Como é que um produtor vende sua soja? Até bem pouco tempo atrás, tudo era feito por telefone ou pessoalmente. O representante de uma trading ou de uma cooperativa acertava os detalhes com o agricultor e depois se assinava um contrato. Tudo muito demorado: questão de dias ou até semanas.

Isso começou a ficar mais rápido na pandemia, em 2020, com a adoção de contratos assinados digitalmente. Mas há três anos, com o surgimento de plataformas que fazem essa negociação digitalmente, grandes produtores já fazem essas vendas em poucos segundos.

“Há casos em que os negócios são feitos por meio de robôs em nanossegundos”, disse Gustavo Romanini, do CME Group, de mercado de derivativos, durante o evento TheNewAgro, produzido pela Grão Direto, na terça-feira, 21 de setembro, em São Paulo.

O modelo vem se popularizando e sendo amplamente adotado por grandes produtores. “Na Agro França, a gente já vende de 15% a 20% de toda produção de soja por meios digitais”, disse ao AgFeed Virgínio Fonseca, produtor rural do grupo Agro França, de Goiás.

Ele contou que a empresa comercializa cerca de 80 mil sacas de soja por ano. “É muito mais fácil e rápido, dá para aproveitar as altas de preço na hora”, afirmou ele.

Na Amaggi, uma das maiores companhias brasileiras de grãos, 15% da produção de soja é negociada digitalmente, por meio de aplicativos. Um deles é a plataforma da própria Grão Direto, que funciona como um marketplace, conectando produtores e compradores, online. O aplicativo de compra e venda de produtos agrícolas da agtech já tem 100 mil participantes.

“Começamos há três anos e já estamos com esse percentual. A tendência é só crescer”, afirmou Vinícius Moreira, gerente de inovação e tecnologia comercial da Amaggi.

Na antiga Sierentz Agro, com sede em São Felix de Balsas (MA), comprada recentemente pela SLC Agrícola, de 5% a 10% da produção já é vendida digitalmente, segundo Murillo Luchese, que atuou como diretor comercial da empresa agrícola até setembro passado e hoje é consultor na área de originação de grãos junto à Grão Direto.

“Aproveitar os preços rapidamente é a maior vantagem”, disse ele. “Até mesmo para compras de insumos”, acrescenta.

Grandes empresas multinacionais do setor também têm aderido à compra digital. É o caso da Cargill. O percentual de vendas feitas online ainda está abaixo de 50%, mas a tendência é aumentar.

“É um caminho sem volta”, disse Ricardo Nascimbeni, vice-presidente de cadeia de suprimentos da Cargill, durante o painel “A nova era da comercialização de grãos”, do evento TheNewAgro.

Barter digital

A digitalização dos processos de negociação do campo chegou, mais recentemente, também ao barter – tradicional forma de comprar de insumos e outros produtos em que o agricultor troca parte da colheita futura pelos insumos.

“Antigamente, um distribuidor ou um representante da empresa ia até o agricultor ou telefonava para ele. Acertava os termos e depois se assinava um contrato”, conta Patricia Ambrosio, líder de soluções financeiras digitais para América Latina da Basf.

Ex-chefe de serviços financeiros e operações estruturadas da empresa, ela assumiu recentemente o novo posto justamente para acelerar esse processo de digitalização das transações comerciais.

“As vantagens são muitas: agilidade, integração com outros atores da cadeia, como empresas de insumos, tradings. A segurança é muito maior e tudo pode ser rastreado. A rastreabilidade é algo muito importante hoje no agro”, diz ela.

O processo permite acompanhar cada etapa da produção, desde a origem (como a semente ou o animal) até o consumidor final, para garantir a procedência, qualidade e segurança do produto.

Isso vem sendo muito demandado, principalmente por países que importam produtos e não querem envolvimento com fornecedores que, por exemplo, não estejam em total conformidade com regulamentos ambientais.

A nova maneira de vender ajuda e também alivia o pesado dia a dia do agricultor, segundo Gustavo Schueroff, gerente de originação e planejamento de grãos e oleaginosas da trading Louis Dreyfus.

“Considerando tudo o que um agricultor precisa levar em conta na sua jornada, contabilizei 120 parâmetros que ele considera todos os dias. Ou seja: são 120 coisas com que o produtor se preocupa, que vão desde pagamento e recebimento de contas, variedades de sementes, nível hídrico do solo, manutenção de tratores, armazenagem, rotatividade de pessoal na fazenda”, diz o especialista.

“É tanta coisa que, na hora de vender, ele vai pelo caminho mais fácil: adota o valor que o vizinho vendeu. E muitas vezes ele sai perdendo.”

Romanini, do CME, concorda. “Muitas vezes, o produtor compra e vende sem muito parâmetro, sem gestão de riscos. As informações vêm hoje por muitas fontes a todo momento e isso prejudica, é complexo para o produtor”, afirma.

“Antigamente ele pegava todas as notícias que vinham por um fax e tomava suas decisões no dia seguinte. Era muito mais simples.”

Mas ao digitalizar o processo de venda, a agilidade dos aplicativos garante a esse produtor, entre outras coisas, a possibilidade de aproveitar melhores cotações no momento em que eles acontecem, de forma simples, já que o processo acontece com poucos cliques.

“Claro que ainda existem dificuldades culturais, alguma resistência”, diz Romanini. Mas a maioria percebe que é um jeito de desafogar o dia a dia.

Resumo

  • Produtores de soja já realizam até 20% das vendas por plataformas on-line, processo antes feito por telefone
  • Negociações digitais permitem fechar negócios em segundos e garantem mais segurança e transparência
  • Gigantes como Amaggi, Cargill e Basf ampliam o uso de soluções digitais e veem o agro conectado como futuro do setor