No debate do crédito rural, os números costumam vir em escala bilionária, com linhas de custeio, Fiagros e CRAs financiando grandes safras e investimentos no setor.

Longe deste universo e das manchetes, outros tipos de necessidades financeiras, mais corriqueiras, acontecem: um trator que quebra na entressafra, a taxa da cooperativa que vence antes da colheita ou o adubo que chega antes do pagamento do grão.

Valores pequenos demais para justificar um financiamento formal, mas grandes o bastante para apertar o caixa do produtor. É nesse espaço, ignorado pelos bancos, que a B23 Parcelamentos quer atuar.

A empresa, sediada em Brasília, nasceu há apenas um ano intermediando parcelamentos de débitos veiculares, um mercado de R$ 200 bilhões.

O negócio consiste em conectar proprietários de veículos ao sistema financeiro para quitar dívidas como IPVA, licenciamento e multas no cartão de crédito, algo que órgãos públicos não oferecem diretamente.

Depois de processar alguns milhões de reais nesse mercado, e com a demanda de uma consultoria agrícola, percebeu que a mesma lógica e tecnologia poderia servir ao setor agro, que também tem uma lógica de sazonalidade de caixa.

A ideia é levar ao campo a estratégia usada na cidade. O produtor leva um boleto, por exemplo de uma cooperativa, oficina, fornecedor de insumos ou até licenciamento de trator, e a B23 cobra o valor no cartão de crédito, parcelado se for preciso, e paga à vista para quem emitiu a conta.

“Existe um gap muito relevante na entressafra, quando o produtor está sem liquidez, e com isso sem apetite para pegar um crédito para algo de R$ 6 mil, R$ 8 mil, R$ 10 mil”, diz Beatriz Cançado, CEO da startup.

De grão em grão a galinha enche o papo, e por mais que os volumes sejam pequenos por pessoa ou por boleto, a ideia é que ao atender o todo a cifra fique grande. Nos cálculos da B23, considerando o universo de mais de 770 mil produtores dos estados da Bahia, Espírito Santo, Paraíba e Minas Gerais, a um ticket médio de R$ 2,2 mil, ou seja, uma projeção conservadora, o potencial de mercado é estimado em R$ 510 milhões só nessas regiões.

No mercado veicular, Cançado estima que a B23 já atua em 3% do setor de débitos, e movimenta cerca de R$ 8 milhões por mês no seu serviço. A operação no agro deve começar nos próximos meses.

“Somos uma empresa nova com um ano de atuação, mas que temos a tecnologia e permissão do Banco Central. Vimos que não precisávamos estar num nicho específico”, justifica a CEO.

A ideia não é concorrer com bancos nem reinventar o crédito rural. A B23 não empresta dinheiro nem assume risco, apenas intermedeia pagamentos usando o limite que o cliente já tem no cartão. “Mediamos a oferta do crédito. Quem faz a oferta são marcas de cartão, como Mastercard e Visa. Por isso nosso risco é baixo, exceto se o banco ou a Visa entrarem em falência”, diz Cançado.

Por mais que cite tickets baixos, a regra do limite de operação é o limite do cartão do cliente. Se o produtor tiver um limite de R$ 100 mil, por exemplo, é possível o parcelamento.

Cançado acredita que essas despesas - pequenas compras de insumos, licenciamento de máquinas agrícolas -, não justificam uma tomada de crédito tradicional via uma CPR, CRA ou outro tipo de captação tradicional em bancos ou instituições financeiras.

“O valor muitas vezes não justifica tomar crédito. Um ticket de R$ 2 mil, R$ 2,5 mil não faz sentido. E também existe o comodismo: a solução pode ser feita pelo celular sem aprovação, ou com ajuda do canal presencial que o produtor já confia”, explica.

No agro, para driblar a capilaridade do interior do país, a B23 espera firmar parcerias com cooperativas e fundações, e já tem conversas em andamento com instituições do tipo.

Resumo

  • Startup B23 nasceu parcelando IPVA, e agora quer atender pequenos boletos do agro, de insumos a licenciamento de máquinas
  • Empresa intermedeia pagamentos usando o limite do cartão, mirando valores entre R$ 2 mil e R$ 8 mil que ficam fora do crédito rural tradicional
  • Operação começa por cooperativas em MG, BA, ES e PB, com potencial de R$ 510 milhões por ano em pequenos pagamentos emergenciais no agro