão”. Um processo que se arrasta há oito anos e parece interminável.

Nas demandas levadas a Novacki, o empresário tentava, ao mesmo tempo, revogar uma procuração e romper um “contrato” no qual passou a gestão da sua agropecuária para a Fource Consultoria – que em seu site se apresenta como uma empresa que alinha “estrategicamente, questões societárias, contábeis, fiscais e financeiras” com o objetivo de “transformar problemas em grandes oportunidades e, assim, possibilitar a recuperação e a evolução dos negócios” – e, ao mesmo tempo, informar à Justiça, no âmbito do processo de recuperação judicial, que tinha justamente assinado esse documento.

“A equipe se debruçou em algo muito grave. Além de o juízo não ter sido informado desse acordo, que foi um erro, a Fource não presta contas e não dá qualquer tipo de acesso ao Sr. Pupin”, disse Novacki ao AgFeed.

“Conseguimos documentos informando que há indícios de irregularidades, mas o cliente precisa ter acesso às contas, para apresentar um novo plano e zerar com os credores”, completou.

Com cerca de R$ 2 bilhões em dívidas, o Grupo Pupin, liderado por José Pupin e sua mulher, Vera Lúcia Camargo Pupin, está em recuperação judicial desde 19 de outubro de 2017. Em outubro do ano passado, o plano de recuperação judicial precisou passar por um aditivo para uma renegociação da dívida com credores.

O novo capítulo, com a revelação do acordo até então secreto entre Pupin e a Fource, ocorreu no dia 30 de setembro de 2025. Em uma manifestação no processo, os advogados do empresário, liderados pelo escritório de Novacki, informam sobre a negociação entre as duas partes para a gestão do grupo.

“Devido ao contexto de dificuldades econômico-financeiras pelo qual o Grupo Pupin vem passando há anos, que culminou no pedido de recuperação judicial, o Sr. José Pupin, seu representante legal, foi procurado em 2020 por representantes de empresas da Fource com a promessa de auxiliar o grupo recuperando na sua reestruturação”, inicia o pedido protocolado na 1ª Vara de Campo Verde (MT), onde tramita a recuperação judicial.

Os representantes do agropecuarista informam que o empresário e a esposa passaram por problemas de saúde até que ele “fosse levado a praticar atos jurídicos complexos, mediante a crença de que seriam favoráveis aos negócios, sobretudo aos seus credores. Esses atos foram praticados sem plena consciência dos entraves legais que os cercavam e sem conhecimento das estratégias que seriam adotadas”.

Os atos, no caso seriam, segundo os advogados, a assinatura, no final de 2020, do “instrumento particular de promessa de aquisição societária das empresas integrantes do Grupo Pupin e outras avenças” pelo qual a haveria, por parte da Fource, a promessa de um aporte de capital no processo de recuperação judicial.

Na prática, de acordo com o documento, previa a venda de 80% do grupo após o fim do processo de recuperação, com a consultoria assumindo a gestão.

A família receberia 20% na futura sociedade empresarial, o direito de uso de benfeitorias e R$ 25 milhões. A Fource assumiria a responsabilidade de obter recursos financeiros para a realização do pagamento das obrigações junto aos credores.

“Foi lavrada procuração para dar os mais amplos, gerais e ilimitados poderes para o ‘fim específico’ de realizar todo e qualquer ato necessário à implementação integral das obrigações previstas no contrato”.

Além de assumir o erro por não ter informado o acordo no processo, o Grupo Pupin acusa a Fource de várias irregularidades, como a cessão de créditos de três safras futuras da agropecuária por cerca de R$ 45 milhões.

“Ativos passaram a ser onerados sem a participação deste Juízo, em afronta não somente à lei, mas também aos próprios instrumentos assinados. O destino dos recursos provenientes das atividades do Grupo Pupin deixou de ser revelado. Os recuperandos foram isolados e perderam acesso a quaisquer informações, impossibilitando-os que também franqueiem informações à administradora judicial e a este Juízo”, relataram

Os advogados citam ainda que a Fource tem como sócios Valdoir Slapak e Haroldo Augusto Filho. A Fource e os dois sócios foram investigados pela Polícia Federal na Operação Sisamnes, que investiga uma rede de favores judiciais com suspeitas de vendas de sentenças em Mato Grosso e até no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Segundo reportagem da edição de novembro da revista Piauí, a polícia encontrou ligação entre o advogado Roberto Zampieri, assassinado em novembro de 2023, a Fource e um casal de advogados mato-grossenses, Andreson e Mirian Gonçalves, que estão em prisão domiciliar por, inicialmente, integrar um esquema de venda de sentenças.

A reportagem informa que há suspeita de que o grupo Fource teria entrado no comércio de sentenças ao operar a recuperação judicial da agropecuária Bom Jesus. O processo é citado como exemplo pelos advogados de Pupin no pedido em que tentaria retomar o controle do grupo. “Quando isso acontece, ganha outra dimensão o processo”, afirmou Novacki.

Em nota enviada ao AgFeed, a Fource Consultoria “repudia veementemente as acusações inverídicas divulgadas pelo Grupo Pupin, com o claro intuito de criar embaraço jurídico e, consequentemente, um calote em todos os credores da RJ que se arrasta há 10 anos”.

Segundo a nota, não cabe à Fource a administração judicial do Grupo Pupin e a medida jurídica “é tentativa infundada de descredibilizar” a atuação da consultoria, pautada pela “legalidade e transparência”, de acordo com o documento.

“Todos os atos praticados pela Fource foram regularmente formalizados e estão devidamente registrados e documentados no processo de Recuperação Judicial, contando sempre com a participação e anuência de toda a família Pupin, assim como de seus assessores financeiros e jurídicos legalmente constituídos até então”, relatou.

Ainda de acordo com a nota, “causa estranheza” que, após quase uma década da recuperação “e somente após a estabilização do processo recuperacional cujo fim se aproxima, surjam alegações sem fundamento com o claro intuito de perpetuar um processo que já causou tantos prejuízos a credores, ao judiciário e a toda a sociedade”.

Na conclusão, a Fource informa que “não aceitará ataques levianos e já tem tomando as medidas cabíveis, interpelando judicialmente para restabelecer a verdade dos fatos” e que “a sociedade agropecuária mato-grossense com certeza saberá identificar a postura de cada um ao longo dos anos, prevalecendo a verdade e a justiça”.

O pedido do Grupo Pupin segue sem decisão judicial e os últimos andamentos do processo foram negativos para a companhia. Na última sexta-feira, 8 de novembro, em uma manifestação com três páginas, o Ministério Público se posicionou contrariamente ao pedido de revogação da procuração dada por Pupin à Fource.

“O Ministério Público manifesta-se pelo indeferimento dos pedidos apresentados pelos Recuperandos, em razão da ausência de previsão legal para a admissão do incidente no contexto da recuperação judicial, sendo incabível a discussão sobre a revogação da procuração outorgada, bem como dos pedidos dela decorrentes”, informa o promotor Marcelo dos Santos Alves Corrêa.

Paralelamente, uma série de pedidos de falência foi feita no processo de recuperação judicial do Grupo Pupin. A maioria foi protocolada por credores com valores pequenos a receber e não tira o sono dos seus representantes, segundo Novacki.

Mas um pedido, em especial, preocupa os advogados do agropecuarista. No último dia 31 de outubro, o governo de Mato Grosso pediu a convolação (conversão) da recuperação judicial em falência.

No pedido, o procurador Yuri Nadaf Borges, cita que a companhia tem uma série de dívidas fiscais com o governo e não aderiu ao programa de refinanciamento, mesmo tendo assinado termo de compromisso para a regularização fiscal.

“O descumprimento das obrigações fiscais e do termo firmado com o Estado demonstram o fracasso do plano de recuperação e a inviabilidade da continuidade da medida, configurando, portanto, causa legal para a convolação da recuperação judicial em falência”, escreveu Borges.

“É um acordo de uma dívida tributária que a Fource faz em nome do Pupin. Só com a suspensão dos contratos e da procuração, com a volta para a gestão, o grupo terá condições de apresentar plano para pagar todos os credores. Hoje ele (Pupin) não tem sequer acesso às contas”, rebateu Novacki.

Resumo

  • Grupo Pupin, em recuperação judicial desde 2017 com dívidas de R$ 2 bilhões, tenta reaver o controle da gestão entregue à Fource Consultoria
  • A defesa de José Pupin acusa a Fource de irregularidades e falta de transparência, enquanto a consultoria nega e classifica as acusações como infundadas
  • O caso se agrava com o pedido de falência feito pelo governo de MT, que alega descumprimento de obrigações fiscais e do plano de RJ