Que a história do setor sucroenergético do País se mistura com a trajetória da Copersucar, criada em 1959, a maioria dos brasileiros já sabe. Mas é bom se preparar porque o futuro do segmento também deve estar atrelado – e muito – ao que vem sendo planejado pelo paulista Tomás Manzano, que participa de perto dos projetos da empresa, desde 2011.

Depois de ocupar cargos executivos em empresas do sistema Copersucar e ter sido CFO da companhia, Manzano assumiu a posição de CEO em 2022.

“Entre 2009 e 2016 a Copersucar viveu um ciclo de investimentos muito relevante, que construiu a plataforma de negócios que temos hoje’, lembrou Manzano, ao receber o AgFeed, na sede da empresa em São Paulo.

O executivo mostra, entusiasmado, o que configura essa “plataforma”, um conjunto de empresas para atender os mercados do Brasil e do exterior, principalmente no açúcar e etanol, mas que está virando o que ele chama de “ecossistema” para inovação e transição energética, com novos passos previstos em áreas como energia de biomassa, biogás e combustível sustentável de aviação (SAF).

Uma das iniciativas bem-sucedidas, que pode ter o modelo replicado em breve, é a Evolua, uma joint venture formada em 2021 com a Vibra Energia, onde a Copersucar tem 50,01% de participação.

“De um lado está a nossa base de produção de etanol e de outro a base de consumo do biocombustível, com os 8 mil postos de gasolina da Vibra. De todo o volume que a Evolua movimenta hoje, somente a metade ela compra da Copersucar, o restante vem de outras usinas”, explicou o CEO.

A Evolua opera cerca de 10 milhões de metros cúbicos de etanol, o que representa 30% do mercado brasileiro, segundo o executivo, sendo a maior comercializadora do biocombustível no Brasil.

Na Copersucar, são 37 usinas, que fazem a moagem de 110 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano, portanto apenas uma parte do representa o negócio do etanol no sistema como um todo.

Na visão de Manzano, chegou a vez deste modelo de “plataforma aberta, que atua de forma colaborativa e integrada”, ser aplicado também ao universo da geração e comercialização de energia elétrica a partir da biomassa.

As 37 usinas cooperadas atualmente já produzem 400 MW-Médio de energia a partir da queima dos resíduos, como o bagaço da cana. É um volume que vem sendo comercializado no mercado livre, principalmente, de forma independente.

A novidade é que a Copersucar deve anunciar em breve a criação de mais um negócio, semelhante ao modelo da Evolua, que será baseado em nova parceria, agora com uma empresa do setor de energia.

A comercialização de energia será consolidada “em um veículo Copersucar, que venderá todo o volume das usinas”.

O CEO da Copersucar disse ao AgFeed que as negociações ainda não foram finalizadas, por isso não pode revelar ainda o nome deste possível novo parceiro.

“Mas posso dizer que queremos estar entre as maiores comercializadoras de energia do País”, afirmou o executivo, lembrando que atualmente existem cerca de 400 empresas do tipo atuando no mercado brasileiro.

Tomás Manzano diz que o novo negócio vai incluir não apenas energia produzida a partir da biomassa, mas também outras fontes renováveis. “Será uma plataforma aberta, que vai comprar energia de qualquer um no mercado, não só energia de biomassa, vai comprar energia eólica, solar, hidroelétrica”.

SAF e biometano

Outro projeto voltado à transição energética que deve avançar rapidamente é a produção de biogás e biometano, a partir da vinhaça, um resíduo das usinas.

A produção já está sendo feita em uma das usinas do sistema Copersucar, a Cocal, de Paraguaçu Paulista (SP), que possui uma planta, mas já anunciou a construção de uma nova, com investimentos de R$ 216 milhões.

Manzano disse que a intenção é que o negócio seja estendido a todas as 37 usinas. Mais uma vez, o investimento seria feito por cada uma delas, mas a Copersucar pode garantir a escala na comercialização e na logística, assim como já ocorre em outros produtos.

“Mas esse é um projeto longo, para 10 anos, porque ainda é um mercado com desafios de regulação, não há dutos em todas as regiões, vai depender muito do desenvolvimento do mercado como um todo”, afirmou.

Ele acredita que o Brasil tem “uma avenida de crescimento muito sustentada de longo prazo para os produtos da cana que ainda são pouco explorados, sendo um deles o biometano”.

Quando virar realidade, em maior escala, o biometano poderá, por exemplo, substituir 100% do óleo diesel que é consumido nas usinas, segundo ele. Para isso, uma outra etapa necessária é o desenvolvimento dos motores que funcionam a biogás, ainda não disponíveis para potências maiores. “Mas é uma questão de tempo”, disse ele, lembrando que o biometano também poderá ser usado para outros produtos como CO2 e amônia verde, por exemplo.

Mais à frente, a Copersucar também vislumbra o mercado de combustível sustentável de aviação, ou SAF, na sigla em inglês.

A empresa observa o início da operação da primeira planta nos Estados Unidos que está produzindo o SAF a partir do etanol.

“O mercado total de combustível de aviação é estimado em 400 milhões de metros cúbico e essa primeira fábrica tem 38 mil metros cúbicos, mas é um enorme potencial”, afirmou.

Ele lembra que, diferentemente do biogás – que precisa adaptar motores –, no caso da rota de etanol para o SAF é possível fazer a transição das aeronaves de forma rápida, com produção em escala garantida. “É algo que a partir de 2026, até 2030, deve ganhar mais tração”.

Uma das vantagens da Copersucar neste segmento é o fato de ser controladora, desde 2013, da Eco-Energy, nos Estados Unidos, companhia que possui 14 destilarias de etanol. A empresa também é hoje uma das 20 maiores comercializadoras de gás natural nos EUA.

Uma longa história

A Copersucar começou como uma cooperativa, agregando produtores e usinas, em um mercado que era altamente regulado na década de 1960.

Em 1964, foi a cooperativa que criou o CTC, hoje Centro de Tecnologia Canavieira, candidato a um possível IPO quando a janela for reaberta na bolsa brasileira, mas que na época marcava um forte investimento de pesquisa para melhorar a produtividade da cana-de-açúcar no País.

A Copersucar chegou a atuar no varejo e ser dona de marcas como açúcar União e café Pilão, mas a partir do ano 2000 decidiu “sair do kg para voltar para a tonelada”, como descreve o CEO.

Começava um período de forte crescimento das exportações brasileiras de açúcar, em grandes volumes e, contando com a escala garantida por suas usinas, a Copersucar desenvolveu o sistema a granel para a movimentação da commodity e passou a operar com uma concessão no Porto de Santos.

Para seguir crescendo, no entanto, o cooperativismo representava uma barreira. “Já tínhamos um know-how comercial e logístico interessante, começando a acessar destinos em volume superior à capacidade de produção da cooperativa, mas por regulação é ato não cooperativo operar com a produção de terceiros”, explicou Tomás Manzano.

Em função disso, em outubro de 2008 foi criada a Coopersucar S/A, uma holding que passaria a ter empresas dedicadas aos mercados crescentes de atuação, como açúcar, etanol e logística.

“O objetivo era sustentar este crescimento, atuar como uma trading, já que o mercado de exportação de açúcar estava maduro e o etanol em plena ascensão”, disse Manzano.

No leque de empresas do grupo que foram sendo criadas estão, por exemplo, a Alvean, que fica com toda a exportação de açúcar e começou em sociedade com a Cargill, que tinha 50% do controle. Hoje o negócio é integralmente da Copersucar.

Outra empresa do sistema é a Logum, onde a Copersucar controla um terço, a Raízen outro terço e o restante fica com a Petrobras. O projeto inclui 1000 km de dutos que levam etanol de diversos pontos entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

“A próxima fase do projeto é descer o duto até Santos, para ter uma saída portuária, algo que pode ser estratégico no futuro para transportar outros combustíveis como o SAF”, adiantou Manzano.

A cooperativa segue existindo até hoje e contempla as 37 usinas que produzem açúcar, etanol e energia a partir da biomassa.

De um faturamento de menos R$ 4 bilhões que tinha na época em que foi criada a holding, atualmente o sistema atinge receita próxima de R$ 70 bilhões por ano – em 2023 foram R$ 69 bilhões.

“Hoje, de tudo o que movimentamos, somente um terço vem das usinas cooperadas. O restante compramos e vendemos livremente no mercado”, afirmou o CEO.

Market share

Com tantos projetos atuais e futuros, a meta da Copersucar é sair de um market share de 17,5%, atualmente, para 25% na safra 2026/2027.

A meta parece factível, já que a Alvean, por exemplo, já responde por 25% do trade global de açúcar. No mercado interno do adoçante, a participação da Copersucar é de 30%, não mais com marcas de varejo, mas atendendo principalmente a indústria de alimentos.

Sobre a safra 2023/2024, que está sendo encerrada neste mês de março, o CEO da Copersucar adiantou ao AgFeed que o resultado financeiro foi bom, “mas não tanto quanto no ano anterior”, apesar da produção no campo ter sido favorecida pelo clima.

O impacto negativo foi principalmente o mercado do etanol, que teve preços mais baixos em meio à “maior safra de cana-de-açúcar dos últimos anos”, além da tradicional influência das políticas que envolvem os combustíveis. A expectativa é que as vendas de açúcar fiquem próximas de 13 milhões de toneladas no período, acima da safra anterior.

De qualquer forma, Tomás Manzano ressalta que as perspectivas seguem otimistas para o açúcar, que há 7 anos é beneficiado pelo cenário de demanda maior que a oferta.

“Mesmo o Brasil produzindo mais, ainda tem um déficit mundial, é um mercado que cresce junto com a população, são cerca de 2 milhões de toneladas por ano a mais”, disse.