Um pipeline robusto em biológicos, um novo sócio de peso e a meta de entrar no clube do bilhão. Dos quase 30 anos de história do Grupo Santa Clara no agronegócio, 2025 deve ganhar uma estrelinha no caderno de recordações nos próximos anos.
Isso porque a empresa anunciou nesta terça-feira, 22 de julho, que o BNDESPar, o braço de participações acionárias do BNDES, se tornou sócio da empresa com sede em Ribeirão Preto (SP) e que atua com fertilizantes especiais e biodefensivos.
O banco estatal investiu R$ 114 milhões na empresa, e em troca, se tornou dono de 19,9% do capital da empresa paulista. Ativo em aportes, em especial no agronegócio nos últimos anos, esse movimento de compra de capital social é o primeiro em uma década por parte do BNDES.
Do lado da empresa, a ideia é que o novo sócio apoie os projetos de expansão e inovação da Santa Clara, que projeta quadruplicar de tamanho até 2030 e passar a faturar R$ 1 bilhão em cinco safras. Na temporada 2024/25, a empresa faturou R$ 225 milhões, e projeta crescer 20% na temporada 25/26.
E como fazer esse salto? Em entrevista ao AgFeed, o CEO do grupo, João Pedro Cury, citou que existem alguns pilares para esse crescimento se tornar realidade.
O ponto crucial para entender as ambições da Santa Clara até 2030 é o avanço da agenda de biológicos, tanto por um viés do aumento de adoção do mercado, que deve beneficiar empresas como um todo quanto da própria estratégia da companhia.
“Temos um pipeline de lançamento de biodefensivos de 24 produtos para serem lançados nos próximos anos até 2030”, disse.
Hoje, mais de 90% do faturamento da companhia vem da venda de fertilizantes especiais, fortaleza da operação desde os primeiros anos. Porém, Cury projeta que, nos próximos cinco, a venda de bioinsumos deve chegar até 40%.
Nesse mercado, o Grupo Santa Clara atua através da empresa Inflora Biociência, que foi fundada em 2023.
Na época, mesmo antes da chegada do novo sócio, a empresa anunciou que parte de um investimento de R$ 100 milhões seria utilizado para construir essa biofábrica, e outra parte para ampliar a unidade de fertilizantes. Ainda em 2023, anunciou que investirá outros R$ 60 milhões só em pesquisa e desenvolvimento.
O aporte do BNDES ao se tornar sócio deve ser utilizado para aumentar a capacidade da fábrica de biológicos da empresa, que assim como a planta de fertilizantes, está localizada em Jaboticabal (SP).
“Esse foi um negócio lançado com uma unidade industrial pequena e, com o novo aporte, já projetamos uma nova unidade de biodefensivos nos próximos anos”.
Nos biológicos, a empresa tem um olhar atento às novas gerações de produtos, em especial a terceira e quarta geração.
Esses tipos de tecnologia utilizam os princípios ativos dos microorganismos e, portanto, não dependem deles vivos na formulação final. No fim das contas, isso ajuda tanto no shelf life, o prazo de validade, quanto na facilidade de aplicação.
Cury relembra que a ideia de atuar nesse mercado começou bem antes de 2023, em 2018, quando a empresa firmou uma parceria com a Embrapa Bioenergia para desenvolver e produzir nematicidas biológicos.
“Era uma época que poucos pesquisavam biológicos e começamos a escolher em conjunto microorganismos que produziam metabólitos ou extratos de plantas que poderiam virar biodefensivos. Acho que a grande sacada foi ter apostado nessa tecnologia se associando com uma empresa referência global, que vai participar dos royalties nessas tecnologias”, comentou João Cury.
A ideia de investir em inovação está alinhada também com a conquista de novos mercados. A empresa projeta expandir a base de clientes para novas culturas além de soja e milho, principais mercados atuais do grupo, e passar a atender com mais força cafeicultores, produtores de cana-de-açúcar e também de hortifruti.
Hoje, o CEO estima que mais de 50% do faturamento ainda está concentrado no complexo soja e milho. Geograficamente, a companhia atua em todo País, com mais força em estados do Centro-Oeste, Sudeste e parte do Sul.
“Temos uma presença internacional, não em número de faturamento, mas de países que acessamos comercialmente, que é maior do que o das empresas do setor. Estamos em quatro continentes, e isso traz um peso mesmo ainda vendo o Brasil como o maior cliente potencial”, citou o executivo.
Ao justificar o investimento do banco estatal, o presidente da instituição, Aloizio Mercadante, afirmou em nota que o aporte está alinhado com uma agenda do Governo Federal focada em transição ecológica e descarbonização, ao mesmo tempo em que gera empregos.
“O uso de fertilizantes especiais e de bioinsumos na agricultura contribui para reduzir a pegada de emissões de gases de efeito estufa com o menor uso de fertilizantes químicos, preservando a biodiversidade a partir da diminuição do uso de agrotóxicos”, explica o presidente do BNDES, em nota.
A entrada do BNDES é puramente uma estratégia de investimento, sem intenção de alterar controle e gestão. Uma única mudança se dará no conselho de administração da empresa, que ganhará um quinto integrante indicado pelo novo sócio.
Hoje, fazem parte do board Roberto Fava Scare, sócio da Markestrat e CEO da Harven Agribusiness School, Talita Cury (irmã do CEO), Fausto Donini Alvarez e Luiz Antônio Santos Baptista.
O investimento do BNDESPar avaliou a empresa em pouco mais de R$ 570 milhões. Em termos de comparação, a Vittia, um concorrente direto em termos de portfólio e mercados, está avaliada em R$ 735 milhões na bolsa brasileira B3, onde negocia seus papéis.
Engenheiro agrônomo, o CEO João Pedro Cury é filho do fundador da Santa Clara, José Amaro Cury, e está na cadeira mais alta do grupo desde 2017.
O patriarca José Amaro fundou a Santa Clara Agrociência em 1997 junto de sua esposa, Adriana Cury, na intenção de se diferenciar do mercado tradicional de químicos.
Em 2013, iniciou um processo de internacionalização e passou a atuar em outros mercados da América Latina, África e, posteriormente, Ásia e Europa.
Nos últimos anos, a empresa virou grupo e hoje, além da Santa Clara Agrociência e da Inflora Biociência, conta com a Hydromol, responsável pela produção de fertilizantes especiais em parcerias B2B, e a Linax, que funciona como um centro de inovação e pesquisa.
As duas últimas foram adquiridas numa agenda de transformação de governança que já dura quase 15 anos e que incluiu o processo de sucessão que levou João Pedro ao cargo de CEO.
Ele entrou na empresa em 2011 e até se tornar diretor comercial, em 2015, traçou uma carreira como vendedor e gerente. Na mesma época em que passou a trabalhar na empresa da família, sua irmã traçou o mesmo caminho.
A Santa Clara, na ocasião, ainda era uma empresa regional, com atuação forte no sudeste. Somado a isso, João Cury cita que a crise econômica de 2008 nos EUA, que foi sucedida por quedas de preços na soja e milho somada a um universo agro com pouca governança, limitava qualquer tipo de expansão por parte da empresa.
No momento em que assumiu a direção comercial, seus pais começaram a deixar algumas funções do negócio, iniciando a transição da primeira para a segunda geração. Assim como ele, Talita Cury virou diretora, assumindo a parte jurídica do negócio.
Foi a partir dali que a empresa trouxe diretores do mercado e passou a contar com a Markestrat, de Roberto Fava Scare, para transicionar a governança do negócio. O atual diretor de finanças e de recursos humanos, Vinicius Mazza, entrou no barco em 2018.
Na visão de João Pedro Cury, Mazza foi um dos principais responsáveis por transformar a empresa desde então. Para ele, a decisão do investimento do BNDES está relacionada com essa agenda que a empresa traçou e executou internamente.
“Ali formamos o primeiro conselho de administração, passamos a ser auditados por uma empresa do big four. Naquela época, entre 2017 e 2018, minha irmã foi para o conselho e eu me tornei CEO”, citou.
Vinicius Mazza resume que a família Cury, além de empreendedora e dedicada ao negócio que ergueram, possui uma visão de profissionalização acima de qualquer interesse pessoal.
“Isso tudo dentro desse mercado extremamente dinâmico e crescente de nutrição especial e biodefensivos. Essa transação com o BNDES se concretiza num momento de taxa de juros alta, que gera pouca atratividade para o investidor de private equity. Achamos um caminho para trazer um investidor institucional alinhado com objetivos de longo prazo”, finalizou Mazza.
Resumo
- Especializado em fertilizantes especiais e bioinsumos, Grupo Santa Clara recebeu R$ 114 milhões do BNDESPar por 19,9% do capital, avaliando a empresa em cerca de R$ 570 milhões
- O aporte será usado para ampliar biofábrica de Jaboticabal (SP) e acelerar o lançamento de 24 novos biodefensivos de terceira e quarta geração
- Novos produtos devem elevar a participação dos bioinsumos para 40% do faturamento