Casablanca (Marrocos) – As riquezas do Marrocos vão muito além da culinária, dos tapetes de Marrakech ou do deserto do Saara. Do ponto de vista estritamente econômico, um dos destaques do país do Norte da África é a ampla oferta de fósforo, um nutriente essencial para a agricultura no mundo.
Dados recentes apontam que 70% das reservas mundiais conhecidas de fosfato — um recurso estratégico para a produção de fertilizantes – estão em território marroquino. É por isso que a gigante global do setor, a OCP, responde por quase 6% do PIB do país.
A OCP está para o Marrocos mais ou menos como a Petrobras está para o Brasil, pela sua importância econômica e larga presença em diferentes regiões. Trata-se de uma estatal que não se restringe à fabricação de fertilizantes, criou também uma universidade e um ecossistema de inovação, como incentivo a novas tecnologias.
A convite da empresa, o AgFeed visitou algumas das unidades de produção da OCP Nutricorps (unidade de negócios de fertilizantes do grupo OCP) no Marrocos e teve a oportunidade também de conhecer a universidade, chamada de UM6P (Universidade Politécnica Mohammed VI), que possui a “College of Agriculture & Environmental Sciences”, com foco em agricultura e ciências ambientais.
A universidade tem mais de 7 mil alunos (mais que o dobro da Esalq/USP) e cerca de 45 cursos de graduação e pós graduação.
Em todas as conversas e apresentações, o discurso apontou para uma única direção: é preciso acelerar a transição da agricultura global para um modelo cada vez mais sustentável, para atender a demanda crescente por alimentos, respeitando os desafios ambientais.
Neste cenário, a OCP Nutricorps ressaltou que garantir fertilizantes com menor emissão de carbono, por exemplo, é uma das etapas fundamentais, e mostrou um pouco do trabalho que faz por lá.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, Amine Alaoui, Chief Sustainability Officer da OCP Nutricrops, contou que a empresa, há alguns anos, incluiu a sustentabilidade como um pilar central de sua estratégia.
“Estamos em um país com grande potencial solar e eólico e investimos em P&D de longo prazo. Avaliamos todas as nossas emissões de CO₂ e perguntamos: o que podemos fazer para reduzi-las? E temos diferentes ferramentas para isso”, explicou ele.”, explicou.
A primeira frente, segundo ele, é a descarbonização da produção, que está baseada em dois grandes projetos. Um deles é a captura de carbono, onde a empresa busca reduzir emissões nas plantas industriais.
A segunda medida prevê reduzir a dependência da OCP Nutricorps do uso de combustível e gás, usando eletricidade verde.
“Temos um grande potencial solar. Então substituir a eletricidade comum pela eletricidade verde, ou substituir motores a gás e combustível por motores elétricos, nos permite reduzir muito nossa pegada de CO₂”, pontuou.
A empresa também trabalha para integrar amônia verde ao seu processo de produção. “A amônia é um grande emissor. Nitrogênio é um grande emissor. Então produzir amônia a partir de fontes verdes, em vez de petróleo e gás, nos permitiria reduzir significativamente nossas emissões.”
A terceira “alavanca” é produzir fertilizantes de entrada “que permitam ao produtor ao agricultor usar nitrogênio apenas quando necessário”.
Em função disso, a OCP Nutricorps assumiu o compromisso de neutralizar suas emissões para escopos 1 e 2 até 2030 e atingir a neutralidade no escopo 3 em 2040.
Um dos destaques da visita foi o chamado TSP Hub, no porto de Jorf Lasfar, a 120km de Casablanca, a capital financeira do Marrocos. A unidade é considerada um dos maiores complexos industriais de fertilizantes do mundo.
O TSP é o superfosfato triplo, um fertilizante concentrado de fósforo (46% P₂O₅, mais de 90% solúvel em água), que pode ser usado puro ou combinado com outros nutrientes, permitindo criar misturas sob medida para cada agricultor, o que já estaria sendo feito no Brasil, segundo a empresa.
O produto é considerado de baixo carbono, porque utiliza menos amônia, por isso é considerado um dos carros-chefes da OCP Nutricorps para atender a demanda por fertilizantes de menor impacto ambiental.
Um dos primeiros investimentos da empresa nessa transição verde, segundo o executivo, foi na eletricidade. Está sendo feita a substituição por fontes de energia renovável como solar e eólica. É um projeto pensado há mais de 5 anos, mas que foi acelerado durante a pandemia.
“No próximo ano, estaremos completamente independentes da rede elétrica pública. Toda nossa eletricidade será verde, de instalações próprias. Esse marco já foi alcançado. Os próximos virão quando a captura de carbono estiver operando, e quando a amônia verde estiver disponível. Então temos um marco concluído, e os outros chegarão nos anos seguintes”, explicou.
Perguntado se um dia a OCP Nutricorps venderá apenas fertilizantes de baixo carbono, o CSO da companhia respondeu: “Esse é nosso objetivo. Nossa meta de descarbonização envolve vender apenas fertilizantes verdes. Vai depender da demanda dos mercados e de como eles pressionam por isso”.
A modernização das unidades também incluiu a questão do uso da água, já que a região é considerada de muita escassez hídrica. A água agora é 100% dessanilizada ou oriunda de reuso, “não se usa água potável”, esclareceu o diretor.
Assim como já ocorre em outros projetos pelo mundo, a OCP Nutricorps admite que também tem o desafio em relação aos custos dos fertilizantes com menor pegada de carbono.
“Alguns projetos são positivos financeiramente, outros negativos. O mais importante é que o conjunto seja positivo”, afirmou Alaoui.
Ele explicou que o tema se torna ainda mais urgente em função do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism) mecanismo da Europa, que entra em vigor em 2026, impactando os fertilizantes à medida que poderá impor um preço sobre o carbono embutido em fertilizantes importados.
O processo poderá gerar um prêmio para fertilizantes mais sustentáveis ou então um “desconto” para aqueles “não verdes”. Neste cenário, os fabricantes avaliam que haverá demanda pelos fertilizantes verdes, mesmo que eles acabem custando um pouco mais, se comparados aos tradicionais.
“Temos um pipeline grande na Europa. E esperamos que o mundo inteiro siga o mesmo caminho”, disse o diretor.
Fertilizantes verdes e foco na saúde do solo
A OCP Nutricrops deve lançar nos próximos meses itens do portfolio que garantam determinados percentuais de diminuição nas emissões de carbono. A empresa diz ainda não ter números exatos para divulgar sobre quanto seria essa redução.
“Enquanto nossa capacidade não sobe, estamos buscando diferentes soluções para reduzir nossa pegada de CO₂. Compras de amônia verde são uma delas”, afirmou Alaoui.
O AgFeed apurou que a companhia marroquina já está trabalhando num projeto piloto para produzir sua própria amônia verde. Enquanto isso, segue buscando fornecedores externos, uma oferta que ainda é restrita, globalmente.
Segundo Amine Alaoui, o plano é transformar esse piloto atual de pequena escala numa grande unidade de produção no Sul do Marrocos, mais especificamente em Safi, onde estão minas de fosfato que são peça chave para os planos de expansão da OCP Nutricorps.
O projeto de investimentos que engloba o período de 2023 a 2027 prevê aumento da produção de fertilizantes e todos os aportes na transição energética, incluindo amônia verde, captura e sequestro de carbono.
O valor total do investimento é de R$ 13 bilhões. A capacidade de produção de rocha fosfática será elevada de 47,5 milhões para 70 milhões de toneladas. Em fertilizantes, o salto até 2027 será de 14 milhões para 20 milhões de toneladas.
“O terceiro ponto é promover saúde do solo e sequestro de carbono. Porque, se conseguirmos sequestrar CO₂ na nossa cadeia de valor estendida — no nível do agricultor — podemos reduzir nossas emissões líquidas e, ao mesmo tempo, melhorar a saúde do solo”, ponderou o CSO global da OCP Nutricorps.
O executivo diz que ambas as estratégias – produção de fertilizantes verdes e ações com foco na saúde do solo – terão benefícios diretos para os clientes do Brasil.
“São soluções para atender necessidades. Se os agricultores brasileiros têm essa necessidade de descarbonizar, nós temos soluções para isso e as venderemos. De um lado, descarbonizamos nossa produção no Marrocos e onde mais produzirmos. Do outro lado, temos produtos e soluções que atendem agricultores no mundo todo”, ressaltou.
O diretor citou como exemplo o trabalho da startup Tourba, uma iniciativa do ecossistema de inovação INNOVX e subsidiária da UM6P.
“A Tourba tenta fazer duas coisas: reduzir emissões dos agricultores e sequestrar carbono no solo, melhorando a saúde do solo. Eles estão em quatro países: Marrocos, dois países africanos, e querem desenvolver presença no Brasil”, contou.
A Tourba tem uma meta de fazer a conversão em 6 milhões de hectares até 2030 em áreas da África e da América do Sul. No Brasil, a empresa já estaria em fase de contratação de pessoas para ampliar a presença.
Uma das bandeiras da empresa em relação ao Brasil é a melhora no “timing” de aplicação de fertilizantes. Durante a visita, jornalistas convidados assistiram uma palestra do diretor científico da OCP Nutricrops, um brasileiro, que agora mora no Marrocos, Leonardus Vergütz.
Ele mostrou dados sobre a alta deficiência de fósforo nos solos tropicais, inclusive no Brasil, e defendeu que a aplicação de cada nutriente deve ser feita na dose certa e na hora certa, do contrário, não estaria atingindo a efetividade necessária.
O Brasil e os biológicos
Quando se refere ao Brasil, o diretor da OCP Nutricrops acredita que a prioridade deve ser trabalhar a saúde do solo. Na visão da empresa, ainda há muitos solos degradados que podem ser melhorados com a ajuda de fertilizantes cada vez mais “customizados” para cada cultura e região.
“É preciso combinar as duas coisas: fertilizantes mais eficientes (com menor emissão de carbono) e boas práticas agronômicas (que sequestrem carbono no solo)”, defendeu.
A tendência crescente por maior adoção de insumos biológicos na agricultura, especialmente no Brasil, um país tropical, também está no radar da gigante marroquina, que, até pouco tempo, se restringia aos fertilizantes tradicionais.
“Biológicos não são o nosso principal negócio, mas vemos que há uma tendência de crescimento na área”, admitiu Alaoui.
Segundo ele, a OCP Nutricorps tem uma startup que está incubada no ecossistema do grupo chamada Agribiotech. A unidade de negócio já está produzindo um conjunto de produtos baseados em biológicos, entre eles estão soluções com algas, que busam mecanismos de fixação de nitrogênio.
“Estamos tentando fazê-los crescer e também integrar os produtos deles aos nossos. Sei que temos alguns projetos de P&D, para testar alguns agentes biológicos em combinação com nossos produtos”, revelou o CSO, ao AgFeed.
Ele garante que o trabalho está em andamento, mas que ainda não há oferta de produtos em larga escala.
Na conversa com Amine Alaoui, mencionamos que outros grandes players de fertilizantes tradicionais, como Mosaic e Yara, estão criando áreas específicas para trabalhar com biológicos. Por isso, perguntamos se esse pilar também deverá crescer na OCP Nutricorps. A resposta foi:
“Absolutamente. Há tecnologias que precisam ser desenvolvidas. É um setor enorme. O controle biológico de infestações, por exemplo, precisa ser desenvolvido. E então, mais cedo ou mais tarde, isso terá que existir em todas as produtoras de fertilizantes”.
No caso da OCP Nutricorps, o foco maior deve ser a própria Agribiotech, porém há projetos de pesquisa com parceiros que poderão levar ao desenvolvimento de uma planta de biológicos, disse o executivo, sem dar maiores detalhes. As discussões já estariam envolvendo centros de pesquisa do Brasil, para que produtos biológicos sejam integrados aos itens do portfolio da companhia, futuramente.
Resumo
- A estatal marroquina OCP acelera uma estratégia global de descarbonização com amônia verde, captura de carbono, energia renovável e produtos de baixa emissão.
- O plano de US$ 13 bilhões até 2027 amplia a produção de fosfatos e fertilizantes, investe em saúde do solo e mira atender a demanda do Brasil por soluções sustentáveis
- Iniciativas como a startup Tourba e a Agribiotech mostram que biológicos e manejo regenerativo entram no radar da OCP, com projetos já conectados ao mercado brasileiro