Enquanto muitas empresas aceleram demais ao ganhar mercado, a São Salvador Alimentos, companhia de aves e alimentos processados de Goiás, escolheu um caminho diferente: “A gente diz assim: ‘vamos devagar que temos pressa, porque a gente não quer capotar lá na frente’”, resume Hugo Perillo, CEO da empresa, ao AgFeed.
Crescendo a uma média de 18% ao ano na última década, a empresa construiu sua trajetória de expansão sobre uma estratégia assumidamente conservadora e é frequentemente vista no mercado como uma forte candidata à abertura de capital, embora hoje Perillo garanta que não o seu caminho, nesse momento, não tem como destino um possível IPOs no mercado de ações.
Devagar, mas com pressa, a companhia conseguiu ampliar seu faturamento de forma contínua nos últimos anos, passando de R$ 3,2 bilhões em 2023 para R$ 3,9 bilhões em 2024, crescimento de 22% em um ano.
Já com as demonstrações financeiras públicas e auditadas, a São Salvador exibe números vistosos e projeta manter a velocidade, com um ritmo de crescimento que a leve aos R$ 4,5 bilhões este ano, sem abrir mãos das boas margens operacionais.
O Ebtida ajustado (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), por exemplo, foi de R$ 811,6 milhões em 2024, ante R$ 362,9 milhões em 2023.
A margem Ebtida, por sua vez, também subiu, passando de 12,1% para 22,2% em 2024 – mais alta, inclusive, que a da concorrente BRF, líder do segmento, que foi de 17,1% no mesmo período.
O lucro líquido da São Salvador passou de R$ 180 milhões em 2023 para R$ 435,8 milhões no ano passado.
No ano passado, a expansão dos resultados da São Salvador foi influenciada positivamente pelo bom momento do setor, que viu os preços do frango congelado chegarem ao maior nível em dois anos desde o fim do ano passado, ultrapassando a faixa de R$ 8, segundo dados da Cepea/USP.
“2024 foi o melhor ano da avicultura nacional. Tivemos a combinação de escala de preços e commodities em preços razoáveis. Com o preço muito acima do que a gente esperava, também houve escassez de ovos e pintinhos no ano passado e isso puxou o mercado pra cima”, afirma Perillo.
O cenário internacional também favoreceu os ganhos da companhia no período recente – um terço da receita da São Salvador é oriunda da exportação de produtos, enviados somente no ano passado para mais de 50 países. O restante fica no Brasil, principalmente na região Centro-Oeste, com destaque para Goiás.
“A gripe aviária nos Estados Unidos e no restante do mundo enxugou um pouco a produção mundial. Além disso, com a economia mais fraca, os americanos fizeram um ‘downgrade’ de carne vermelha para o frango – e isso puxou para cima o preço do frango no mercado local”, diz Perillo.
Como os desafios do mercado internacional continuam neste ano e os preços do frango seguem altos, a expectativa do CEO da empresa é de que o desempenho de 2025 seja semelhante ao do ano passado, ainda que com alguns desafios no meio do caminho, principalmente relacionados ao preço do milho, que chegou a bater R$ 90 em março, maior preço desde 2022.
Assim como o farelo de soja, o milho é relevante dentro da base de custos da companhia.
“O milho subiu de uma maneira inesperada. Não esperávamos essa alta. Já a soja está num patamar confortável e razoável”, afirma Perillo.
Para este ano, a São Salvador projeta um capex de R$ 370 milhões, volume 25% superior ao realizado no ano passado, que foi de R$ 296 milhões.
A ideia é fazer aportes diversos na melhoria de processos de suas plantas localizadas em Nova Veneza (GO) e Itaberaí (GO), onde fica a sede da companhia.
Juntas, as duas unidades chegaram a uma média diária de abate de 469 mil aves por dia somente no ano passado.
A companhia está fazendo um investimento de R$ 100 milhões para ampliar o abate de sua planta de Nova Veneza, passando de 140 mil aves por dia para 180 mil aves por dia, e qualificando a área de corte e desossa na unidade.
Além de contar com uma nova sala especificamente para esses processos, entre junho e julho deste ano o frigorífico vai interromper momentaneamente sua produção por alguns momentos para a entrada de novas máquinas para automatizá-los. “Isso vai dar condição de cortarmos mais frango e também desossar mais”, afirma Perillo.
Sem IPO, por enquanto
Empresa familiar de capital fechado, a São Salvador se comporta de forma semelhante à uma companhia de capital aberto: apresenta suas demonstrações financeiras, que são auditadas pela KPMG, em sua página na internet, e também mantêm políticas de governança corporativa.
No começo de 2021, a empresa chegou a protocolar um pedido de IPO na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em um momento em que várias empresas buscavam o mercado de capitais na tentativa de aproveitar um momento de taxa Selic baixa – que chegou a atingir irrisórios 2% em agosto de 2020.
Meses depois, a companhia voltou atrás e cancelou o pedido diante de dificuldades do cenário macroeconômico e dos preços.
“Veio a segunda onda da pandemia, os preços dos grãos subiram bastante e o mercado de capitais deu uma retraída, tanto é que praticamente não teve IPOs no Brasil desde então”, afirmou.
No momento, a São Salvador não pretende tentar outra vez um IPO. “Não está nos nossos planos atuais, até porque a geração de caixa da empresa está boa e temos uma dívida controlada.”
De qualquer forma, Perillo avalia que o processo de adequação às regras do Novo Mercado foi útil. “Deu as bases para a gente buscar o mercado de dívidas”, diz o CEO da companhia.
Desde 2021, a São Salvador fez três emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A mais recente delas foi de R$ 330 milhões, sob coordenação-líder do banco BTG Pactual e securitização da Ecoagro.
Mesmo sem o IPO, a companhia segue estruturando planos de sucessão e governança familiar.
A São Salvador foi fundada oficialmente em 1991 por Carlos Vieira e José Garrote, genro de Vieira e pai do atual presidente, Hugo Perillo.
Mas a família já atuava na avicultura desde antes de a São Salvador existir, ainda na década de 1970, com um aviário.
“Meu avô materno iniciou com granja de frango de corte, criação independente, comprava pintinho e engordava para revender para os frigoríficos de Goiás. Na década de 1980, meu pai virou sócio do meu avô, seguindo o mesmo modelo de negócio”, contra Perillo.
Nos anos 1980, os dois resolveram montar um frigorífico na cidade de Itaberaí, que foi inaugurado em 1991, dando origem à atual empresa. Na ocasião, também surgiu a marca SuperFrango, de frangos in natura.
Em seu ritmo conservador, o então Abatedouro São Salvador foi crescendo de passo em passo – nessa época, a empresa 17,4%.
Primeiro, em 1997, implantou uma fábrica de rações. Três anos depois, em 2000, adquiriu armazéns de grãos para estocar milho. Ao longo daquela década, passou a exportar sua produção e, em 2008, inaugurou um incubatório.
Mirando ser mais que um aviário, passou a se chamar São Salvador Alimentos, em 2012, e também começou a fabricar alimentos processados, sob a marca Boua.
Em 2018, a companhia comprou a planta de Nova Veneza, inaugurada em 2020. Logo após, em 2021, a São Salvador passou a fabricar parte de seus processados em uma planta própria.
“A gente sempre fez o nosso crescimento com muito pé no chão. Nada na loucura. Passava a conhecer parte do processo e ia para o outro”, diz Perillo.
O crescimento foi ancorado especialmente a partir da liderança de José Garrote, que ocupou a presidência da empresa até 2020, quando cedeu lugar ao filho, Hugo, e passou a dirigir o Conselho de Administração.
Perillo diz que o trabalho em curso agora reside em mudar a mentalidade da família, de que não são herdeiros da São Salvador. “Ninguém é dono de nada, seremos sócios no futuro”, afirma. “A empresa tem dois donos. No futuro, vai entrar um novo bloco de acionistas: eu e minhas irmãs. A gente tem que organizar a casa agora.”
Resumo
- Empresa goiana tem crescido a uma média de 18% ao ano na última década
- Em 2021, São Slavador chegou a protocolar pedido de IPO, mas cancelou após virada do clima do mercado
- Para 2025, empresa prevê aportes de R$ 370 milhões, 25% a mais que no ano passado