Enquanto o agronegócio discute os impactos da atual onda de recuperações judiciais, um dos maiores imbróglios jurídicos do agronegócio chegou ao fim. O caso é antigo, bem anterior à crise que emoldura os processos atuais, mas ilustra bem a dificuldade de as RJs levarem a um final feliz.
Depois de 10 anos desde o primeiro pedido de recuperação judicial, o Grupo Pupin, do empresário José Pupin (que já foi conhecido como “Rei do Algodão”), faliu.
Na última semana, os credores do processo aprovaram por unanimidade a conversão da RJ em falência. Segundo informações do site Globo Rural, a decisão foi tomada após o grupo analisar um estudo técnico que apontou que as operações do grupo eram inviáveis.
O relatório apontou um passivo estimado em R$ 3,5 bilhões, além de 318 credores com pagamentos em atraso.
A dívida total pode saltar ainda para R$ 5,9 bilhões, se houver a decretação judicial da falência e reversão dos deságios concedidos ao longo da RJ, que foi homologada em 2017 após dificuldades operacionais e de mercado.
Esse levantamento ainda pontuou que o grupo não opera desde 2019 e que já não dispõe mais de infraestrutura de pessoal e de maquinário mínimo para retomar a operação agrícola. Grande parte dos recebíveis ainda está penhorada em execuções de créditos extraconcursais.
Hoje, uma liquidação de ativos a valor de mercado traria R$ 2,89 bilhões, suficiente para pagar os credores extraconcursais, os credores da classe trabalhista e mais de 80% dos credores com garantia real. O restante pode ficar sem o recebimento.
O imbróglio
Tudo começou há pelo menos 10 anos, em 2015, quando o grupo tentou, pela primeira vez, entrar em recuperação judicial, com passivos que somavam pouco mais de R$ 1 bilhão. Um ano antes, contudo, uma outra ação já mostrava que aquele que um dia já havia sido referência na produção da pluma nacional estava em dificuldades.
Em 2014, uma de suas fazendas - que somava uma área com 45 mil hectares no município de Paranatinga (MT) - foi tomada na execução de garantias de um empréstimo de US$ 100 milhões.
No ano seguinte, o primeiro pedido de RJ foi deferido, mas depois suspenso pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), sob a alegação de que só poderiam recorrer ao instrumento empresas com mais de dois anos de inscrição na junta comercial. O processo de RJ foi feito poucos dias após a constituição formal da José Pupin Agropecuária.
Diante do impasse, os credores buscaram formas de receber os valores devidos pelo produtor e, em 2016, outra área sua, com cerca de 3,7 mil hectares na região metropolitana de Cuiabá, foi a leilão, arrematada por R$ 73,5 milhões.
Os capítulos da saga jurídica foram se sucedendo e somente em 2017, atendendo a nova solicitação dos advogados de Pupin, o processo foi redistribuído para a 1ª Vara Cível de Campo Verde, que autorizou a inclusão de todos os débitos existentes no quadro geral de credores.
A decisão deu origem, então, a nova discussão em torno das dívidas contraídas antes da constituição da empresa. Até 2015, Pupin e a esposa, Vera Lúcia, exerciam a atividade agropecuária como pessoa física - o que é permitido por lei e prática comum entre produtores rurais brasileiros. Quase a totalidade do passivo bilionário acumulado por eles vem desse período.
Alguns dos principais credores apresentaram recurso, acatado no TJ-MT, que determinou a exclusão das dívidas anteriores à formalização da empresa. O entendimento foi que o tribuinal desconsiderou o fato de que o patrimônio do empresário individual, como era o caso, se confundia com o patrimônio da empresa em si.
O embate jurídico escalou instâncias até chegar ao STJ, que, em novembro de 2019, acatou a tese dos advogados de Pupin. "O fato de o produtor atuar como pessoa física não significa que ele não seja empresário", afirmou, na ocasião, José Luis Finnochio Junior, sócio da firma.
A vitória não garantiu, entretanto, paz e prosperidade ao produtor. Nos dois anos em que a disputa se arrastou nos tribunais, alguns de seus principais credores conseguiram acessar bens de Pupin através de efeitos suspensivos obtidos dentro do processo de recuperação judicial, que teve seu plano aprovado em novembro de 2018.
Com a aprovação, o que se viu foi uma dificuldade de seguir os cronogramas e os novos financiamentos tomados. Alguns problemas do mercado agrícola em 2023 só aumentaram o bolo da dívida, o que gerou uma série de calotes nos últimos anos.
Só nesse período mais recente, a projeção é que o chamado “endividamento pós-concursal”, trouxe mais de R$ 1 bilhão à dívida inicial.
Em junho de 2024, o AgFeed informou que o grupo propôs alguns aditivos ao plano de recuperação judicial original, que foi aprovado em assembleia de credores. A ideia era justamente adicionar ao plano essa nova dívida.
No edital de convocação estavam nomeados, entre pessoas físicas e grupos empresariais, representantes das diversas etapas do processo produtivo, demonstrando como a inadimplência do produtor rural impactou a cadeia do agronegócio.
Estavam ali, entre outros, bancos (Votorantim, John Deere, Santander, Rabobank, ABC Brasil, Cargilll, BB e Eximbank USA), sementeiras (Girassol Agrícola e Nidera), tradings (Cargill), fabricantes de fertilizantes (Mosaic, ICL) e de defensivos (FMC, Iharabras, Bayer, Arysta, Adama e Syngenta).
Na aprovação do aditivo, o documento cita que houve presença de mais de 90% dos credores, e dentre alguns questionamentos e ressalvas, a proposta de Pupin foi aceita. Essa nova etapa da RJ previa, dentre outras medidas, uma grande desmobilização de ativos para pagar os credores.
Pouco mais de um ano depois, no último dia 31 de outubro, o governo de Mato Grosso pediu a convolação (conversão) da recuperação judicial em falência.
No pedido, o procurador Yuri Nadaf Borges, cita que a companhia tem uma série de dívidas fiscais com o governo e não aderiu ao programa de refinanciamento, mesmo tendo assinado termo de compromisso para a regularização fiscal.
"O descumprimento das obrigações fiscais e do termo firmado com o Estado demonstram o fracasso do plano de recuperação e a inviabilidade da continuidade da medida, configurando, portanto, causa legal para a convolação da recuperação judicial em falência", escreveu Borges.
Resumo
- Credores aprovam por unanimidade a conversão da RJ em falência, com passivo estimado em R$ 3,5 bilhões que pode chegar a R$ 5,9 bilhões
- O Grupo não opera há cinco anos, tem ativos penhorados e só uma liquidação total cobriria extraconcursal, trabalhistas e parte dos garantidos
- Saga jurídica envolveu disputa sobre dívidas anteriores à formalização da empresa, decisões conflitantes em instâncias diversas e novos calotes que ampliaram a dívida em mais de R$ 1 bilhão