A fusão entre Marfrig e BRF começou com o pé direito na B3. Horas após o já histórico anúncio feito pela companhia de Marcos Molina, na noite de quinta-feira, de que iria incorporar de vez a empresa dona das marcas Sadia e Perdigão, as ações do frigorífico subiam 18,5% no início da tarde desta sexta-feira, dia 16 de maio.
O movimento mostra que a notícia da criação de uma nova empresa a partir da fusão das duas companhias, que foi batizada de MBRF, agradou o mercado.
A BRF vai passar a ser uma subsidiária integral da nova MBRF. Pelos termos do acordo, os acionistas da companhia vão receber 0,85 ação da Marfrig para cada ação da BRF que possuírem.
A nova empresa nasce com uma receita total, somando as diversas operações que engloba, de R$ 150 bilhões.
"É um caminho natural para a empresa ser mais simples e múltipla em proteínas, aproveitando todas as sinergias que temos", afirmou Marcos Molina, presidente do Conselho de Administração e controlador da Marfrig, em entrevista no começo da noite de quinta-feira.
Do lado da BRF, contudo, que deixará de negociar ações na B3 em breve, caso a fusão seja de fato aprovada, a percepção é menos positiva. No começo da tarde desta sexta-feira, os papéis recuavam 2,2%.
Na opinião de Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos, o anúncio foi positivo, com um “viés favorável à Marfrig”. “Projetamos uma forte reação positiva para o papel da Marfrig, com queda nas ações na BRF no pregão de hoje”, previu o analista em relatório distribuído logo após o anúncio, ainda na noite de quinta-feira.
Para Alencar, o perfil da nova empresa favorece quem já é acionista da Marfrig, avaliando que a MBRF terá uma exposição maior a produtos processados e ao atual ciclo positivo de frango, que o analista considera mais duradouro. “Ao mesmo tempo, reduz exposição ao segmento de carne bovina nos EUA, atualmente pressionado”.
Nos cálculos de Isabella Simonato, analista do Bank of America (BofA), a MBRF pode apresentar um Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 13 bilhões neste ano – sendo R$ 9,7 bilhões advindos das operações de frango, suínos e processados da BRF, R$ 2,2 bilhões da carne bovina na América do Sul e R$ 1,2 bilhão da operação de carne bovina na América do Norte.
O BofA se mostrou favorável ao anúncio e aumentou o preço-alvo da ação da Marfrig de R$ 20 para R$ 23 ao final do ano. Além disso, deixou de fazer qualquer projeção para a BRF, já considerando que a ação deve sair de cena em breve.
Thiago Duarte, do banco BTG Pactual, lembra que o sonho da Marfrig em se tornar uma potência global no setor de proteínas já dura quase 20 anos.
No passado, a empresa comprou empresas como a Moy Park, a Keystone e chegou a adquirir a Seara em 2010 – a companhia seria comprada pela JBS em 2013, por R$ 5,8 bilhões. A Moy Park também foi vendida para a JBS, em 2015, e a Keystone para a concorrente Tyson Foods.
“A aquisição da National Beef nos EUA em 2018, seguida por um ciclo de excelente rentabilidade durante a pandemia de Covid, reacendeu essa ambição, culminando na aquisição do controle acionário da BRF”, acrescentou Duarte.
“Agora, após uma recuperação bem-sucedida na BRF, a Marfrig está pronta para dar o próximo passo: incorporar totalmente a BRF e construir a terceira potência global em proteínas, ficando atrás da JBS e da Tyson Foods”, acrescentou.
Segundo o analista do BTG, o negócio “tem muitos méritos”, mas destacou que as sinergias operacionais podem ser limitadas.
A Marfrig indicou, em comunicado, que "as sinergias já mapeadas foram agrupadas e somam um total de R$ 805 milhões de reais por ano, sendo entre R$ 400 e R$ 500 milhões previstos para os primeiros 12 meses e o restante no médio e longo prazo". Alencar, da XP, disse que o patamar previsto ficou abaixo do esperado.
Duarte, do BTG, acredita que mesmo com esse limite, os “potenciais benefícios fiscais, a escala, a relevância e até mesmo uma futura listagem internacional podem ajudar a realizar o sonho de longa data da Marfrig”, acrescentou.
Com a fusão, Marcos Molina será dono de 41,5% da MBRF, diluindo a participação de pouco mais de 70% que ele e sua esposa, Marcia Marçal dos Santos, possuem hoje. Igor Guedes, da Genial Investimentos, ressalta que mesmo com essa renúncia ao controle, o percentual final será mais do que suficiente para continuar a exercer influência sobre a nova empresa.
“Essa configuração levanta questões sobre o equilíbrio de nos conselhos de administração e o nível de independência efetiva no poder para tomada de decisão, especialmente à luz de movimentos passados de gestão mais centralizada”, ressalta Guedes.
O analista da Genial ainda vê com bons olhos a possibilidade da MBRF listar suas ações lá fora, num movimento parecido com o que a JBS tem feito, migrando sua base acionária para os EUA.
“Essa iniciativa poderia destravar valor, ampliando o acesso a mercados de capitais mais líquidos e amplos, além de reduzir o custo de dívida em uma moeda forte”, avalia Igor Guedes.
Troca controversa
A relação de troca proposta pelas empresas no acordo de fusão é o ponto mais controverso da transação. Para acionistas minoritários da BRF e alguns analista, a proporção de 0,85 ação da Marfrig para cada ação da BRF é desfavorável para quem tem os papeis da companhia dona da Sadia.
Isso foi percebido na performance dos papéis das empresas, com a desvalorização de BRF e alta expressiva da Marfrig.
A proposta conta com o apoio de acionistas com maior peso – como os fundos Previ e Salic, que possuem 6% e 11% da BRF, respectivamente, e já se posicionaram a favor da transação.
Já para investidores menores, concordar com a fusão significaria abrir mão de uma companhia que gera mais receita e lucro do que a controladora e com um índice de alavancagem menor que uma vez o Ebitda.
Do ponto de vista meramente financeiro, calculado sobre os valores atuais, o negócio também não parece atraente aos minoritários. Um relatório do Morgan Stanley calculou que a fusão implicaria em um valor de R$ 17,30 para cada ação da BRF, um desconto em relação ao preço negociado nos pregões, que tem se mantido acima dos R$ 20.
Segundo o banco, desse total, R$ 15,10 viriam da relação de troca, e o restante dos dividendos anunciados pela BRF.
Além disso, o preço por ação que a Marfrig propõe pagar para acionistas da BRF que não concordarem com a incorporação é de R$ 19,83, também abaixo do valor negociado nesta tarde. Ou seja, valeria mais a pena vender o papel agora do que esperar a assembleia e o recebimento do dinheiro só daqui alguns meses.
BRF pressionada com gripe aviária no radar
Para além da relação de troca desfavorável apontada pelos analistas, a ação da BRF negociada na B3 também é pressionada pela notícia de que foi identificado um caso de gripe aviária em uma granja comercial no Rio Grande do Sul.
O vírus foi detectado em um plantel de aves na cidade gaúcha de Montenegro, fazendo com que o Brasil decretasse estado de emergência zoosanitária, o que desencadeou uma interrupção imediata das exportações para a China.
Historicamente, casos de doenças identificadas em granjas, mesmo que não sejam comerciais, batem forte nos papeis de empresas listadas.
Em julho do ano passado, quando uma granja de frangos em Anta Gorda, cidade também do Rio Grande do Sul, foi fechada após diagnóstico positivo do vírus de Newcastle, a ação da BRF caiu mais de 7% no dia.
Nesta sexta-feira, o papel da JBS, que se expõe ao mercado de frangos através da Seara, recuava pouco mais de 1% durante a tarde. A companhia possui uma unidade em Montenegro, a cidade afetada pelo vírus.
Na call para apresentar o balanço a analistas de mercado, que transcorreu enquanto surgiam no noticiário as primeiras informações sobre o caso de gripe aviária no Rio Grande do Sul, o CEO da BRF, Miguel Gularte, afirmou que o episódio deve ter impacto limitado para os negócios da companhia.
“Não é uma situação nova no setor avícola, pois tivemos no ano passado o Newcastle. Temos planos de contingência e, como funcionou na Newcastle, tenho seguro que vai funcionar agora nesse caso isolado de gripe aviária", afirmou.
Resumo
- Anúncio da criação da MBRF agradou analistas, que consideraram o movimento favorável aos acionistas da Marfrig, e ações subiram
- Já os papeis da BRF tiveram desvalorização, com ressalvas sobre o valor oferecido na troca na operação de fusão
- Gripe aviária no radar também pesa sob a ação da BRF