Quem analisa o agronegócio brasileiro nos últimos anos vê um movimento cíclico muito nítido. Primeiro, anos de bonança entre 2021 e 2022, quando a alta dos preços dos insumos foi compensada (e muito) por cotações ainda mais elevadas de commodities como soja e milho.

Posteriormente, em 2023, houve uma queda mais abrupta no preço de venda do que nos custos, gerando até mesmo margens negativas. Na foto do momento, entre 2024 e 2025, um reajuste: cotações e margens voltando a patamares próximos da média histórica.

Esse descompasso, contudo, deixa um rastro. Recuperações judiciais, calotes e renegociações em alta no setor, deixando todos em busca de uma saída.

Carlos Aguiar, diretor de agronegócio do banco Santander, aponta um caminho simples e direto: o produtor vai ter que desinvestir. “O que passamos agora é uma ressaca que não tem remédio”, disse o executivo durante um evento promovido pela Serasa Experian na manhã desta terça-feira, 14 de outubro, em São Paulo.

Aguiar relaciona o cenário de RJs e a alta das inadimplências aos produtores que deram saltos maiores do que a perna na época da bonança, entre 2021 e 2022. Ele cita que, na época, o salto do preço das commodities fez as margens saltarem a 40%, mais do que o dobro do patamar que ele considera médio, entre 15% e 18%.

“Teve gente que achou que era uma reta infinita e comprou muito: áreas, terras vizinhas, maquinário… Além do que, era mais fácil tomar a decisão de investir com um juros a 2%”, acrescentou.

Hoje, o cenário é muito diferente do que o visto na época da empolgação: a taxa básica de juros, a Selic, está em 15% ao ano, e o preço das commodities e do custo com os insumos está estável e próximo da média histórica, fazendo com que as margens voltem a níveis considerados “padrão”. O que fica de herança no triênio é a alavancagem.

Aguiar considera que a Selic pode até baixar, mas continuará nos dois dígitos. “Talvez 13%, com muita sorte. O que não ajuda o custo da dívida”, diz. Com isso, a saída para ele é uma só: mudar a mentalidade e desinvestir.

Nem mesmo a prorrogação de dívidas, conversas cada vez mais corriqueiras nas instituições financeiras, pode aliviar. Até mesmo a Medida Provisória publicada pelo Governo Federal no mês passado que projeta um crédito extraordinário de R$ 12 bilhões para ajudar produtores, em especial os que tiveram perdas no Sul do País, para prorrogar suas dívidas devido a perdas acumuladas por eventos climáticos, não deve resolver o problema.

“Quando damos prazo só compramos tempo. O produtor vai ter que desinvestir, vender fazenda, ‘desarrendar’ e voltar atrás em investimentos. Desculpa não ser otimista, mas o realismo é melhor que o otimismo exacerbado”, continuou.

O Santander hoje mantém uma exposição total ao agronegócio próxima de R$ 50 bilhões, considerando todas as modalidades de crédito, desde o crédito rural subsidiado até as operações estruturadas de mercado.

O último balanço divulgado pela instituição, referente ao segundo trimestre de 2025, mostrou R$ 9,8 bilhões correspondentes ao crédito rural tradicional, R$ 26,5 bilhões a títulos privados ligados ao agro (como CPRs e CRAs), e cerca de R$ 7 bilhões a linhas de comércio exterior e financiamento de agroindústrias.

Em relação ao segundo trimestre de 2024, o montante ficou praticamente estável, mas com mudança no mix: a carteira rural recuou 17%, enquanto os instrumentos de mercado e corporativos cresceram cerca de 5%.

Essa recomposição pode mostrar uma preferência por operações de menor risco, além de um perfil mais alinhado ao mercado de capitais, com aumento das CPRs e CRAs em meio a um ambiente de juros elevados.

A fala de Aguiar sobre o desinvestimento vem acompanhada de uma reflexão mais ampla sobre o perfil do produtor e o papel das políticas públicas no crédito rural. Mais do que isso, da importância em levar governança ao setor.

Para ele, as instituições financeiras precisam entender que o agro não é uma massa homogênea, e que a dinâmica dos pequenos, médios e grandes precisa ser diferente.

“O produtor rural tem tamanhos diferentes e precisamos esperar coisas diferentes”, resume. No universo da agricultura familiar e de pequenos produtores, ele considera que são faixas bem atendidas pelo Governo Federal em programas como Pronaf e Pronamp.

A partir de um determinado ponto, o campo precisa assumir outro grau de profissionalismo, defende o diretor. “É a partir do momento que ele começa a faturar R$ 5 milhões a R$ 10 milhões anuais que qualquer empresa precisa se profissionalizar, a mesma coisa para o campo”.

É nesse estágio, diz ele, que o crédito deixa de ser apenas financiamento e passa a exigir gestão, planejamento e conhecimento financeiro. Para isso, acredita que o caminho é educação financeira e entendimento de risco.

“A gente, na Faria Lima, às vezes perde a noção das coisas. Achamos que quem fatura R$ 10 milhões vai entrar na Bolsa de Chicago e fazer hedge. Não vai”, comentou, em tom de autocrítica.

Nesse caso, defende uma aposta em operações mais simples como o barter, que nem faz parte do portfólio dos bancos.

“Quando faz barter ele troca um pacote tecnológico por uma quantidade de soja, algo que todos sabem o que isso significa. O risco dele é execução e clima, não tem risco de preço, não tem risco político, dólar, nenhum. Risco dele é algo que ele faz muito bem e o risco do clima, que pode contar com seguro”, comenta.

“Fazendo barter com seguro contra problemas climáticos não tem como dar errado. Agora, a gente fica querendo dar dinheiro atrelado a um ‘IPCA +’ ou ‘CDI +’, disse, novamente em tom de autocrítica, em relação aos empréstimos praticados pelo mercado financeiro.

A cautela aumenta quando o assunto é crédito atrelado a dólar. “No Santander não dou dinheiro em dólar, por mais que haja linhas, para quem não seja extremamente sofisticado”.

Ele defende que, para o produtor pequeno e médio, o caminho deve ser um crédito com condições prefixadas, com previsibilidade e disciplina: “É igual pessoa física, um crediário onde o dinheiro é dado já sabendo das parcelas. Precisamos ajudar, e deixar de fazer bobagem já é um começo”, finalizou.

Resumo

  • Santander alerta que o agro vive uma “ressaca sem remédio” e diz que parte dos produtores terá de vender ativos e reduzir investimentos
  • A carteira de crédito do banco no agro soma cerca de R$ 50 bilhões, patamar estável frente a 2024 e que deve se manter neste ano
  • Para o diretor Carlos Aguiar, o crédito rural precisa se adaptar ao porte do produtor, com profissionalização de gestão e simplicidade na hora de dar crédito