Foi um primeiro semestre diferente no QG da Ouro Safra, em Pilar do Sul, cidade da região metropolitana de Sorocaba, no Interior de São Paulo.

Depois de anos olhando e se expandindo para o interior do País, com operações de originação e comercialização de grãos e revendas de insumos, Valdinei de Carvalho, o Nei, fundador do grupo, passou a olhar mais para o litoral.

Mais especificamente para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), de onde partiram os primeiros navios carregados com soja, milho e farelo originados pela empresa e negociados diretamente pela sua mais nova companhia, a Ouro Safra Trading.

De março até o mês passado foram nada menos que 11 navios exclusivos da empresa, cada um transportando cerca de 65 mil toneladas, despachados prioritariamente para a China.

No novo negócio embarca também a estratégia de crescimento da Ouro Safra. Em um período em que os segmentos de grãos e insumos andam devagar, represados por juros altos e preços das commodities estacionados, o grupo navega a um ritmo estonteante, com previsão de crescimento de 60% em 2025.

Nas contas de Nei, a receita que no ano passado ficou na casa dos R$ 5,7 bilhões, somando todas as áreas de atuação, deve chegar este ano a R$ 9,5 bilhões, com a contribuição decisiva da nova empresa criada em 2024.

“Exportação” é a resposta que ele dá quando questionado como obter tal resultado em um ano tão complexo para todo o agro. “Vai exportar bastante este ano”, afirma Nei ao AgFeed.

A expectativa da companhia é vender através de sua trading cerca entre 30% e 40% do volume originado pelo grupo, que superou 4,2 milhões de toneladas na última safra de soja.

Isso, sem abrir mão dos negócios com outros compradores tradicionais, como as grandes tradings e indústrias, no mercado interno.

Empresário “reservado”, como ele se define, ele criou a Ouro Safra há 36 anos, quando, ainda saindo da adolescência, trocou a escola pelo trabalho de comerciante de grãos.

Aos 17 anos, com apenas o quarto ano completo, comprou uma carga de 50 sacas de feijão e, de pronto, dobrou seu capital. Nunca mais voltou à escola. Nunca mais parou de comprar e vender grãos – e depois, insumos e muito mais.

Hoje, Nei e sua equipe são observados com atenção pelos mercados de distribuição de insumos e originação de grãos e apontados como exemplos positivos em um segmento que, recentemente, tem mais notícias ruins do que boas a serem contadas.

O faturamento da Ouro Safra é obtido por uma estrutura que combina 32 unidades de armazenamento, com capacidade para 900 mil toneladas, 17 lojas de insumos e 20 centros de distribuição.

“Temos filiais em todos os estados produtivos”, diz Nei, atento a oportunidades nos espaços abertos pelo fechamento de unidades por concorrentes em dificuldades, como AgroGalaxy e Lavoro.

A trading, com vendas diretas de produtos originados pela companhia ou adquiridos de outros cerealistas, entra nessa soma a partir deste ano.

O olho do dono

O que diferencia a Ouro Safra das empresas que lideraram o processo de consolidação, cresceram rápido com aquisições bancadas pelo capital de fundos de investimentos e foram pegos com alavancagens excessivas quando os preços das commodities começaram a cair e os juros a subir, é justamente a presença do “dono” à frente do negócio.

Nei Carvalho passou as últimas três décadas e meia construindo relações e aprimorando um modelo que lhe permitiu crescer – ora mais rápido, ora menos rápido – de forma consistente e, segundo garante, sem dívidas.

Do negócio caseiro de comercialização de grãos – “trabalhava sete dias por semana, às vezes dois ou três dias sem dormir” – à aquisição da primeira loja de insumos, comprada de um amigo, foram 20 anos.

Ele chegou a ter o pai e os irmãos como sócios, mas acabou seguindo sozinho, sempre investindo capital próprio e fazendo seu dinheiro render, ao invés de pagar juros aos bancos.

Até 2019, segundo conta, a operação cresceu de forma de certa forma descontrolada. Então ele diz ter percebido que precisava “estruturar” a Ouro Safra. E não hesitou em encolhê-la.

“Tinha lojas distantes apenas 30 quilômetros uma das outras, o que não fazia sentido econômico”, relata. Ele fechou oito filiais e investiu em um sistema de gestão integrada, com equipes definidas para cada divisão de negócios.

Em um primeiro momento, o faturamento caiu. “De R$ 500 milhões, descemos para R$ 350 milhões”, diz. “Mas recomeçamos da maneira que eu achava melhor”.

A sorte o ajudou. O ajuste de prumo aconteceu pouco antes da pandemia e de um período de bonança sem precedentes para o setor, que viu as margens subirem de forma exponencial durante três safras consecutivas.

Ainda assim, Nei diz que foi uma época difícil. “Não era só pegar e religar o negócio na tomada”, afirma. “Íamos crescendo e estruturando. Até hoje é assim”.

O fato é que, ao longo da década atual, a cada ano a Ouro Safra praticamente dobrava de tamanho. E, com o baixo endividamento, sustentou a pegada quando a maré do mercado virou. “De R$ 500 milhões para R$ 1 bilhão, R$ 2 bilhões e até os R$ 5,7 bilhões do último ano fiscal”, recita.

“A Ouro Safra foi a primeira rede de distribuição a entender que, quanto mais criar verticalização no negócio, mais ela vai ter o cliente com ela”, afirma Renato Seraphim, consultor e executivo com profundo conhecimento do segmento, tendo ocupado posições de destaque em empresas como AgroGalaxy e UPL.

“A empresa entendeu que a expansão sem oferecer serviços seria dar um tiro no escuro. A venda de produtos agrícolas tem que ser acompanhada de produtos, serviços e conhecimento e ela trabalhou esse hub de soluções muito bem coordenadas”.

Para Nei Carvalho, isso explica ter mantido o crescimento “mesmo nas horas ruins”.

A originação de grãos é a fortaleza dos negócios, a grande expertise do proprietário desde os primeiros dias. “É o que mais dá para nós”, diz, referindo-se às receitas.

Já a rede de revendas é o ponto de atenção, aquele importante na relação com os clientes, mas mais exposto aos riscos de mercado. Nei afirma que o setor passa pelo “terceiro ano difícil”.

“Tem muito dinheiro para trás para renegociar”, diz, tratando dos atrasos recorrentes de produtores nos pagamentos dos insumos adquiridos.

O negócio de revendas contribui com cerca de R$ 1,5 bilhão de receita para o grupo. O crédito é oferecido pela própria Ouro Safra, prioritariamente com recursos próprios. “Se falta, a gente fala com os bancos”, afirma. Mas então, busca linhas de curto prazo, com captação e liquidação dentro da mesma safra.

A ideia é se manter longe do pagamento de juros aos bancos e, ao contrário, ficar no lado que recebe os ganhos financeiros das operações.

Atento ao quadro de crescimento de inadimplência no setor, Nei tem acompanhado mais de perto as operações junto aos produtores, muito deles conhecidos há anos. A empresa faz sua própria análise de risco, com o uso de tecnologias avançadas, mas não dispensa o olho no olho e a informação local.

Segundo ele, se tem “produtor forte, mas que deve muito, o risco de uma recuperação judicial acaba ficando muito grande”.

Por isso, a instrução do empresário a sua equipe é prestar atenção aos sinais e vender de olho na rentabilidade, não apenas no crescimento de receita. Segundo ele, esse teria sido o pecado capital de grandes grupos hoje passando por crises. “Eles cresceram errado, cresceram só olhando em faturar mais”, afirma.

O erro alheio é aprendizado para Nei. Ele observa as oportunidades que podem surgir pela retração dos com correntes, mas sem afobação.

“Não sou comprador de lojas”, pontua. “Só compro pelo preço de custo, não vou dar lucro para outra empresa. E se for para abrir novas revendas, vai ser devagar”.

O que o empresário diz se manter buscando é gente qualificada para operar um negócio cada vez mais diversificado e sofisticado, com a introdução de sistemas tecnológicos mais modernos.

Nei Carvalho não se importa em abrir a carteira para atrair os melhores nomes. “O profissional qualificado tem de ganhar bem”, diz. “Se vier para ganhar pouco, fica até uma parte e depois vai embora. Temos de achar o limite certo para extrair o melhor de cada um”.

O “gargalo” do mercado

Se o negócio de exportação vai turbinar os resultados de 2025, Nei vê crescimentos mais conservadores nas outras frentes. E não por falta de apetite do grupo.

“A Ouro Safra já cresce, mas se tiver um governo que olhe mais para o produtor, pode ir muito mais rápido”, afirma. “Temos muita lenha para queimar”.

A limitação principal para ele hoje é a condição de mercado, com juros altos, que limita a capacidade de investimento e até o custeio da safra de seus clientes.

Para ele, a persistência desse quadro torna nossa produção menos competitiva do que a dos Estados Unidos, “plantada com juros americanos” e pode fazer com que, em algum tempo, passemos a ver áreas sem cultivo sendo vistas em algumas regiões do País.

“Até onde o produtor vai aguentar pagar esses juros?”, questiona.

Com base nas vendas feitas até agora, ainda com atraso nas encomendas dos agricultores, ele vê uma safra 2025/2026 com potencial de sem “um pouquinho melhor” do que a anterior, mas ainda longe do potencial do setor.

Por outro lado, com uma política oficial de incentivo ao produtor, a capacidade de crescimento volta com tudo, multiplicando negócios.

“Gosto de trabalhar vendo o futuro, não o passado”, afirma Nei. E ele vê um futuro dourado para a Ouro Safra: “Não duvido que em dez anos estejamos nos R$ 50 bi”.

Resumo

  • Companhia liderada pelo empresário Nei Carvalho inicia operação com trading própria, com 11 navios de grãos e farelo despachados para a China
  • Nova operação deve ajudar receita da Ouro Safra a saltar de R$ 5,7 bi para R$ 9,5 bi em 2025, mesmo com juros altos impactando outros segmentos no agro
  • No segmento de insumos, grupo cresce com baixo endividamento, aposta em capital próprio e cautela diante da retração de concorrentes

Nei Carvalho, fundador e proprietário da Ouro Safra

Unidade de recebimento e armazenagem de grãos em Pilar do Sul (SP)