A uma semana da COP 30, conferência do clima da ONU que se inicia no próximo dia 10 de novembro em Belém (PA), o ex-ministro da Agricultura e Pecuária e enviado especial da COP para agricultura, Roberto Rodrigues, e outras lideranças do agronegócio entregaram nesta segunda-feira, dia 3 de novembro, ao presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago, um documento que defende o papel da agricultura tropical como parte da solução climática.

A entrega ocorreu na sede da Fiesp, em São Paulo (SP), durante reunião do Conselho Superior do Agronegócio (Cosag) da federação das indústrias. Rodrigues repassou ao presidente da COP o documento “Agricultura Tropical Sustentável: Cultivando Soluções para Alimentos, Energia e Clima”, que reúne as principais propostas do setor, elaborado pela CNA, pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e por centros de pesquisa e entidades setoriais.

Nesse paper, o setor defende que a agricultura tropical é peça central na agenda de mitigação e adaptação climática e que o modelo produtivo construído no Brasil pode ser introduzido em diferentes países.

Além da entrega formal ao presidente da COP, o ex-ministro levará a Belém um resumo executivo do material para ser apresentado na conferência da ONU. A expectativa é que o documento sirva de referência para negociadores brasileiros e estrangeiros em defesa do papel da produção agropecuária frente às mudanças climáticas.

“Acho que [a COP 30] é uma oportunidade única de o Brasil mostrar ao mundo que é possível fazer comida no sistema tropical, gerando energia, gerando emprego, melhorando a questão social e cuidando do clima”, afirmou Rodrigues ao AgFeed em entrevista nos bastidores do evento.

Segundo o ex-ministro da Agricultura e Pecuária, há duas necessidades centrais para que essa visão se consolide globalmente: financiamento internacional e novas regras de comércio.

“Para que países emergentes possam usar o que nós aprendemos, tem que haver financiamento internacional. Senão, um país pobre não vai conseguir começar do zero o processo de tecnologia e inovação”, explicou.

“E tem que haver legislação das regras de comércio. Se o protecionismo ficar como está, poucos países acessarão o mercado. O que adianta fazer uma revolução se não vai chegar ao mercado?”, emendou o ex-ministro.

Rodrigues tem a ambição de que o Brasil lidere uma virada narrativa sobre o papel da agricultura tropical no enfrentamento às mudanças climáticas.

“Se nós conseguirmos que o mundo tropical seja o solucionador da questão, o Brasil vai ter o selo de campeão mundial da paz. Esse é o sonho que eu quero ter realizado a partir da COP. A chance que a COP nos oferece é essa. Se vemos, vamos aproveitar ou não, se o mundo vai achar isso ou não, veremos daqui a um mês.”

A avaliação do ex-ministro ecoa a visão do presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago, que também conversou com o AgFeed nos bastidores do evento e destacou o protagonismo do país no tema.

“A agricultura é a demonstração da competência brasileira e do quanto o Brasil pode fazer coisas que outros países aproveitam”, disse.

Questionado se um dos principais desafios para o Brasil será convencer especialmente os países do chamado “Norte global” de que a agricultura é uma solução para as mudanças climáticas, Corrêa do Lago ressaltou que hoje prepondera uma visão do Norte em relação às soluções para combater os efeitos das mudança climáticas.

“Só que a maior parte da população do mundo está no Sul [global]. O maior crescimento econômico do mundo vai ser no Sul. Portanto, as soluções que vêm do Sul estão adquirindo uma importância que nunca tiveram antes. E o Brasil tem que ter esse espaço, porque o Brasil foi o país que, literalmente, inventou a agricultura tropical. E é um país que, sobretudo, não está deitado nos seus louros. A agricultura brasileira está apostando na inovação constantemente.”

O embaixador também avaliou que a necessidade de financiamento para a agricultura nos países em desenvolvimento é um tema “central”.

“A agricultura é uma das vítimas da mudanças climática. Nós temos que evitar que isso aconteça. E são necessários investimentos, conhecimento. O Brasil tem que ser líder nessa área.”

Plano Clima

Durante o evento, Roberto Rodrigues pediu ao embaixador André Corrêa do Lago que a discussão sobre a participação do agro no Plano Clima seja postergada para depois da COP 30.

O Plano Clima norteia as ações do Brasil para o enfrentamento às mudanças climáticas e para o cumprimento das metas do Acordo de Paris.

Entidades representativas do agronegócio como CNA e FPA, porém, têm feito diversos questionamentos ao texto do plano – isso explica a menção de Rodrigues durante o evento.

As críticas recaem, sobretudo, à conta da quantidade de emissões de gases do efeito estufa que terão de ser reduzidas agricultura e pecuária nos próximos anos, previsto no Plano Setorial da Agricultura e Pecuária, presente na Estratégia Nacional de Mitigação, parte integrante do Plano Clima.

De acordo com o plano do Executivo, a agricultura e pecuária precisariam, já em 2030, reduzir de forma significativa suas emissões líquidas de carbono, passando de 1,393 bilhão de toneladas de CO2 em 2022 para 891 milhões de toneladas, queda de 36%.

O montante de emissões a serem cortadas cresce ainda mais considerando uma perspectiva para a próxima década. Dessa forma, a ideia é que agricultura e pecuária emitam entre 640 milhões e 700 milhões de toneladas de CO2 em 2035, banda que equivale a uma redução de 50% a 54% em relação a números de 2022.

A discórdia surgiu do fato de que o Executivo resolveu colocar, na conta de emissões a serem abatidas pela agricultura e pecuária, 813 milhões de toneladas de CO2 equivalente que correspondem a emissões de desmatamento, enquanto que as emissões relacionadas à produção agrícola e pecuária somam 643 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Em meio às críticas feitas por diferentes representantes, o Ministério da Agricultura e Pecuária enviou um ofício no último dia 15 de agosto pedindo alterações no plano ao Ministério do Meio Ambiente, líder do Plano Clima.

A pasta chefiada por Marina Silva, por sua vez, informou em nota que o Ministério da Agricultura teria participado, em conjunto com outros da elaboração do documento.

Ao AgFeed, Roberto Rodrigues endossou as críticas feitas ao projeto do governo pelas entidades representativas do agro.

“O Plano Clima está virando uma coisa complicada, porque atribui-se o desmatamento ilegal ao protetor rural, o que é um erro, uma injustiça e é uma mentira. Mais de 98% do desmatamento ilegal é feito por aventureiros. O que nós achamos é que deve ser penalizado quem é o culpado. Se tem agricultor que faz, também que seja penalizado. Mas é ridícula a posição de atribuir desmatamento ilegal à agricultura”, disse.

A proposta entrou em consulta pública, finalizada em agosto, e a ideia do governo era apresentar uma versão final do Plano Clima até COP, mas não houve acordo até aqui.

Com as dificuldades de contemporizar todos os lados, Rodrigues prefere que essa discussão seja feita após a conferência.

“Esse é um tema que está sendo discutido com muita preocupação, muito vigor, porque tem um lado diplomático complicado. Se o governo brasileiro reconhece que o desmatamento ilegal é feito por produtores rurais, como é que vai pensar o [presidente dos Estados Unidos, Donald] Trump lá na frente? Como a União Europeia vai fazer um acordo com o Mercosul?”, questiona o ex-ministro da Agricultura e Pecuária.

“Nós estamos usando um capuz que não é nosso. Acho que não é inteligente e é injusto. Então, nós estamos trabalhando para que haja uma discussão maior sobre esse assunto. E se não houver tempo de resolver até a COP, deixa pra depois da COP”, complementou.

Por isso, a recomendação de Roberto Rodrigues é de que não há urgência em apresentar a proposta agora.

“O Plano Clima são os instrumentos que o Brasil vai usar para cumprir o seu compromisso [de redução de emissões de gases do efeito estufa] Não precisa ser agora na COP, não tem obrigação nenhuma. Eu proponho que deixe para depois, pra gente conversar com tempo, equidade, justiça, equilíbrio e patriotismo.”

Questionado pelo AgFeed se a recomendação do ex-ministro seria de fato levada em consideração, André Corrêa do Lago se limitou a dizer: “Vamos ver isso”, sem dar mais detalhes.

O Plano Clima de Mitigação é composto por sete planos setoriais, incluindo o da Agricultura e Pecuária. Cinco desses planos já foram aprovados pelo comitê executivo que faz a articulação do plano, mas faltam ainda a aprovação dos planos da Agricultura e Pecuária e de Conservação da Natureza, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo.

Diante das dificuldades, na semana passada, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, teria acionado a Casa Civil para atuar como mediadora do imbróglio e tentar encontrar uma solução, segundo a Folha.

Resumo

  • Lideranças do agro, com Roberto Rodrigues, entregaram a André Corrêa do Lago documento defendendo a agricultura tropical como solução ao clima
  • Setor pede financiamento internacional e novas regras de comércio para expandir o modelo tropical de produção sustentável
  • Rodrigues sugeriu adiar a conclusão do Plano Clima para após a COP 30, evitando distorções e riscos diplomáticos nas negociações