Um negócio fechado e dois objetivos atingidos. A Agrivalle pretende acelerar a análise genética das cepas que possui, para oferecer novas soluções ao mercado e, ao mesmo tempo, buscava oportunidades de atuar na análise biológica de solo, com tecnologia de ponta.

Foram estas as principais razões que levaram a fabricante de insumos biológicos, controlada pela gestora Tarpon 10b, a investir na compra de uma participação acionária na startup ByMyCell. O valor do investimento e o percentual adquirido não foram divulgados pelas duas empresas.

Criada em 2022, a ByMyCell é especializada em big data genômico e recebeu, no início, um investimento anjo, por parte de um laboratório, o Inside Health Group.

No ano passado contou com mais um aporte, da Fapesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo, de R$ 1,1 milhão onde buscou dar tração ao seu principal produto, uma tecnologia que utiliza sequenciamento de DNA para identificar microrganismos benéficos e patogênicos, principalmente no solo.

“Criamos uma solução que é uma plataforma de análise de solo para a agricultura de precisão, onde conseguimos medir a qualidade de vida do solo em termos de microrganismos. Usando IA e tecnologia de ponta, podemos ajudar o produtor a tomar decisões com base em dados”, explicou Rafael Silva Rocha, fundador e CTO da ByMyCell, em entrevista ao AgFeed, ao lado do CEO da Agrivalle, André Kraide.

No lado da Agrivalle, que mantém seu objetivo de faturar R$ 1 bilhão no curto prazo, o interesse na parceria com a ByMyCell foi além da vantagem de oferecer a análise biológica de solo aos seus clientes.

“Queremos que os agricultores comecem a olhar para agricultura regenerativa de uma maneira mais ampla e não só para substituir ou complementar uso de defensivos químicos”, afirmou o CEO da Agrivalle.

Com base nessa premissa, André Kraide prevê dois movimentos. Um deles é a oportunidade de uma adoção crescente do uso de biológicos na agricultura, conforme destacou em reportagem recente do AgFeed. A empresa precisa desenvolver cada vez mais rápido novas soluções em biológicos e análise genômica dos microrganismos vai dar esta celeridade que precisa.

O outro ponto é a expectativa de uma demanda crescente, por parte dos produtores rurais, para fazer análises biológicas em suas lavouras.

A análise de solo mais conhecida, utilizada há mais de 40 anos no Brasil, é principalmente aquela físico e química, que avalia a quantidade de macro e micronutrientes.

A ferramenta passou a ser mais utilizada nos últimos anos, à medida que os preços dos fertilizantes tradicionais dispararam e era necessário saber quais produtos realmente estavam faltando em cada pedaço da lavoura, para adubar somente o necessário, de forma mais racional.

“Essa análise biológica, da biota do solo, vai seguir o mesmo caminho da físico-química, mas a curva de penetração será muito mais rápida, mais íngreme, porque a nutrição já está avançada. Na biológica, conseguimos ver os microrganismos que estão no solo, tanto os benéficos, quanto aqueles que são potenciais ameaças e trazer uma solução para mitigar o problema”, afirmou Kraide.

Ele admite que a prática ainda é pouco adotada. “Muitos agricultores nem sabem que existe, por isso seguiremos a tendencia da físico-química, mas com uma precisão muito maior, porque estamos fazendo análise de DNA”.

Rafael Rocha, da ByMyCell, conta que a análise de solo com base na genômica tem menos de uma década, já que a empresa que começou a fazer este mapeamento, nos Estados Unidos, existe há 8 anos.

No Brasil, diversos entusiastas da agricultura regenerativa já vêm utilizando índices e sistemas de monitoramento da “vida no solo” com objetivos semelhantes. Porém, segundo o CTO da ByMyCell, as técnicas existentes são mais lentas para chegar ao diagnóstico.

Ele diz antes era necessário testar um por um, na tentativa e erro, como se fosse um remédio, enquanto era possível fazer “exames” mais detalhados. E quando a tecnologia foi avançando havia outro entrave, que era o custo alto para fazer sequenciamento genético.

“Nós conseguimos simplificar e baratear o processo. São 13 colaboradores, nenhum estava na área de vendas. Todo o esforço foi em desenvolvimento de produto, para que ele fosse entregue de uma maneira fácil e com custo viável”, disse Rocha.

No sistema anterior ao uso do DNA, ele explica que a análise é feita com o uso de enzimas, por exemplo, e as amostras vão sendo testadas em laboratório por um período mais longo. “Mas é menos eficiente porque somente 3% do que há no solo cresce em condições artificiais”.

Já as normas de sequenciamento de DNA, segundo ele, permitem avaliar microrganismos que ainda nem foram estudados.

O biólogo lembra que o solo tem milhares de microrganismos, principalmente bactérias e fungos, e que cada um tem uma função. “Pode ser uma função benéfica para a planta, são aqueles que entregam o nutriente, por exemplo, e essa camada não se observava antes. Se olhava só para o químico, isso gera desperdício e ineficiência”.

Segundo Rocha, no solo adequado, aqueles microrganismos que causam doenças, os patógenos, estão em um nível controlado de tal forma que eles não têm espaço para atacar a planta e roubar seus recursos.

“E aqueles que são benéficos precisam estar no nível ótimo, para que possam fazer a sua missão de entregar nutrientes para a planta. De uma maneira direta, nós medimos isso pelo DNA”, explica.

Iron Amoreli, PMO da Agrivalle, que também participou da conversa, lembrou que “antes o agricultor tinha que esperar a doença aparecer. Hoje ele consegue ir acompanhando esse processo, quantificar o potencial de dano através dessa análise, e adotar um manejo profilático, preditivo”.

A análise serve tanto para ter mais assertividade na recomendação de bioinsumos como também de qualquer outro produto aplicado na lavoura, já que pode optar, por exemplo, antes do plantio, por determinado tipo de semente tratada.

Novos produtos serão acelerados

O acordo entre Agrivalle e ByMyCell tem também, entre os principais objetivos, identificar e lançar produtos biológicos de forma mais rápida.

A genômica não é usada apenas no solo, mas também para avaliar os próprios microrganismos e saber quais representam uma “promessa” de se transformar em importantes soluções na lavoura.

Iron Amorelli explica que qualquer indústria de bioinsumos tem seus bancos de cultura de microrganismos e que “é impossível saber tudo o que tem ali, por isso testa-se um por um, funcionalidade por funcionalidade, até descobrir uma nova”.

Agora, com a genômica, é possível fazer isso de forma rápida e otimizada, segundo ele, descobrindo um maior número de linhagens em espaço menor de tempo.

“Vai acelerar a descoberta de novos microrganismos, com novos mecanismos de ação, que podem ser combinados para produzir produtos mais inovadores”, ressaltou.

Rafael Rocha afirma que com a plataforma da ByMyCell, esta identificação, que poderia demorar dois anos, agora pode ser feita em 90 dias.

“É uma sinergia interessante, porque nós não criamos produto, essa é a expertise da Agrivalle, que desenvolve para levar até o campo. Mas temos a tecnologia para acelerar, com IA e genômica”, disse Rocha.

Segundo André Kraide, a Agrivalle tem hoje quase 1 mil cepas, que são coletadas na natureza e depois analisadas. “Agora mandamos para a ByMyCell e identificamos quantas são próprias para fungicidas, condicionadores de solo, entre outros produtos. Ao invés de usar uma enciclopédia, é uma busca com IA”.

“Acordo estratégico”

O CEO da Agrivalle explicou que o acordo envolveu não apenas “virar sócio” da ByMyCell, mas também desenvolver uma parceria comercial, já que a partir de agora as soluções serão levadas em conjunto para os clientes e redes de parceiros.

Sabe-se que a operação envolve “milhões de reais”, mas os detalhes não foram divulgados.
“O que posso dizer é que foi o equivalente a uma rodada seed e que vai impulsionar o crescimento da ByMyCell pelos próximos dois anos, com conforto. É uma rodada bem generosa”, disse Rafael Rocha.

Até o ano passado, a ByMyCell estava conversando com potenciais investidores e chegou a divulgar uma captação em curso entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. Na época, foi escolhida pela Apex para apresentar o projeto a um fundo durante um evento de comércio internacional.

Rafael Rocha informou que a startup encerrou 2023 “praticamente no breakeven” e que estava negociando com alguns fundos. Mas optou pela Agrivalle “por ser um parceiro estratégico, em função da sinergia, não é investimento por investimento, isso é mais fácil”.

Ele diz que a rodada de captação foi encerrada e que o negócio com a Agrivalle “ocorreu em paralelo, com outros termos e outros valores”. Considera a possibilidade de uma próxima rodada somente daqui a dois ou três anos.

Já André Kraide disse estar confiante de que é uma parceria de longo prazo.

“Queremos turbinar a agricultura regenerativa com essas tecnologias e, se tudo ocorrer como a gente imagina, talvez nem precise ir para uma rodada, porque a expansão da parceria vai trazer recursos para que a empresa consiga continuar crescendo de maneira sustentável,” afirmou o CEO da Agrivalle.

Enquanto isso, os negócios da Agrivalle ganham no chamado “time to market”, em função de acelerar o processo de lançamento de novos produtos, o que deve gerar benefícios também na receita da empresa. Além disso, busca um diferencial em qualidade e serviços adicionais, no mercado cada vez mais competitivo em biológicos.

Em período de preços mais baixos de commodities, Kraide acredita também que mais do que nunca o produtor vai precisar de tecnologias que levem ao investimento mais assertivo na escolha dos insumos, com retorno maior.

“Essa curiosidade que o pessoal começou a ter de buscar essa análise vai escalar cada vez mais e se aprimorar com as nossas soluções” acrescentou.

A ByMyCell diz que até 2023 já havia analisado um total de 12 mil hectares e que a meta, no prazo de 3 anos, é chegar a 500 mil hectares. A expectativa é que, se clientes da Agrivalle que até hoje estavam apenas testando a análise biológica pontualmente decidirem adotar em maior escala, este número possa ser multiplicado rapidamente.

A Agrivalle entra, assim, em um setor promissor e que tem sido visto por muitos investidores e especialistas como uma das fronteiras mais promissoras do universo agtech.

Um dos gurus do setor no Vale do Silício, David Friedberg, fundador da empresa de investimentos The Production Board (TPB), disse recentemente ao AgFeed que a análise genômica dos solos deve se consolidar como ferramenta indispensável aos agricultores nos próximos anos e, por isso, tem investimentos em duas companhias do segmento, a americana Pattern Ag e a alemã Stenon.

“Hoje, produtores de todo o mundo gastam milhares de dólares em produtos quando sequer sabem se têm um problema. Não podem ver, mas têm medo e compram químicos como se fosse um seguro”, afirmou Friedberg.

No Brasil, nomes de peso já despertaram para essa tendência. A distribuidora de insumos Lavoro, controlada pelo Pátria Investimentos e que tem o TPB entre os investidores, deve incluir os serviços da Pattern Ag e da Stenon no seu cardápio.

Já o Aqua Capital adquiriu a rede de laboratórios Exata no ano passado e tem a questão da análise de solos como uma das teses prioritárias para os próximos anos. A corrida, nesse terreno, apenas começou.