Nada é mais popular hoje em dia que um meme - uma pequena historinha ou imagem, com humor ou ironia, que se espalha rapidamente pela internet. E “meme stock”, você sabe o que é?
O termo foi um dos mais comentados esta semana, após uma empresa americana de carne plant based negociada na Nasdaq, a Beyond Meat, se tornar a mais nova “ação meme”. O papel da Beyond Meat (BYND) valia 52 centavos de dólar até a semana passada. Muito pouco para uma ação que chegou a US$ 234,90 em 2019 — quando as carnes chamadas proteínas alternativas começaram a surgir.
De repente, na terça-feira, 21 de outubro, o valor dos papéis começou a subir sem motivo aparente. Na quarta-feira 22, dispararam para o pico de US$ 7,50 - uma alta de 1342% em apenas dois dias. Tudo isso sem nenhuma causa justificável, como um grande investimento, uma fusão ou aquisição.
O que aconteceu é que o papel BYND virou meme. Milhares de pessoas físicas, gente comum da internet, combinaram de comprar a ação após verem publicações sobre ela nas redes, principalmente no Reddit, um portal de fóruns de discussões muito popular nos Estados Unidos.
O que diziam essas publicações? Que a empresa era uma promessa no mercado e que valia a pena comprar a ação na baixa? Nada disso.
“Geralmente, essas compras acontecem sem nenhum fundamento econômico ou de mercado razoável”, diz o analista de mercado independente, Ricardo Brasil.
“O preço passa a refletir mais o entusiasmo coletivo do que o desempenho real da companhia. É o típico caso em que a narrativa pesa mais que os fundamentos e o movimento é guiado por emoção, humor e pertencimento”, completa Tobias Camargo, planejador financeiro, consultor e sócio da GuiaInvest.
Nos fóruns da internet, o tom era quase de torcida. “‘Vamos levantar essa ação juntos!’, eles diziam”, conta Camargo. “Esse sentimento coletivo, aliado ao medo de ficar de fora, cria ondas de compra que empurram o preço para cima. O movimento nasce orgânico, mas rapidamente se transforma em um fenômeno de massa”, explica o planejador.
No caso da Beyond Meat, a narrativa que os acionistas de redes sociais compraram foi a de revanche. “Foi aquele sentimento de vingança do investidor ‘sardinha’, o pequeno, a pessoa física da bolsa, contra o institucional, o mega fundo de milhões”, explica Brasil.
Uma grande troca de dívida por ações que a empresa realizou, diluindo os acionistas e fazendo o preço dos títulos em bolsa baixar para a casa dos 50 centavos na semana passada, criou a oportunidade.
Como se criou o meme
No mercado, quando se aposta que uma ação deve cair muito, vários investidores profissionais tradicionalmente realizam uma operação chamada “venda a descoberto”: vendem ações que emprestam de outras pessoas na esperança de recomprá-las a um preço mais baixo posteriormente e embolsar o lucro.
Quando milhares de internautas compram a BYND, a ação, ao contrário do que o investidor institucional apostava, repentinamente subiu. Então, esse peixe grande da Bolsa que estava “vendido a descoberto” correu para recomprar as ações que tomaram emprestadas e diminuir seu prejuízo para não perder mais dinheiro. O nome disso é “short squeeze”.
Os sardinhas comemoraram. “Mano, não duvide dos traders noturnos!”, escreveu um, num fórum do Reddit. “Hero Meat”, ou “carne heroína”, publicou outro, acrescentando à sua frase os emojis de um foguete, de explosão e de canecas de cerveja brindando. “Para o investidor de rede social, participar disso é uma mistura de entretenimento, status e aposta”, diz Camargo.
O problema é que a euforia dura pouco: quando o interesse diminui, os preços caem na mesma velocidade em que subiram.
“Quem entrou por impulso, geralmente, é quem mais perde”, diz Camargo. Ricardo Brasil concorda. “É igual pirâmide, só ganha quem chega primeiro. Os outros só levam prejuízo”, explica Brasil. Tanto que as ações da Beyond Meat fecharam na mesma quarta-feira a US 2,62, bem longe do pico. Na quinta-feira, estavam em US$ 2,90.
E o agro do Brasil com isso?
O episódio jogou luz sobre a crise que a Beyond Meat vinha passando - e sobre o mercado de produtos plant-based. As carnes feitas de ingredientes vegetais, como soja, grão-de-bico, lentilha, cereais e beterraba, pareciam ser um mercado muito promissor até então. O apelo para o consumidor era fornecer um alimento, em tese, mais saudável e com menos dados ao meio ambiente.
Por isso, em março deste ano, a Vivera, marca de proteína vegetal da JBS, fez uma oferta para comprar as operações da concorrente The Vegetarian Butcher, da Unilever. O negócio não teve o valor divulgado.
Outras grandes empresas brasileiras de carne, como a BRF, também têm marcas plant-based. Em dezembro passado, por exemplo, a dona da Sadia e da Perdigão comprou 30% da americana ADM na PlantPlus, negócio de proteínas vegetais.
O grande problema é que o alto preço e a inflação acelerada fizeram as vendas de carne vegana caírem, não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Aqui, as vendas haviam subido de 1,653 milhão de quilos em 2023 para 1,923 no ano passado.
Mas este ano o resultado deve ficar bem abaixo: até 18 de outubro, as vendas alcançaram apenas 1,161 milhão de quilos, conforme a empresa de pesquisas de mercado Varejo 360.
Além disso, produtos de carnes alternativas passaram também a ser questionados por serem altamente processados e ricos em sódio, o que vem desanimando consumidores mais bem informados.
A Fazenda Futuro, dona da marca FuturoBurger, é prova dessa desaceleração. A empresa parou de exportar para os Estados Unidos, Reino Unido, Chile e Austrália e voltou a se concentrar em seus 20 mil pontos de venda no Brasil. A empresa brasileira que levantou R$ 300 milhões em investimentos e falava até em abrir capital, agora está menor e com mais pé no chão.
“Não acredito que o episódio da Beyond Meat prejudique essas empresas de carne brasileiras na Bolsa”, diz Ricardo Brasil. Mas ele concorda que quando uma das maiores marcas mundiais da área de plant-based vira “meme stock” isso não é bom para o setor.
Os investidores de verdade - aqueles que leem balanços e prestam atenção a fundamentos - agora devem ficar mais atentos ao que acontece nesse mercado e seus efeitos nas grandes empresas de carnes.
Resumo
- Fenômeno das meme stocks, ações da Beyond Meat dispararam 1.342% após investidores de redes sociais combinarem compras em massa
- Movimento sem base econômica gerou perdas rápidas e reacendeu o debate sobre bolhas no mercado financeiro
- Crise da Beyond Meat destaca desaceleração global das carnes vegetais e afeta empresas plant-based brasileiras como a Fazenda Futuro