Era junho de 2022 quando a fábrica recém-inaugurada da Rio Pardo Proteína Vegetal (RPPV), localizada em Sidrolândia (MS), finalmente atingiu sua capacidade plena.
Era o melhor mês da curta história da companhia, que havia investido quase 15 anos em pesquisa para desenvolver uma tecnologia própria de processamento de soja.
A Rio Pardo só não contava com as notícias que vinham do outro lado do planeta. Junto da inauguração da planta em fevereiro, a guerra entre Rússia e Ucrânia estourou. Com isso, o preço do frete marítimo que rodava abaixo de US$ 1 mil por container saltou para US$ 7 mil.
“Nossos clientes, praticamente todos de exportação, não suportavam o custo. A maioria cancelou e nós tivemos que, para não parar a fábrica, negociar onde enviamos, assumindo o custo do frete absurdo e sabendo que estávamos vendendo com prejuízo. Na época, imaginávamos que aquilo ia se resolver em poucos meses”, conta Osvaldo Aguiar, CEO da RPPV,em entrevista exclusiva ao AgFeed. O problema é que isso não aconteceu.
A Rio Pardo é uma processadora de soja especializada na produção de SPC (soy protein concentrate), ingrediente essencial para a nutrição de animais como gado, leitões, pintinhos e peixes. No Brasil, concorre num mercado que conta com players como CJ Selecta (a maior do ramo) e a Caramuru.
A companhia aposta em um método diferente do tradicional, que demanda duas passagens para atingir 60% de concentração proteica. Sua tecnologia própria necessita apenas um ciclo industrial, reduzindo custos energéticos, diminuindo o uso de caldeiras e ainda permite cobrar um prêmio sobre o preço.
Mesmo com um produto premium, a situação insustentável nos custos fez com que a empresa entrasse em recuperação judicial ao final de 2023, num processo de dívidas que somavam R$ 160 milhões.
Agora, ao olhar o mesmo mês de abril, só que em 2025, a situação da Rio Pardo é diferente. A empresa passou a gerar caixa e operar no positivo, ao mesmo tempo em que se prepara para reforçar sua unidade fabril.
A fábrica piloto em Sidrolândia (MS), que processa 160 toneladas por dia, será ampliada para 600 toneladas no mesmo site. Para isso, a empresa está captando R$ 300 milhões no mercado.
A assessoria da operação está a cargo da One Partners, boutique criada por Bernardo Parnes, ex-vice-presidente do Citi e ex-CEO do Merrill Lynch e Deutsche Bank na América Latina.
A casa já atuou na reestruturação da Uisa, antiga Usina Itamarati, em renegociações de R$ 3,2 bilhões, e assessorou a venda da Fertilizantes Heringer para a Eurochem por R$ 555 milhões.
O projeto da Rio Pardo nasceu por volta de 2007, no advento do biodiesel, quando Aguiar buscava novas aplicações para a soja. Alguns anos depois, ele se uniu ao conhecido empresário do setor da tecnologia Miguel Abuhab, fundador da Datasul e da Neogrid, para investir em uma inovação capaz de transformar o processamento do grão.
“Eu vinha do mundo do software, onde uma inovação muda com uma linha de código. No agro, qualquer alteração leva seis meses e milhões de reais. Foi um desafio de 14 anos”, diz Abuhab.
Da RJ para cá, muita coisa mudou. Do total de R$ 160 milhões renegociados, dois terços já foram quitados com apoio dos avalistas, segundo Aguiar. O saldo de cerca de R$ 60 milhões segue acordado com os credores.
E essa melhora nos números veio acompanhada de um tripé operacional e comercial. A empresa acelerou uma agenda de desenvolvimento de novos produtos, diversificação geográfica e certificações científicas que comprovassem a eficácia do SPC fabricado em Sidrolândia.
“Pouco antes da RJ já estávamos trabalhando em projetos científicos para comprovar que o produto era diferente”, lembra Aguiar. Nesse caminho, testes realizados por institutos no Chile mostraram ganhos significativos no desempenho de salmões, enquanto, no Brasil, a Unesp validou os efeitos em pintinhos.
“Tudo isso se somou. E vimos que poderíamos não só recuperar clientes perdidos, mas mostrar que entregamos algo melhor do que o mercado está acostumado a usar”, acrescentou o CEO.
Além do SPC tradicional, a empresa desenvolveu um pó ainda mais fino que pode substituir o leite materno na alimentação de animais jovens.
Segundo os sócios, isso abriu espaço em nichos de maior valor agregado e hoje a companhia exporta para uma companhia produtora de vitelos na Itália.
Ao mesmo tempo, para fugir do frete marítimo estressado, a companhia aproveitou para reposicionar sua base doméstica. Antes, o mercado interno respondia por apenas 30% das vendas. Hoje, o mix está mais equilibrado, com 55% ficando no Brasil.
“Atendemos praticamente todos os grandes produtores de suínos do país como JBS, Seara, BRF e Aurora Coop. Só em leitões, respondemos por 60% do consumo de SPC no Brasil”, detalha Aguiar.
Fora do País, a empresa atua com mais força na Europa, Ásia (ainda sem China) e na América do Sul.
Essa combinação de renegociação de dívidas, ciência para validar o diferencial do produto, novos clientes internacionais e reforço no mercado doméstico permitiu a Rio Pardo voltar a gerar caixa já no ano passado.
“Em 2024 ficamos praticamente no zero a zero. Agora, em 2025, projetamos receita líquida de R$ 150 milhões e Ebitda de R$ 10 milhões”, diz o CEO.
A opção por uma ampliação e não uma nova construção se dá por um motivo geográfico. Segundo os sócios, a região de Sidrolândia possui, num raio de 90 quilômetros, cerca de 1 milhão de hectares de soja plantada.
A nova planta deve levar de 12 a 14 meses para ser concluída. Quando estiver pronta, a projeção de Osvaldo Aguiar é que a empresa atinja um faturamento anual entre R$ 800 milhões e R$ 850 milhões, com Ebitda de R$ 140 milhões a R$ 150 milhões.
Novos horizontes
Enquanto trabalha na expansão da casa, a Rio Pardo Proteína Vegetal já conversa com clientes estratégicos. Com o frete normalizado, a empresa começa a mirar um dos maiores mercados do mundo: a China.
Abuhab e Aguiar contam que, nos últimos meses, a empresa recebeu uma comitiva de 20 chineses, que demonstraram muito interesse em adquirir os produtos da RPPV.
“A questão é que o volume que eles querem é muito maior do que podemos atender hoje”, diz Abuhab.
Além disso, para exportar ao país asiático ainda é necessário obter licenças governamentais, processo que deve levar de seis meses a um ano. Do lado positivo, se tudo ocorrer como planejado, a empresa pode passar por outra expansão além da planejada.
“Se eles realmente quiserem o produto, a ampliação para 600 toneladas por dia não será suficiente. Mas, nesse caso, eles devem investir junto para viabilizar outra planta”, contou Abuhab.
Outro mercado que a empresa está de olho é na indústria de salmão no Chile, a segunda maior do mundo e que, nos cálculos dos sócios, consome 120 mil toneladas anuais de SPC.
“Não temos volume hoje para ofertar, mas sabemos que é uma oportunidade gigantesca. Já fornecemos para aquicultura na Turquia, por exemplo”, exemplifica Aguiar.
Resumo
- Após pedir RJ em 2023, RPPV quitou dois terços das dívidas e voltou a operar no positivo, com previsão de R$ 150 milhões de receita e Ebitda de R$ 10 milhões em 2025
- Empresa produz SPC com tecnologia própria e hoje atende empresas como JBS, BRF, Aurora e exporta para mais de 20 países
- Captação de R$ 300 milhões será usada na ampliação de planta de Sidrolândia (MS) e negociações com China e Chile podem viabilizar outra expansão