A Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro pelo Governo Federal, era aguardada com expectativa pelo setor de biocombustíveis e promete gerar um efeito colateral positivo no interior do Brasil nos próximos anos.

Trata-se de um crescimento da quantidade de fábricas de esmagamento em diferentes regiões do País, impulsionadas pela previsão de aumento da mistura de biodiesel ao diesel.

Nos últimos anos, diversos projetos de esmagadoras têm surgido. Considerando os projetos previstos para entrar em operação entre 2025 e 2027, estima-se que serão investidos pelo menos R$ 6,7 bilhões em novas estruturas industriais, de acordo com um levantamento do AgFeed, que inclui tanto projetos ainda em fase de planejamento quanto aqueles em construção.

Os projetos são feitos em sua maioria por cooperativas e se concentram na região Sul, que hoje tem uma fatia de 35,3% de todo o volume de processamento de soja no Brasil, atrás apenas do Centro-Oeste, com 43,8% do total, conforme dados da Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove).

Somente no Paraná, são ao menos três projetos. Em volume de investimento e capacidade de produção prevista, o maior deles é o do Grupo Potencial, produtor e distribuidor de combustíveis, que vai construir uma esmagadora de soja com a intenção de produzir biodiesel.

A ideia do Potencial é levantar uma estrutura de esmagamento na Lapa, cidade na região metropolitana da capital paranaense, Curitiba, com capacidade inicial de esmagar até 3,5 mil toneladas de soja por dia em um primeiro momento, com a intenção de inaugurá-la em julho de 2026.

O grupo projeta ainda fazer uma ampliação da estrutura em uma segunda etapa, ampliando a capacidade para 7 mil toneladas por dia. Somando as duas fases, o investimento total seria de R$ 2,5 bilhões.

A companhia aposta no aumento da demanda vinda com o projeto do Combustível do Futuro, segundo disse o vice-presidente de Operações do Grupo Potencial, Carlos Eduardo Hammerschmidt, ao AgFeed, em maio do ano passado.

Em Maringá, no Norte do Paraná, a Cocamar, uma das maiores cooperativas do Estado, se prepara para aportar R$ 750 milhões em uma nova unidade de esmagamento de soja.

A capacidade de esmagamento dessa unidade será de 5 mil toneladas de grãos por dia, volume que poderá ser ampliado para 7,5 mil toneladas no futuro.

Quando estiver em operação, a unidade vai ampliar a capacidade de processamento de farelo de soja dos atuais 740 mil para 1,8 milhão por ano, e também ampliar a produção de óleo de soja de 200 mil para 500 mil.

A Cocamar se interessou pelo investimento após registrar um aumento do volume de recebimento de grãos registrado pela cooperativa nos últimos anos.

“Em 2023, nós recebemos 2,3 milhões de toneladas de soja e a gente só esmagou 1 milhão de toneladas. A maior parte da nossa soja hoje está sendo comercializada in natura e esse não é o nosso propósito”, afirmou José Cícero Aderaldo, o Zico, vice-presidente executivo da Cocamar, ao AgFeed há pouco mais de um mês.

No Sudoeste paranaense, outra cooperativa, a Coopertradição, também tem um projeto de uma esmagadora de soja. Anunciada em 2023, a estrutura está em obras e tem entrada de operação prevista para março de 2026, com capacidade total de processamento de 3 mil toneladas de grãos por dia.

O investimento total é de R$ 700 milhões. Além da esmagadora, a companhia também ergueu dois novos silos no complexo industrial, que foi financiado por bancos públicos como BNDES e BRDE, instituição de fomento da região Sul, e pela Finep, órgão de fomento à inovação do governo federal.

No Rio Grande do Sul, a Cotrijal, maior cooperativa do Estado, sediada em Não-Me-Toque, decidiu se unir no segundo semestre de 2024 a outras duas, Cotrisal, de Sarandi, e Cotripal, de Panambi, para levantar uma indústria de extração de óleo de soja que vai se chamar Soli3.

O investimento no projeto vai custar entre R$ 700 milhões a R$ 900 milhões às cooperativas e as obras devem começar já ao longo deste ano, com prazo de conclusão previsto em 24 meses a partir do começo da obra, cujo município de instalação ainda está para ser definido.

A Cotrijal teria capacidade de suprir sozinha a necessidade de matéria-prima exigida pela indústria, mas decidiu apostar na união de forças com outras cooperativas.

“Para crescer e fortalecer o cooperativismo, entendemos que se fizermos uma união de cooperativas, podemos desenvolver outros projetos em conjunto no futuro”, afirmou Nei Cesar Mânica, presidente-executivo da Cotrijal.

Empresas também anunciaram projetos, como a Vaccaro, distribuidora de insumos com 28 filiais, que está investindo R$ 100 milhões na construção de uma esmagadora em Erechim, prevista para entrar em operação em 2025.

A Fuga Couros, companhia de curtumes, agropecuária e biodiesel, sediada na cidade de Marau, por sua vez, anunciou em 2023 a instalação de uma unidade industrial em Camargo (RS), município próximo à base da empresa.

O investimento previsto era de R$ 350 milhões no projeto, com capacidade para processar 2 mil toneladas de grãos por dia e deve começar a operar ainda neste ano.

No Centro-Oeste, a Comigo, maior cooperativa de Goiás, anunciou em abril do ano passado um investimento de R$ 1,3 bilhão na construção de uma nova esmagadora de soja, em Palmeiras de Goiás (GO), com prazo de conclusão até o fim de 2025.

A unidade industrial terá capacidade de processar até 5 mil toneladas de grão por dia, aproveitando a oferta de soja excedente na cooperativa.

“Hoje, nós recebemos um volume de soja que corresponde a mais que o dobro do que podemos esmagar. E muitas vezes esse produto acaba perdendo valor”, disse o presidente executivo da Comigo, Dourivan Cruvinel, ao AgFeed.

No Mato Grosso do Sul, a Cooperativa Agrícola Sul-Mato-Grossense (Copasul) vai investir R$ 1,013 bilhão nos próximos anos em uma esmagadora em Naviraí, ao lado da BR-163, com início de operação previsto para março de 2027.

“A nova indústria é um marco na expansão da cooperativa e acompanha a estratégia de agregar valor à produção agrícola da região", disse o presidente do conselho de administração da Copasul, Gervasio Kamitani, ao site Campo Grande News.

Também há um projeto na região Norte, que tem a menor participação de capacidade de processamento de soja no País.

Em Paragominas, na divisa do Pará com o Maranhão, a Juparanã, empresa de produção e venda de grãos, que está construindo uma esmagadora com capacidade de processar 3 mil toneladas de soja por dia, resultando na produção de 2.200 toneladas de farelo e 600 toneladas de óleo de soja.

A intenção da Juparanã é que a unidade comece a operar no início de 2026. A companhia não revelou o investimento feito para erguer a planta.

Combustível do Futuro

O ano de 2025 promete ser de crescimento não apenas na quantidade de esmagadoras em construção, como também do próprio volume de produção em si, a julgar pelos dados projetados pela Abiove.

A associação estima, no momento, que em 2025 deve haver um crescimento de 0,9% no processamento de soja neste ano, com o volume atingindo 57,5 milhões de toneladas, maior do que o montante previsto para 2024, de 55,4 milhões de toneladas.

A produção dos coprodutos do processamento, o óleo de soja e o farelo, também devem crescer em 2025, de acordo com as projeções da Abiove.

A quantidade de óleo produzido deve passar de 11,1 milhões de toneladas em 2024 para 11,45 milhões de toneladas em 2025. No mesmo período, a fabricação de farelo deve subir de 42,8 milhões de toneladas para 44,1 milhões de toneladas.

Para Daniel Furlan Amaral, diretor de Economia e Assuntos Regulatórios da Abiove, a quantidade de novos anúncios de esmagadoras – e de um eventual aumento na produção – está relacionada à demanda “contratada” pela lei do Combustível do Futuro.

Uma da vitrines da política de descarbonização e transição energética do governo Lula, a lei amplia a mistura de biodiesel ao diesel subindo um ponto percentual a partir deste ano, chegando a 20% em 2030 e podendo subir a 25% em 2025.

“A gente estimava que só o Capex para atender a essa demanda, somando esmagadoras, usinas de biodiesel, chegava ao redor de US$ 10 bilhões. O que a gente está vendo que está acontecendo agora, está completamente em linha com aquilo que imaginávamos já há um ano atrás”, afirma.

Segundo dados da Abiove, a capacidade de processamento geral da soja brasileira era de aproximadamente 72,3 milhões de toneladas por dia, com ociosidade total de 24,6% dessa capacidade, com 18,1% englobando as fábricas ativas e 6,5% referente ao número de estruturas paradas.

A associação contava que existiam pelo país 132 unidades industriais no total, sendo que 113 estavam ativas no momento da publicação da pesquisa, que foi divulgada em setembro de 2024, e 19 estavam paradas ou ainda em construção

Uma tendência apontada pela Abiove é a crescente presença de usinas de biodiesel e refinarias que complementam o esmagamento de oleaginosas. Das 67 empresas, 23 possuíam usinas de biodiesel em anexo e outras oito tinham refinarias para a produção de alimentos.

Enilson Nogueira, analista da consultoria Céleres, destaca que a tendência de diminuição da capacidade ociosa das esmagadoras já vinha se acelerando no período recente.

“Historicamente, o esmagamento de soja no Brasil trabalha com uma capacidade ociosa entre 30% e 35%, que é a taxa basal de ociosidade. Nos últimos anos, contudo, principalmente com o crescimento ali da demanda por óleo de soja para produção do biodiesel, houve um aumento dessa taxa de utilização”, afirma.

O fato de a lei do Combustível do Futuro prever um aumento contínuo de mistura de biodiesel à gasolina até o fim da década é um fator que ajuda a potencializar novos projetos ou mesmo a expansão ou reativação de estruturas já existentes.

“A continuidade da regra é muito clara, vai aumentando um ponto percentual até 2030. Isso acaba gerando um incentivo para produção de biodiesel, que por sua vez puxa o óleo de soja, que por sua vez puxa o esmagamento”, diz Nogueira.

Para o analista da Céleres, grande parte da discussão sobre as esmagadoras está ligada aos biocombustíveis, mas não se restringe apenas ao biodiesel. "A possível demanda envolvendo a produção de SAF [combustível sustentável de aviação] e HVO [diesel verde] no futuro também é um ponto a favor de processadores de óleo de soja e outras oleaginosas."

Não há um motivo claro para o fato de as cooperativas estarem liderando a quantidade de projetos na avaliação de Daniel Furlan Amaral, da Abiove.

Já Nogueira, da Céleres, avalia que as cooperativas estão um passo à frente nesses projetos por receberem muitos grãos.

“Eles não têm sempre como destinar todo o grão que recebem, e no fim do dia, a cooperativa precisa reverter em ganhos para o cooperado.”

O analista destaca que a região Sul concentra um maior número de projetos devido à demanda local já prevista para o diesel, o que torna a equação econômica mais viável.

"A força da pujança do Sul, que consome mais diesel, é um fator atrativo para a instalação das esmagadoras próximas às usinas de biodiesel ou, em alguns casos, até ao lado delas", explica Nogueira.

Um outro ponto mencionado por Amaral, da Abiove, é o fato de que os estoques de soja do país permitem um processamento maior se o mercado demandar por isso.

“Olhando o estoque final de soja que a gente está projetando, que é de 8,955 milhões de toneladas, isso significa que nós temos todo esse volume de soja para fazer passagem de entressafra de 2025 para 2026. A gente já chegou a trabalhar com estoques bem mais baixos, 3 milhões, 4 milhões”, afirma.

“Então, nós temos uma previsão de que o estoque vai ser suficiente, não apenas para fazer a entressafra, também caso o Brasil queira ampliar o esmagamento.”

Farelo tipo exportação

Apesar do crescimento da demanda interna por biodiesel, o Brasil não deixará de ser também um exportador dos coprodutos derivados do esmagamento da soja, na avaliação de Daniel Furlan Amaral, da Abiove.

A associação projeta um volume de exportação de cerca de 1,1 milhão de toneladas de óleo de soja neste ano.

“Temos fábricas vocacionadas para exportação, uma logística estruturada e um mercado internacional a ser trabalhado. A expansão da demanda por biodiesel, HVO e SAF no futuro fortalece ainda mais essa cadeia produtiva”, ressalta Amaral.

Ele enfatiza também as possibilidades que o crescimento de fábricas de esmagamento traz para as exportações de farelo de soja, o outro coproduto do processamento de soja.

A Abiove espera um aumento de 3,1% no volume exportado de farelo neste ano, passando para 23,6 milhões de toneladas embarcadas, após 23,14 milhões de toneladas em 2024.

Ele lembra que a quantidade de farelo presente nas oleaginosas é maior do que a de óleo, favorecendo um aumento no volume de exportação.

“Se a gente for pensar, cada tonelada de soja tem 80% de farelo, então a gente vai ter muito mais proteína vegetal no mercado do que óleo vegetal”, diz Amaral.

O diretor da Abiove salienta também que o Brasil poderá sustentar uma demanda ainda maior por farelo à frente já existente no mercado para alimentação animal, que vem crescendo.

O Brasil é o segundo maior exportador de farelo de soja no mundo, superado apenas pela Argentina – que recuperou a liderança no ano passado, após uma forte seca na safra 2022/2023 ter deixado o país atrás do Brasil.

De acordo com dados do governo federal, o grande mercado do farelo brasileiro continua sendo a União Europeia, que somente no ano passado comprou US$ 4,2 bilhões em farelo, seguido por Indonésia (US$ 1,6 bilhão) e Tailândia (US$ 1,15 bilhão). A Ásia tem ajudado a incrementar as exportações do produto.

“O mercado internacional precisa cada vez mais intensificar a produção de aves e suínos e o farelo ajuda nessa conta”, diz Amaral.

No lado do mercado interno, Amaral salienta ainda que a produção do biodiesel, além de provocar um aumento de esmagadoras em si, também fomenta uma nova demanda para o óleo de soja.

“O mercado de óleo e de soja para fins alimentícios já está praticamente estagnado. As pessoas não estão mais aumentando o consumo per capita. Pelo contrário, se você olhar o consumo per capita na pesquisa de orçamentos familiares do IBGE, você vai ver que o consumo per capita em quilo por habitante está caindo”, diz Amaral.