Geralmente, quando uma grande corporação passa por uma combinação de atraso na divulgação de balanço trimestral e investigação de algum problema contábil, a tendência é que os investidores “punam” essa companhia na Bolsa, vendendo suas ações, mesmo após os números se tornarem públicos.

Mas a gigante norte-americana Archer-Daniels-Midland, ou ADM, que comercializa diversas commodities agrícolas, conseguiu driblar essa tendência, inclusive com analistas recomendando compra da ação.

Isso porque, nesta terça-feira, 12 de março, a ADM divulgou ao mesmo tempo seus números do quarto trimestre de 2023, com atraso, e uma atualização sobre inconsistências contábeis que atingem principalmente o segmento de Nutrição da companhia.

Sobre a investigação, a ADM afirma que encontrou alguns produtos negociados entre áreas da própria companhia a preços abaixo do praticado no mercado.

As negociações envolveram os segmentos de Nutrição, de Serviços e Sementes e de Soluções para Carboidratos.

A companhia alega que, por se tratarem de vendas feitas internamente, os problemas de contabilidade destas vendas não têm efeitos significativos nos resultados referentes ao período de investigação, que vai de 2018 a 2023.

Ao mesmo tempo em que trabalha em um plano para evitar esse tipo de prática no futuro, a ADM afirma que atua em colaboração com a Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM norte-americana) e com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos nas investigações desses problemas.

A conclusão de que as inconsistências contábeis não têm efeitos no resultado final já havia sido antecipada pela empresa nos comunicados anteriores sobre o tema. No entanto, o mercado reagiu com alívio à confirmação desta informação na atualização de hoje.

Depois do comunicado apresentado pela ADM ao mercado, a casa de análise norte-americana CFRA melhorou a classificação da ação da companhia, recomendando compra. O preço-alvo também foi elevado de US$ 61 para US$ 67, o que representa um potencial de valorização de 17% em relação ao preço desta terça-feira.

Em Nova York, a ação passou praticamente todo o dia em alta próxima de 4%, girando em torno do US$ 57,30.

Em análise publicada pelo portal Market Watch, o analista Arun Sundaram, da CFRA, afirmou que a atualização sobre os problemas nas vendas inter-segmentos trouxe um cenário melhor que o esperado. “Isso deve remover várias travas que impedem a valorização do papel”, afirma.

Um 2023 difícil, um 2024 ainda mais desafiador

Os números do quarto trimestre e de todo o ano de 2023 da ADM mostram, em resumo, a pressão nas margens, especialmente por conta da queda recente nas cotações das commodities agrícolas e das sementes.

No segmento de Serviços Agrícolas e Sementes, o lucro operacional recuou 20% no quarto trimestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2022, para US$ 954 milhões, prejudicado pelas margens menores em sementes e produtos agrícolas.

A empresa cita que o resultado não foi pior porque houve um aumento no volume de exportações que saíram do Brasil.

Outra compensação foi a área de produtos refinados, que conseguiu ter resultado positivo no trimestre impulsionado principalmente pela venda de biodiesel.

Nos segmentos de ingredientes para produtos industrializados, a ADM conseguiu crescer 12% no quarto trimestre, por conta principalmente dos produtos derivados do milho.

Em Nutrição, a ADM teve um prejuízo operacional de US$ 10 milhões no trimestre, com um forte impacto da área de nutrição animal, que registrou queda de 91%. Segundo a companhia, houve uma normalização nas margens dos produtos e queda no volume vendido.

Neste cenário, a ADM entregou aos acionistas um lucro operacional de US$ 1,2 bilhão no quarto trimestre de 2023, queda de 23% na comparação anual. O ganho por ação de US$ 1,06 no trimestre, recuo de 42%.

Para 2024, a companhia espera entregar lucro por ação entre US$ 5,25 e US$ 6,25. Mesmo que atinja o teto da projeção, haverá uma queda de quase 3% em relação ao resultado de 2023, de US$ 6,43, que já foi 17% menor em relação a 2022.

A projeção feita pela ADM leva em conta a continuidade de um cenário com margens apertadas e custos maiores.

Para Sundaram, da CFRA, o ano de 2024 realmente deve ser duro para a ADM em termos de lucratividade. “Mas a empresa continua confortável com as metas para 2025, que foram divulgadas em 2021”.