Marina Cançado, CEO da Converge Capital Conference, e Tony Lent, cofundador da Capital for Climate, acreditam que “os planetas estão alinhados” em favor do Brasil. E eles também estão, de uma forma mais mundana, dentro de um viés financeiro.

Um alinhamento com meta: levantar, até a COP 30, a conferência do clima que acontece em 2025 em Belém, no Pará, US$ 5 bilhões em investimentos nas chamadas soluções baseadas na natureza (NBS, na sigla em inglês para Nature Based Solutions) no Brasil.

E com ponto de partida: a primeira edição da Brazil Climate Investment Week, que acontece entre 21 e 23 de maio em São Paulo. As organizações lideradas pelos dois executivos querem fazer dos eventos da semana um marco de algo que, acreditam, tem potencial no curto prazo – como demonstra o deadline que eles mesmo se impuseram –, mas sobretudo em um cronograma mais longo.

“Estamos focados no curto prazo e em mobilizar esses US$ 5 bilhões, o que é muito simples”, afirma um otimista Lent em entrevista ao AgFeed. Segundo ele, a origem desse capital seria metade nacional, metade internacional.

Seria, ao seu ver, apenas o começo de uma grande onda de projetos e recursos que resultariam no desenvolvimento de uma nova indústria das NBS, com íntimas relações com o agronegócio.

“O potencial é enorme” afirma Lent. “Achamos que a oportunidade total para esse tipo de investimento vai além dos US$ 100 bilhões”.

“Estamos em um ponto de inflexão na história”, concorda Marina Cançado, ex-sócia da XP na área de investimentos sustentáveis que há mais de 15 anos vem direcionando recursos para essa área.

“Com o Brasil na presidência do G-20 e sediando a COP no ano que vem, estamos muito bem posicionados para ser um hub de soluções climáticas para o mundo, gerando crescimento sustentável a partir da transição dos setores tradicionais para uma forma descarbonizada de operar, mas também usando a natureza como ativo”.

A vitrine da Brazil Climate Week terá, segundo Lent, mais de 25 oportunidades de investimentos em projetos em diversas áreas como agrofloresta, bioeconomia, agricultura regenerativa, restauração de ecossistemas, restauração de pastagens degradadas, gestão sustentável da pecuária, entre outras.

Marina e Lent esperam reunir em torno deles cerca de 500 gestores de investimento, profissionais do mercado financeiro e de bancos, family offices, investidores institucionais, empreendedores e representantes do setor público.

Assim como os planetas, o discurso de ambos também está bem alinhado. Marina traz a visão interna, de quem já viveu as dificuldades e as barreiras para atrair capital para projetos como esses.

Ela entende que a falta de compreensão sobre os riscos e oportunidades associados às mudanças climáticas pode levar os investidores a subestimarem a importância dos investimentos climáticos ou a ignorarem completamente esse aspecto em suas estratégias de investimento.

O mundo de olho

Lent, por sua vez, traz a ótica dos mercados internacionais e uma percepção de que essa preocupação começa a se dissipar em função da emergência do tema e seu impacto cada vez maior sobre as decisões dos grandes gestores.

Isso já está, segundo ele, expresso na decisão de instituições como a Glasgow Financial Alliance, Net Zero e Asset Owner Alliance em aderirem à iniciativa de metas baseadas na ciência.

“Todas essas instituições financeiras juntas representam mais da metade de todo o capital gerido profissionalmente no planeta Terra”, estima.

“Já existem cerca de 20 instituições financeiras globais que têm equipes de investimentos dedicadas a NBS, com mais de US$ 500 bilhões sob gestão”.

O otimismo de Lent é baseado em mais de 25 anos com foco em empreendimentos relacionados à questão climática e que, nos últimos anos, mobilizou mais de US$ 2 bilhões no mercado de transição para a economia de baixo carbono.

Ao criar a Capital for Climate, trouxe como financiadores grandes nomes como o banco Wells Fargo e Gordon and Betty Moore Foundation, entre outros.

Segundo Lent, muitas das equipes que buscam projetos de NBS estão focadas no Brasil. Elas olham para cá porque “seu tamanho mínimo de cheque é de US$ 20 milhões a US$ 30 milhões e muitos deles até US$ 50 milhões. Ele diz que o Brasil é “o único lugar que você pode fazer isso facilmente”.

O estrangeiro Lent tem muitos argumentos na ponta da língua para sustentar essa tese e discorre longamente sobre eles. Na sua visão, existe uma longa lista de condições que colocam o País como potencial destino de investimentos climáticos e de SBN, a começar pelo não tão positivo perfil de emissões de gases de efeito estufa por aqui.

“Ao contrário da maioria dos países, onde os gases de efeito estufa provêm principalmente da energia e dos transportes, no Brasil, a maior parte das emissões vem da destruição ou conversão de habitats e do complexo agrícola”, diz.

Paradoxalmente, essa condição nos coloca, como pontua Lent, como “o único país que tem capacidade de absorver facilmente mais de uma gigatonelada por ano de dióxido de carbono com soluções baseadas na natureza”.

“Isso é razoavelmente conhecido na maioria das grandes redes de investidores que estão focadas em clima agora”, completa.

Outro ponto ressaltado por ele é o “custo de carbono”. “Se você é uma grande empresa, vai começar a procurar o carbono de menor custo na natureza. E quando fizer isso, vai empilhar todos os países do mundo e começar a fazer perguntas”.

Ele segue, então, com as possíveis questões: “Qual país tem o grande potencial nessa área? O país é investidor ou é uma zona de guerra. É estável ou não? Tem ou não um mercado de capitais funcionando? O ambiente de negócios é razoavelmente transparente ou há um alto grau de corrupção? Qual é o nível de talento da comunidade empresarial local nessa área e, nesse caso, ao agro?”

No cômputo geral das respostas, diz Lent, o Brasil fica em vantagem competitiva. E é isso que ele e Marina esperam mostrar aos investidores nas conferências da semana, incluindo uma amostra do que já é feito aqui em termos de crédito, ferramentas de gestão de risco para moeda, carbono e questões relacionadas, além de projetos que já estão sendo executados por empresas.

Aposta na recuperação de pastagens

Lent cita como exemplo de investimento com alto potencial atrativo, quando se fala de transição agrícola no Brasil, o projeto de recuperação de pastagens degradadas.

“O governo disse que um dos principais motores do desmatamento foi liberar terras para gado e soja”, afirma. “Temos toda essa terra pastoril degradada. São 90 milhões de hectares, uma área maior que a França. Precisamos restaurar isso”.

A escalabilidade de um projeto como esse fascina investidores estrangeiros, assim como a possibilidade de retornos expressivos.

“É muito rentável, porque a terra degradada não está sendo usada ou não é muito produtiva, tem preço baixo ou você pode arrendá-la por um custo baixo. Restaurada em sistemas integrados de lavoura-pecuária, como sistemas agroflorestais ou mesmo como sistemas de soja, pode se tornar uma terra realmente lucrativa”.

Lent diz que o sistema financeiro está olhando e começando a se reunir em torno de ideias como essa. “Vimos 55 plataformas até agora, estamos apenas começando a ver esses modelos”.

Ele também é entusiasta do modelo agroflorestal em larga escala. “Já há grandes fundos de private equity agrícolas e empresas de ativos reais olhando para isso, operando em 15 mil hectares e perguntando: ‘poderíamos fazer isso em 100 mil hectares? Poderíamos fazer do Brasil de volta uma potência do cacau com base em um modelo agroflorestal? Tem gente pensando nisso, se mobilizando”.

Nova geração

Marina Cançado observa um outro ponto positivo nessa convergência de fatores favoráveis à introdução de NBS associados a empreendimentos agropecuários no Brasil: a transição geracional dentro do empresariado do agro.

“Temos agora as pessoas na casa dos 30, 40 anos tomando o lugar do pai. Eles estão começando a ver como uma vantagem competitiva o que eles podem fazer se mudarem de um fertilizante para um biofertilizante, se a energia solar, se começarem a medir o carbono no solo ou se eles começam a fazer ILPF”, ela diz.

“E também temos os instrumentos financeiros que temos com os principais bancos do Brasil dando crédito para clientes que têm as melhores práticas. Temos fundos que estão comprando terras. Então, acho que é um jogo muito diferente a partir de agora”.

Segundo Marina, o Brasil representa menos de 1% do comércio global de produtos de base florestal, mas tem potencial para ser um dos principais exportadores da chamada bioeconomia. Para isso, porém, é preciso mais que capital.
“é preciso uma melhor organização da cadeia de suprimentos de produtores e serviços de assistência técnica. Portanto, há outros gargalos que não são dinheiro”.