Oficialmente, o CEO da Minerva Foods, Fernando Galletti de Queiroz, ainda é cauteloso em cravar, mas a companhia parece ter desistido da compra das três unidades da Marfrig no Uruguai após mais de dois anos entre o anúncio do negócio e o último veto das autoridades locais.
“Vamos falar disso no futuro”, disse o executivo ao ser indagado durante o Minerva Day, evento para investidores realizado pela companhia nesta terça-feira, dia 30 de setembro, em São Paulo (SP), se ainda havia alguma esperança de o negócio ser formalizado.
Na última quinta-feira, dia 25 de setembro, a empresa informou que a autoridade antitruste do Uruguai, a Comisión de Promoción y Defensa de la Competencia (Coprodec), negou pela terceira vez a aprovação da compra das três unidades frigoríficas que pertenciam à Marfrig (hoje MBRF). Segundo a companhia, os acionistas e o mercado seriam informados sobre os desdobramentos futuros.
Nesta terça-feira, o CFO da Minerva Foods, Edison Ticle, foi além e revelou que os R$ 750 milhões em valores atualizados, e que haviam sido reservados para o pagamento dos ativos, serão desmobilizados e utilizados para a desalavancagem da companhia.
“Vamos desmobilizar a escrow - sistema de custódia onde um terceiro guarda fundos ou bens até que os termos de um contrato sejam cumpridos pelas partes - e o dinheiro ficará disponível para a gente. Vamos usar para fazer redução de dívida, recomprar bonds”, disse Ticle durante o Minerva Day.
Segundo ele, o planejamento e os resultados financeiros não mudam nada, já que a companhia não contava com plantas do Uruguai em seus balanços. Ao ser indagado por um analista da Genial Investimentos sobre a relação com a Marfrig após a negociação, que incluiu, com sucesso, outras dez plantas na América do Sul, Ticle rebateu.
“É um assunto que não cabe ser trazido a público. As plantas vieram pior do que esperávamos e não faz sentido abrir e explorar isso. Se for tentar pegar em picuinha, perde o real sentido desse evento. Sempre tivemos um relacionamento ético e a gente espera isso de volta”, afirmou.
Segundo o CFO, o processo de desalavancagem passa também pela venda de ativos, basicamente imóveis que foram incluídos em aquisições e que não fazem mais sentido para a companhia.
Outro possível desinvestimento é na planta biodiesel da Minerva Foods, em Palmeiras de Goiás (GO), que não faz parte do foco da empresa. “Mas é uma unidade de negócio que ainda faz sentido, pois gera Ebitda e retorno sobre capital investido”, ponderou Ticle.
A estimativa, segundo o CFO, é que a companhia consiga arrecadar até R$ 2 bilhões com ativos comercializados no futuro. Com o processo de integração das plantas da Marfrig e a captação de até R$ 3 bilhões para o alongamento de dívidas, a Minerva deve encerrar 2025 com uma alavancagem medida pela dívida líquida versus Ebitda entre 2,5 e 2,8 vezes, ante 3,7 vezes em 2024.
“Vamos crescer 10% organicamente em 2026 sem aquisição. Estamos entrando no período de 3 a 4 anos e voltaremos a ser pagadores importantes de dividendos”, afirmou Ticle.
“Os anos de 2026 e 2027 serão de venda. Não se preocupe com o custo do boi”. O recado final do COO Latam da Minerva Foods, Luiz Ricardo Alves Luz, durante sua apresentação no Minerva Day, resume o clima de otimismo da companhia com a demanda global pela carne bovina.
Nesse cenário, a América do Sul nunca teve tanto espaço e importância no mercado pecuário como agora, tendência que já era vista desde 2024 e que seguirá ao menos nesses próximos dois anos, de acordo com o CEO Fernando Queiroz.
A redução do rebanho dos Estados Unidos e a falta de reposição por causa do abate ainda persistente de fêmeas, a “destruição” do rebanho na Europa, com a migração para outras culturas e a diminuição do plantel na China são os fatores positivos para exportações e que favorecem a região de atuação da companhia.
As importações dos Estados Unidos, por exemplo, devem crescer 30% em 2025, com altas de 91% das compras do Brasil, 42% da Argentina, 45% do Uruguai e mais de 50% do Paraguai. O mercado estadunidense responde em média por 10% de cada um desses mercados. Segundo a Minerva Foods, a maioria dos clientes dos Estados Unidos os procurou para garantir abastecimento em 2026.
“A escolha da Minerva foi estar no lugar do planeta onde há mais vantagem comparativa. A gente bate recordes de exportação mesmo com tarifaço e incertezas”, disse Queiroz durante o Minerva Day, em São Paulo. “A janela de oportunidades seguirá mais importante ainda em 2026 e 2027”.
Um possível concorrente para a América do Sul seria a Austrália, mas o rebanho naquele país é de apenas 26 milhões de cabeças, menor que o abate brasileiro anual em 2024 e 2025, de 40 milhões de cabeças, ou o rebanho total sul-americano, de 350 milhões a 360 milhões de cabeças. No Brasil, o abate de fêmeas também tem crescido, mas a oferta de carne vem com o ganho de produtividade do rebanho.
Segundo Queiroz, o cenário global de volatilidade, ambiguidade e incerteza fazem cada vez mais o dia-a-dia ser atrelado à gestão de risco. “A nossa diversificação geográfica é fundamental com cenários que mudam, com tarifaço, com riscos sanitários e climáticos”, afirmou o CEO da Minerva Foods.
Outro fator de suporte para ser “jogador global”, segundo ele, é a escala, com as operações no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Uruguai. Treze das plantas estão no Brasil, Argentina e Chile e foram adquiridas junto à Marfrig e já completamente incorporadas. Três delas no Uruguai ainda estão em litígio.
“Temos uma captura rápida de sinergia e arbitragem tanto nas origens quanto nos destinos”, afirmou.
Oferta e demanda
Além dos Estados Unidos, que deve seguir firme como comprador e fraco como produtor, nas perspectivas de oferta e demanda o destaque é a China, na avaliação da Minerva Foods.
Na apresentação, o CCO da companhia, Martin Di Giacomo, citou a abertura de quatro escritórios naquele país. Segundo ele, em 2025 o cenário é de queda de 12% na oferta interna de carne no mercado chinês, o que incentiva as importações, principalmente do Brasil, mas limitadas à alta nos preços internos.
Para 2026 e 2027, no entanto, o Brasil deve seguir como o único capaz de fornecer grandes volumes para a China, já que os países da América do Sul devem privilegiar as vendas para os Estados Unidos.
De olho no Brasil
Além das previsões para 2026 e 2027, Luiz Ricardo Alves Luz, COO Latam da Minerva, Foods falou sobre a integração das plantas industriais adquiridas junto à Marfrig, exceto as do Uruguai. Segundo ele, a sinergia gerou uma economia de até 14% nos custos em um ano.
Foram investidos R$ 182 milhões em capex nas plantas adquiridas. Luz destacou as operações no Rio Grande do Sul, com a implantação do abate Kosher em Alegrete, e o aumento desse tipo de abate em São Gabriel.
No Brasil, a Minerva Foods tem elevado o perfil do abate de gado para nichos de mercado e também para produtos premium, que respondem por 40% da demanda, um aumento de 70%. Ainda no País, a companhia tem investido em outros segmentos, como pecados, suínos, empanados, azeite e, recentemente, batatas e vegetais.
“Temos 80 mil pontos de venda no Brasil e 38% da receita vem do e-commerce, com meta de chegar aos 40%. O desafio é replicar para outros mercados”, afirmou o COO da Minerva Foods.
Resumo
- Após veto à compra das plantas da Marfrig no Uruguai, Minerva Foods usará R$ 750 milhões reservados para o negócio na redução de dívidas
- Companhia prevê arrecadar até R$ 2 bilhões com venda de ativos e estima encerrar 2025 com alavancagem entre 2,5 e 2,8 vezes
- Otimista com a demanda global, projeta 2026 e 2027 como período positivo, com América do Sul em posição estratégica para exportações