Brasília (DF) - Quem chegou ao seminário Desafio do Transporte Ferroviário e Competitividade do Setor Produtivo, na manhã desta terça-feira, 5 de agosto, em Brasília (DF), foi orientado a entrar por um portão lateral da sede da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), onde o evento foi realizado.

O motivo: um protesto de dezenas de representantes dos povos originários contrários à construção do Ferrogrão, ferrovia idealizada há mais de uma década para ligar Sinop (MT) aos terminais de Miritituba (PA), com custo estimado em R$ 25 bilhões.

A manifestação mostrava o temor de que a obra passe por aldeias e amplie o desmatamento na região na fronteira agrícola que avança sobre o bioma amazônico. Alheia ao protesto, a ferrovia foi a principal pauta de discussões no seminário da sede da CNA.

Após mais de uma década de projetos e polêmicas, o projeto do Ferrogrão já tem um cronograma adequado ao novo trajeto e “110% sustentável”. É o que garantiu o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Guilherme Sampaio.

O cronograma prevê, de acordo com ele, enviar o projeto ao Tribunal de Contas da União (TCU) no último trimestre deste ano, provavelmente entre outubro e novembro. Na avaliação da ANTT, o TCU deve liberar a avaliação dos estudos no primeiro trimestre de 2026 para que o edital das obras seja publicado e o leilão seja realizado.

Segundo Sampaio, com o novo trajeto o Ferrogrão “é um projeto 110% sustentável, respeitando os povos originários e o meio ambiente”.

“A ferrovia, por si só, já é mais sustentável do que outros modos de transporte. E, neste caso específico, temos que cuidar de todos os atores envolvidos, de respeitar todas as questões de povos originários e também compensar eventuais efeitos que a abertura possa existir”, disse.

Sampaio confirmou que os estudos foram novamente atualizados e os pontos mais sensíveis à discussão com os povos originários foram dirimidos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Nós recebemos na agência todo esse pacote já e estamos analisando”, garantiu o diretor-geral da ANTT, sem detalhar o que a agência tem feito para destravar as discussões no Supremo..

Para o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, a projeção da ANTT de enviar o projeto ao TCU ainda este ano “é super positiva”, porque o mostra uma evolução por parte do governo.

“O desafio, no entanto, ainda é o STF, porque o ministro relator (Alexandre de Moraes) tem tido muito trabalho. Seria muito bom que o governo interaja mais com o STF nessa questão, pois foi na base da interação que o STF liberou a retomada dos estudos do Ferrogrão”, disse Nassar.

Para o presidente executivo da Abiove, além da Ferrogrão, o foco do governo deveria ser em melhorar a produtividade da malha já existente. Isso tem a ver com regulação, com fiscalização e a geração de informação, segundo Nassar.

“A gente defende que a ANTT seja capaz, em tempo real, de observar qual é o tráfego das ferrovias e qual é o grau de ociosidade. Nesses períodos, a gente poderia ter mais operadores e menos uso de caminhões. Um concessionário só não é suficiente”, afirmou.

“Podemos falar mesmo de Ferrogrão?”, questionou a pessimista Elisângela Lopes, coordenadora de Logística e Infraestrutura da CNA, no mesmo evento. Ela citou os protestos na entrada do evento como um exemplo da falta de consenso sobre a ferrovia que pretende desafogar e ampliar o escoamento de grãos pelo Arco Norte e também a série de revisões durante mais de uma década do projeto.

“Um projeto que foi revisto em 2016, 2017, 2019 e em 2021, até o STF parar com tudo e pedir os novos estudos em 2023. Temos um novo estudo que foi entregue e segue parado lá no STF”, afirmou Elisângela.

Já o secretário secretário nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro, repetiu que o governo espera enviar ao TCU os estudos da Ferrogrão, bem como o de outras ferrovias como a do anel ferroviário do Sudeste, o projeto Fico/Fiol, das ferrovias Integração Centro-Oeste (Fico) e Integração Leste-Oeste (Fiol), e da Malha Oeste.

“O TCU que se prepare, porque teremos um pacote de estudos encaminhados para lá”, disse Ribeiro ao diretor de auditoria externa no setor ferroviário do TCU, Maurício Wanderley, que estava ao seu lado.

Wanderley afirmou que o projeto das dimensões da Ferrogrão deve demorar entre 120 e 150 dias dentro do tribunal de contas. Segundo ele, a primeira etapa técnica tem 75 dias para avaliar as propostas.

“Uma equipe está sendo treinada especificamente para avaliação dessas demandas e esteja pronta para que, no momento em que esses ‘projetões’ chegarem, a gente possa analisar rapidamente. Em seguida, tem a avaliação do Ministério Público e em plenário, o que deve levar de 120 a 150 dias desde o momento em que o projeto chegar”, concluiu.

Ao final do evento, as entidades organizadoras, patrocinadoras e apoiadoras divulgaram uma carta com as demandas por melhoria na competitividade das ferrovias no País. Leia abaixo a íntegra do documento.

Carta Brasil Competitivo: O que queremos para as nossas ferrovias

É com satisfação que damos início à segunda edição deste evento, que tem como propósito trazer a perspectiva dos embarcadores sobre os desafios e oportunidades que moldam a competitividade do Brasil, com ênfase na infraestrutura de transportes e na logística brasileira. Aqui se manifestaram representantes cadeias produtivas com exportações crescentes e saldos comerciais positivos, mas cujo futuro está sob risco devido aos gargalos que implicam altos custos de escoamento.

Na edição anterior, abordamos temas centrais para a melhoria do ambiente regulatório, visando a redução de custos logísticos e a sustentabilidade do nosso país. Destacamos ações voltadas ao fortalecimento das agências reguladoras, à transição energética e, especialmente, à eliminação de gargalos na infraestrutura de transportes, fator básico para o crescimento sustentável da economia.

Passado um ano, observamos com preocupação que os avanços foram tímidos. Por isso reafirmamos a importância desses temas, mas agora focados no transporte ferroviário de cargas.

Sabemos que as ferrovias concentram alguns dos maiores desafios logísticos do país, tanto pela magnitude dos investimentos necessários, quanto pelos longos prazos de maturação.

Soma-se a isso a responsabilidade do Estado de exercer fiscalização rigorosa dos contratos, garantindo sua execução e o respeito às legislações ambientais em vigor.

Hoje, discutimos aspectos importantes e esperamos que nossas proposições surtam os efeitos desejados por todos – maior oferta de capacidade ao mercado e menores custos logísticos.

O Brasil não pode esperar mais três décadas para rediscutirmos o modelo atual, o qual está claramente aquém das nossas necessidades. Precisamos urgentemente encontrar uma forma de ter, no mínimo, a extensão de malha ferroviária que estava em operação no momento da sua concessão há trinta anos, próxima de 30 mil km. Hoje, apenas um terço está em uso.

É alarmante ver parte significativa do nosso patrimônio público abandonada e com baixa perspectiva de recuperação. Neste cenário, é forçoso reconhecer que sem investimentos e sem sistemas eficazes de monitoramento do serviço ferroviário em tempo real, as dificuldades irão se agravar, sendo essas, possivelmente, as principais causas da deterioração deste importante setor de infraestrutura de nossa economia.

Não trocamos o monopólio público pelo privado apenas por uma mera preferência ideológica. Nós o fizemos porque acreditamos que teríamos mais trilhos, mais trens, mais capacidade, mais economia e menor impacto ambiental.

No entanto, se hoje somos forçados a depender cada vez mais do modo rodoviário para longas distâncias, é porque não fomos atendidos em nossa legítima demanda por um serviço ferroviário eficiente. Essa dependência tem um custo elevado: o consumo massivo de diesel – do qual aproximadamente um quarto é importado – impacta nossas finanças e amplia a pegada de carbono da logística nacional.

Os usuários de transporte de cargas pedem o mínimo que se espera de uma regulação: informações claras, transparentes e adequadas para a tomada de decisão. Dados básicos que possibilitem a inteligência e o planejamento, ou seja, respeito aos contratantes e aos princípios da administração pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal.

O modelo adotado na privatização do setor nos anos 1990 se baseou no monopólio da via e dos serviços prestados para estimular o investimento como forma de expansão da capacidade de transporte ferroviário.

O que se viu, no entanto, foi a desativação de trechos, a restrição de capacidade nos momentos de pico de demanda, as dificuldades em permitir a livre e remunerada passagem de trens entre as malhas concessionadas, mesmo com a existência de ociosidade, criando um cenário de escassez de oferta que pouco se justifica.

O modelo vertical e monopolista das ferrovias no Brasil precisa ser revisto para que tenhamos um verdadeiro sistema nacional integrado.

O Brasil precisa crescer com uma infraestrutura robusta e eficiente para se manter competitivo, exportar e importar mais, potencializando o comércio internacional. E os usuários querem crescer e se desenvolver com as ferrovias, e não apesar delas. Enfim, transparência, investimentos e qualidade são quesitos fundamentais e não renunciaremos a eles.

Não há mais tempo a perder e o país não pode mais aguardar o futuro – precisamos construí-lo! Caso contrário, nossos planos de logística ficarão com metas de diversificação e reequilíbrio da matriz cada vez mais distantes.

Pedimos às autoridades, aos parlamentares e aos especialistas para, em conjunto, encontrarmos um caminho para solucionar esse grave problema na infraestrutura de transportes.

O setor produtivo está pronto para produzir mais e contratar mais serviços desde que tenha infraestrutura e ambiente regulatório adequados, previsíveis e eficientes.

Resumo

  • Apesar dos protestos indígenas contra possíveis impactos socioambientais, evento na sede da CNA defendeu celeridade no projeto da Ferrogrão
  • ANTT afirma que o novo trajeto da ferrovia é “110% sustentável” e prevê enviá-lo ao TCU entre outubro e novembro deste ano
  • Embora o projeto esteja evoluindo tecnicamente, líderes do setor produtivo apontam que o STF ainda é gargalo para avanço efetivo da Ferrogrão

Evento na sede da CNA: Ferrogrão no centro do debate