Na corrida mundial pelos biocombustíveis avançados, o Brasil vai mostrando que está entrando com apetite para buscar a liderança.

A mais recente ousadia está sendo protagonizada pela Copersucar, líder mundial na venda de açúcar e etanol, que fechou uma parceria com a Geo bio gas&carbon, uma das gigantes do mercado quando o assunto é produção de biogás a partir de resíduos do agronegócio.

Os dois grupos estão criando uma nova empresa, que começa a construir em outubro uma planta para produzir SAF – o combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês – a partir da conversão de biogás.

O início da produção de SAF e da comercialização do biocombustível já é previsto para o segundo semestre de 2025.

“É uma sociedade, que vai ser 50% Copersucar e 50% Geo, para viabilizar uma nova rota, uma tecnologia para produzir SAF a partir de biogás e biometano. O objetivo é viabilizar no Brasil a produção do combustível sustentável de aviação”, afirmou o CEO da Copersucar, Tomas Manzano, em entrevista ao AgFeed.

Ao lado dele, estava o CEO da Geo, Alessandro Gardemann, que há mais de 15 anos, período de atuação da empresa, se dedica ao mercado de biogás a partir da biodigestão de resíduos do agronegócio.

“Essa rota tecnológica para transformar gás em líquidos que se chama Fischer-Tropsch, tem mais de 100 anos. Em larga escala, a partir de gás natural, gás fóssil, ela já é feita há muitos anos. Tem grandes plantas no mundo inteiro, nos Estados Unidos, na Coreia, na África do Sul e na Ásia”, explicou Gardemann.

A tecnologia de Fischer-Tropsch é descrita como “um processo químico para produção de hidrocarbonetos líquidos verdes a partir de gás de síntese. A Geo, considerada pioneira em biogás, se diz entusiasmada com a parceira, em função da possibilidade de atingir o objetivo de “construir plantas em larga escala, trazendo mais competividade ao biogás”.

A inovação agora, segundo o executivo, é trazer esse processo “para a escala competitiva adequada”, o que a cana-de-açúcar no Brasil pode oferecer, à medida que seus resíduos já são usados na produção do biogás.

As empresas dizem que o local da nova planta ainda está sendo definido, porém a tendência é de que fique próxima a alguma das 37 usinas da Copersucar, sendo que pelo menos 30 delas ficam localizadas no estado de São Paulo.

Em entrevista ao AgFeed, em março deste ano, Tomás Manzano havia destacado a produção de biometano na usina Cocal, de Paraguaçu Paulista (SP), que possui uma planta, mas já havia anunciado a construção de uma nova, com investimentos de R$ 216 milhões.

O CEO da Geo disse que a empresa hoje participa de pelo menos 80% dos projetos no Brasil onde há produção de biogás a partir dos resíduos da cana-de-açúcar. Entre eles estão as duas plantas da Cocal, que integram o sistema Copersucar.

A planta de biogás da Cocal, que já está em operação, produz no momento 70 mil metros cúbicos equivalentes de biometano, um volume que pode ser replicado ou até ampliado para cada uma das usinas do sistema Copersucar, segundo os dois executivos. Em março, Manzano disse que o plano é levar o biogás para as 37 unidades.

“Estamos no processo de ‘rampar’ isso para as outras unidades, afinal, a aplicação do biometano pode atingir diversas dimensões, pode ser um substituto do diesel, pode ser queimado em caldeira para gerar energia elétrica, pode ser utilizado na própria frota interna das usinas e pode agora ser utilizado para produzir SAF”, ressaltou o CEO da Copersucar.

A planta de SAF que começa a operar no ano que vem está sendo chamada de “demo comercial” pelos empresários, porque é mais do que um piloto, à medida que já prevê a comercialização do produto, mas ainda não estará com a capacidade total almejada.

A ideia é a partir do segundo semestre de 2025, “rapidamente poder escalar essa produção. Em uma escala já industrial maior”, disse Manzano.

Alessandro Gardemann revelou ao AgFeed que, nesta fase inicial de produção, que deve durar de 12 a 18 meses, a produção deve ser de 200 mil litros/ano ou o equivalente a 1,5 mil barris de SAF. Ele não revelou a quantidade exata de biogás que será usada para atingir esse nível, mas explicou que, em média, se utiliza 1,4 metro cúbico de biogás para produzir um litro de biocombustível.

“O Brasil tem um potencial de utilização de biomassa inigualável no mundo. É um potencial de geração de biogás e biometano em larga escala, que é um produto de baixíssima intensidade de carbono, que complementa o portfólio da Copersucar”, disse Tomás Manzano, justificando o investimento.

Os valores que serão aplicados na planta de SAF não foram revelados. Os dois executivos disseram que devem buscar o apoio de agentes financiadores, o que pode ser Finep, BNDES ou mesmo “Fundo Clima”.

Quando o projeto atingir uma escala maior, “estamos pensando em plantas competitivas modulares, disse Gardemann. Ele afirma ser possível que cada módulo seja equivalente a 50 milhões de litros de SAF por ano, mas que os cálculos ainda serão feitos. Esse volume demandaria 200 mil metros cúbicos por dia de biogás.

Outra evidência da “escala” que ambos executivos reforçam que pretendem atingir é o fato de hoje, no projeto da Cocal, apenas a vinhaça e a torta estarem sendo utilizadas para produzir biogás.

“A partir do momento que a gente faz produtos de valor agregado, vamos usar palha, bagaço, vai aumentar em 4, 5 (vezes) por unidade, além de expandir para as outras usinas. Por isso que eu acho que é tão importante ter um âncora que é uma planta de SAF, por exemplo, que toma um grande volume e dá escala para esse projeto”, ponderou o CEO da Geo, destacando o que seria uma característica “única” da Copersucar no mercado.

Tomás Manzano, CEO da Copersucar, e Alessandro Gardemann, CEO da Geo

Etanol x biogás

As movimentações mais frequentes de empresas no Brasil em relação ao SAF têm sido na produção a partir do etanol.

Companhias que produzem o etanol a partir de resíduos da cana e também a partir do milho vem pleiteando e conquistando certificações internacionais para que no futuro possam exportar o etanol, que será usado para fabricar SAF, principalmente nos Estados Unidos.

O CEO da Copersucar disse ao AgFeed que também está trabalhando nessa estratégia, afinal é líder mundial na comercialização de etanol e possui destilarias nos EUA.

“Não é uma opção de uma rota ou outra. Nós também, Copersucar, como grandes acessadores de moléculas de etanol no Brasil, nos EUA, e a maior plataforma de acesso de etanol hoje, estamos preparados para avançar na rota alcohol-to-jet (ATJ) à medida que esse mercado vai sendo desenvolvido”, esclareceu Manzano.

Ele diz que a Copersucar está certificando sua empresa de etanol, a Evolua, assim como as usinas.

“Esse outro caminho não é excludente, ele é complementar, porque temos como core estratégico avançar também o biogás, e enxergamos a possibilidade de que isso pode gerar produção antes no Brasil, viabilizar a produção no Brasil no tempo mais curto do que a rota ou outro projeto”, acrescentou.

No caso do SAF produzido com o uso do etanol, a maior parte das empresas aguarda o início da operação de fábricas nos Estados Unidos para entender a viabilidade e atratividade para investimentos. Já nessa tecnologia que a Geo domina, a Copersucar entendeu que era possível sair produzindo, ainda em menor escala, de forma mais rápida.

Manzano lembrou que hoje só existe uma usina de SAF a partir do etanol já operando nos EUA. “Já a tecnologia da Geo, no biogás, é centenária. O desafio é só adaptar para a escala do biometano no Brasil. Por isso acreditamos que ela tende a ser mais rápida”.

Alessandro Gardemann, da Geo, diz que não conhece projetos semelhantes em outros países, porque o biogás a partir da cana-de-açúcar é algo muito característico do Brasil. Lá fora, a tecnologia Fischer-Tropsch tem sido usada com o gás natural.

No Brasil a planta que está sendo anunciada deve ser a primeira com produção comercial do biocombustível de aviação.

Desde 2022, um projeto semelhante vem sendo desenvolvido no Paraná, mas se trata de uma planta piloto, recém-inaugurada, para produzir petróleo sintético a partir de biogás, com foco na produção de SAF. A iniciativa envolve a Itaipu Binacional, instituições de pesquisa, universidades e conta com apoio do governo da Alemanha.

A principal diferença em relação ao projeto da Copersucar com a Geo é a escala, devido ao grande volume de biomassa – e futuramente, de biogás – que poderá ser disponibilizado, além do acesso internacional que as empresas já têm.

A Geo bio gas&carbon possui 4 plantas nos estados de São Paulo e Paraná e diz ter investido R$ 450 milhões na criação e instalação de projetos para a produção de biogás.

Já a Copersucar reportou uma receita de R$ 54 bilhões na safra 2023/2024, depois de ter alcançado R$ 69 bilhões na temporada anterior.

“O que a gente está vendo é que o biogás e o SAF devem ser no futuro as grandes alavancas de crescimento da Copersucar. Não é só da Copersucar, de crescimento do setor super energético do Brasil”, disse Manzano.

A Geo não detalhou se o custo de produção de SAF com biogás é menor do que o feito a partir de etanol. “O importante é que produto vai ter um valor associado, que vai ser a baixa pegada de carbono, e dependendo do mercado, vai pagar mais ou menos pelo atributo ambiental associado”.

Demanda por SAF

Copersucar e Geo dizem que para esta etapa inicial de produção ainda não estão com contratos fechados, mas garantem que demanda não falta, tanto na Europa quanto até mesmo no Brasil.

“Esse produto vai ser produzido a partir de resíduo, o chamado combustível avançado. Você tem mercados que privilegiam esse tipo de produto ou pagam prêmios sobre esse tipo de rota, como por exemplo, o mercado europeu”, afirmou Tomás Manzano.

Ele diz que no Brasil, mesmo o País não tendo definido ainda suas regras de mandato obrigatório de mistura de SAF no combustível de aviação tradicional, já há empresas interessadas em comprar o produto.

Segundo Manzano, para a planta “demo comercial” o investimento não levou em conta um comprador específico. “Para uma escalagem maior, talvez seja algo identificando um cliente ou um mercado”.

Na opinião do CEO da Geo, “para atender a necessidade daquilo que já está hoje no mercado voluntário, mais os mandatos que já estão em lei, que entram até 2032, 2033, seja os Estados Unidos, Europa, Ásia, até Oriente Médio, também entrando com mandatos, (é possível dizer que) vai faltar, vai ter demanda para SAF muito clara e no curto espaço de tempo”.

Ele diz que, por isso, descarta a chance de concorrência entre as diferentes rotas tecnológicas – como etanol e biogás – para se produzir o combustível de aviação sustentável.

“Pelo contrário, vejo uma complementariedade. Talvez no futuro a gente tenha uma rota de biogás para SAF que faça sentido se acoplar a uma planta de etanol para SAF. Se você já está com a infraestrutura montada, por que não integrar?”, indagou.

Um estudo do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) aponta que a indústria de SAF deve alcançar 449 bilhões de litros até 2050. Segundo a Geo, países estão adotando o mandato de mistura obrigatória que varia de 30% até 100%, em alguns casos, dentro deste prazo.