A fabricante de insumos biológicos Agrivalle resolveu dar um passo atrás em 2025 para dar dois passos à frente nas próximas safras.
A companhia decidiu dar um tempo na meta de faturar R$ 1 bilhão neste ano, cifra que tinha no radar desde 2020, quando a gestora Tarpon 10b investiu R$ 160 milhões para adquirir uma posição majoritária no seu capital.
Naquele momento, o mercado brasileiro de biológicos vivia o seu boom, que perdurou ainda mais alguns anos. Somente na safra 2022/2023, por exemplo, o mercado registrou uma alta de 52%, segundo dados da Kynetec. Então, quem ainda não tinha ouvido falar em biológicos passou a conhecer e muitos produtos foram lançados no mercado.
“Era a farra do boi”, resume João Oliveira, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Agrivalle e veterano executivo com três décadas de atuação no setor de insumos, acumulando passagens por Nutrien e Monsanto.
“Entre 2022 e 2023, houve uma enxurrada de produtos, e muitos eram mais do mesmo.”
Mas o volume da festa foi baixando à medida em que os produtores passaram a ter problemas no campo. E, com as condições de mercado menos favoráveis nos últimos meses, a Agrivalle optou, de acordo com CEO, André Kraide Monteiro, por seguir um novo plano.
“O mercado mudou muito no ano de 2023 e 2024”, afirma. “O preço do biodefensivo, assim como os outros defensivos também, caiu bastante. Teve um crescimento de volume, mas o valor não cresceu proporcionalmente. O preço das commodities caiu também e o poder de investimento do agricultor diminuiu com soja e milho em baixa.”
A Agrivalle não desistiu totalmente da perspectiva de alcançar um faturamento bilionário, mas agora trabalha com esse número de forma mais dilatada, a ser alcançado até o fim da década.
“Óbvio que vai depender muito de como as commodities vão estar até lá. Mas a gente acredita que, como sempre, nesses picos e vales do mercado agro, a gente deve ter uma retomada de mercado em 2026 ou 2027”, diz Kraide.
Até lá, a ideia é focar na inovação para crescer, aprofundando pesquisas já em andamento e lançar novos produtos – a Agrivalle possui mais de 40 em seu portfólio e tem outros 19 em seu pipeline para os próximos dois anos, ainda que Kraide não ouse cravar um número fechado de lançamentos fechado esse período.
“Como é que a gente vai lançar isso? Quando a gente vai lançar? Como a gente vai posicionar esses produtos? Ainda temos que esperar um pouquinho para definir”, diz o executivo.
Por isso, segundo Kraide, o “ramp-up” de faturamento deve acontecer nos próximos anos. “A partir de safra 2026/2027, com um resultado mais alto em 2027, por causa desses novos produtos, e do jeito que a gente está reestruturando a Agrivalle desde a minha chegada”, diz o CEO da empresa.
Kraide não revela o faturamento da Agrivalle em 2024, revelando apenas que houve crescimento entre 20% a 25%.
A meta é sempre crescer mais que o mercado – ainda que os números digam o contrário. Nos balanços mais recentes, o faturamento até caiu, passando de R$ 273,4 milhões em 2022 para R$ 224,7 milhões em 2023.
“Nosso objetivo aqui é crescer entre três e quatro vezes o crescimento de mercado”, diz.
A nova rota
André Kraide, executivo com passagens por Bayer e Monsanto, e João Oliveira pousaram praticamente juntos na companhia em 2023. Desde então, a Agrivalle tem se voltado para a inovação – que os executivos acreditam ser o motor do crescimento da companhia nos próximos anos.
“A gente tinha esse mandato de realmente acelerar o processo de inovação de novos produtos”, explica Kraide.
Por isso, a empresa tem investido cerca de R$ 25 milhões a cada ano na área de pesquisa e desenvolvimento, cerca de 10% do faturamento, cifra que surpreendeu Oliveira, que já trabalhou em gigantes como Nutrien e Monsanto.
“É a primeira vez que eu vejo isso na minha vida. Tenho 30 anos de mercado e sei que um investimento de 6% em P&D, que é o comum nas empresas, já é bastante coisa.”
Kraide destaca que, embora o setor de biológicos tenha se expandido, o número de companhias dedicadas à pesquisa e desenvolvimento ainda é restrito – uma oportunidade de mercado para a Agrivalle.
"A gente tem dedicado muito tempo e olhado para o mercado usando o nosso time de P&D e tudo que eles têm descoberto, como uma maneira de se diferenciar da maioria das empresas”, afirma o executivo.
Para acelerar ainda esse processo, a companhia recarregou seus cartuchos no ano passado com um financiamento de R$ 60 milhões, obtido junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública de fomento à inovação.
São três projetos principais financiados pela Finep, segundo João Oliveira, sendo que o principal deles envolve o estudo da metabolômica, que pesquisa o comportamento dos metabólitos, que ele diz ser os “produtos do futuro”.
“Eles são produzidos pelas bactérias ou pelos fungos e podem ser usados no manejo de pragas, doenças e, possivelmente, plantas daninhas”, diz o diretor de inovação da Agrivalle.
O desafio é entender como fazer a bactéria produzir mais metabólitos, em escala.
Outro desafio é o custo alto desses estudos, considerando o valor e a quantidade de testes e equipamentos utilizados nas pesquisas.
“Cada um dos testes que a gente faz para cada metabólito que uma bactéria produz deve custar por volta de R$ 2,5 mil cada”, frisa. “E só um dos equipamentos que a gente vai usar, custa mais de R$ 350 mil”, complementa.
Os demais projetos estão relacionados ao estudo da funcionalidade dos microorganismos e pesquisas envolvendo novos organismos.
Oliveira também afirma que a Agrivalle está trabalhando em uma nova forma de atuação, em que faz o mapeamento de biomas do Brasil para a identificação de plantas, insetos e bactérias presentes na biodiversidade do país, procedimento que não é comum entre as empresas de biológicos.
“Grande parte das empresas não faz essa parte do discovery, que é enxergar os biomas, coletar bactérias e selecioná-las. Elas pegam a bactéria de alguma instituição e desenvolvem o produto”, afirma.
“Nós, não. Partimos do conceito da natureza para desenvolver um produto, para achar uma bactéria, um fungo. E aí começamos a pensar como a natureza pensa para desenvolver algo que faça sentido.”
Uma frente importante nesse contexto é a do mapeamento genético. Fugindo do usual no mercado, os cientistas da companhia encontraram mais de 500 genes de interesse agrícola e tem trabalhando em conjunto com a ByMyCell, startup especializada em big data genômico que teve parte de sua participação acionária adquirida pela Agrivalle no ano passado, para mapear o material genético dessas espécies.
Com a ByMyCell, a identificação de microorganismos é feita de forma muito mais rápida, segundo a empresa. Processos que levariam dois anos podem ser feitos em 90 dias.
”A gente está sendo muito mais assertivo, porque nós selecionamos muito mais rápido”, afirma Oliveira.
A Agrivalle já tinha conseguido um outro aporte do Finep em 2023, em valor menor, de R$ 10 milhões, para o desenvolvimento do projeto RNAi Agrivalle, realizado em parceria com a HMS Agroscience.
“O RNAi é quase como uma vacina antiviral”, resume Oliveira. O executivo diz que os pesquisadores da Agrivalle descobriram que os vírus sobrevivem com uma determinada proteína no DNA da célula. O que os cientistas fazem é utilizar um bloqueador da proteína no RNA para que o vírus presente na planta ou no inseto morra.
“O RNAi nada mais é do que você criar algo que impede o organismo de completar o ciclo de vida dele”, afirma. “É como se retirasse o cálcio da gente.”
A tecnologia ainda está em processo de desenvolvimento. “Está um pouco longe de ser comercializada”, diz Oliveira. Mas os primeiros experimentos de um MVP (sigla em inglês para “mínimo produto viável”) devem começar a ser feitos já a partir de meados de 2025, antecipa o executivo.
Apesar de ter adquirido uma fatia da ByMyCell, a Agrivalle não tem, por enquanto, uma meta estipulada de comprar outras empresas neste ano – ainda que Kraide volta e meia receba algum projeto em sua mesa.
“Desde que eu cheguei aqui, acho que a gente tem analisado pelo menos uma empresa por mês, não só para M&A, mas também para um olhar muito de colaboração.”
O CEO da Agrivalle diz que, se a companhia unir forças com outras empresas do mesmo setor, vai ter ganhos de competitividade, custo e tempo, ao dividir pesquisas.
“Temos muitos contatos com empresas, não só do Brasil, como de fora também, nos Estados Unidos, na Índia, na Europa, onde a gente busca esse fortalecimento para trazer inovação para o mercado brasileiro”, afirma.
A colaboração é necessária até pela dificuldade de encontrar profissionais qualificados, lembra o diretor de P&D João Oliveira.
“Se você procurar hoje um bioinformata na área genômica para produtos biológicos, você não vai achar. Não existe esse profissional. Estamos também formando pessoas”, afirma.