Para atender a mercados cada vez mais exigentes sobre a origem do produto que estão comprando, a CJ Selecta, maior produtora mundial de exportadoras de concentrado proteico de soja (SPC, na sigla em inglês), está acelerando sua aposta em certificações e programas de agricultura regenerativa.
Ao todo, a companhia origina hoje entre 800 mil a 1 milhão de toneladas de soja no Brasil. Metade desse montante corresponde a soja transgênica e, desse volume, somente um terço é certificado atualmente.
A ideia da companhia é dobrar o volume de certificação da soja transgênica até 2027, explicou Patrícia Sugui, gerente de ESG da CJ Selecta, em entrevista ao AgFeed nos bastidores da Conferência Internacional da RTRS (sigla em inglês de Mesa Redonda da Soja Responsável), evento realizado na semana passada, em São Paulo.
As certificações utilizadas pela CJ Selecta são realizadas pela RTRS, que atesta que a produção cumpre requisitos socioambientais e de boas práticas agrícolas.
Já na outra metade, correspondente à soja não-transgênica originada pela companhia, todos os grãos já são certificados, de acordo com o padrão ProTerra, sistema internacional de certificação que promove a sustentabilidade na produção agrícola, com foco em boas práticas ambientais e sociais.
No mundo das sementes não-OGMs, a necessidade de certificações já é um padrão, algo que nem sempre é seguido no mercado da soja transgênica.
O principal produto da CJ Selecta é o SPC, um farelo de soja com alta concentração de proteína que é exportado principalmente para a Noruega e para o Chile, mercados que utilizam o produto na ração das fazendas de produção de salmão.
Por isso, a companhia vem testando também soluções digitais de rastreabilidade, de olho em continuar atendendo o mercado europeu e cumprir às exigências da União Europeia, que ainda pretende colocar em vigor em algum momento a sua lei antidesmatamento – mesmo após recente adiamento, anunciado nesta semana.
Em janeiro do ano passado, por exemplo, a companhia realizou um embarque-piloto de um navio com uma carga de 18 mil toneladas de soja com monitoramento via blockchain e padrão GS1, sistema de código de barras internacional.
"Agora estamos fazendo outros pilotos para ver como operacionalizar isso na prática", disse Sugui, econômica nos detalhes.
A executiva atenta também para o fato de que o processo de certificação para se adequar à EUDR traz desafios, principalmente no aspecto financeiro.
“É possível fazer, mas é caro. Por isso, precisamos da plataforma do governo federal, a AgroBrasil Mais Sustentável, funcionando", afirmou a executiva.
“A gente também precisa entender o que esses países da União Europeia vão exigir como comprovação documental. É o CAR? Incra? O que esse país vai exigir de conformidade legal? São muitas dúvidas", disse.
Em paralelo, a companhia quer demonstrar que sua soja tem uma pegada de carbono significativamente menor que a média.
Um estudo conduzido pela empresa em parceria com a AgriFootprint, auditado pela Bureau Veritas, mostrou que a proteína de soja brasileira produzida pela CJ Selecta possui pegada de carbono significativamente menor que a média da soja utilizada em pesquisas internacionais.
Cada quilo de SPC produzido pela empresa no país gera 0,388 e 0,617 kg de CO2 equivalente, explicou Sugui, enquanto que cálculos internacionais apontam para uma emissão entre 4 e 6 kg de CO2e por quilo de soja.
“As práticas regenerativas, como o plantio direto e a manutenção da palhada no solo fazem com que esse sistema não emita tanto carbono”, diz Patrícia Sugui.
A executiva diz que o resultado reflete também a realidade de regiões em que a abertura de áreas agrícolas ocorreu há mais de 30 anos, como Minas Gerais, onde a empresa tem forte presença.
Agricultura regenerativa
Além dos esforços de certificar e diminuir a pegada de carbono da soja que utiliza em sua produção, em maio passado a CJ Selecta anunciou o lançamento do programa Renova Terra, em parceria com a Unilever, uma das maiores companhias de alimentos do mundo e dona de marcas como Becel, Hellman’s e Ades.
A iniciativa tem como objetivo implementar práticas de agricultura regenerativa na produção de soja no Cerrado brasileiro ao longo dos próximos cinco anos, buscando ao mesmo tempo reduzir a pegada de carbono da cadeia e aumentar a produtividade dos produtores rurais.
O programa prevê alcançar 20 mil hectares até 2027 e 45 mil hectares até 2030, com investimento total de R$ 32 milhões (5,5 milhões de euros), compartilhado pelas duas empresas.
A expectativa é envolver até 45 produtores de diferentes regiões de Goiás e Minas Gerais, como o Sudoeste Goiano, o Triângulo Mineiro, o Alto Paranaíba e o Noroeste de Minas.
A execução no campo ficará a cargo da organização sem fins lucrativos TechnoServe, que oferecerá suporte técnico personalizado, acompanhamento contínuo e incentivos financeiros para os agricultores.
Cada propriedade terá seus indicadores ambientais e produtivos monitorados, como emissões de carbono, saúde do solo, biodiversidade, uso de defensivos e resiliência das lavouras.
Para garantir rastreabilidade e transparência, a mensuração de carbono será realizada por uma consultoria externa independente, com os resultados servindo de base para ajustes e futuras expansões.
“O Renova Terra representa uma verdadeira transformação na forma como cultivamos soja no País”, avalia Patrícia Sugui.
Venda frustrada
Recentemente, a CJ Selecta se viu envolvida em um processo mal sucedido de compra e venda.
Há quase dois anos, em outubro de 2023, a companhia quase foi adquirida pela Bunge, uma das maiores tradings do mundo, por 407 bilhões de wons (o equivalente a R$ 1,8 bilhão). Só que o negócio não saiu da forma esperada e foi desfeito em abril deste ano.
O AgFeed apurou que, entre o anúncio do acordo, em 2023, e o prazo previsto para a formalização, em 2025, a CJ Selecta teria perdido valor de mercado – o que seria explicado pela depreciação, como um todo, das commodities agrícolas no mercado global, o que reduziu receitas e ganhos de grande parte das empresas que atuam em cadeias como as da soja.
Próximo à finalização do negócio, a Bunge teria solicitado mais documentos para ter o “valuation” atualizado da companhia, na tentativa de apurar o que teria mudado no período.
A CJ Cheiljedang Corporation, por sua vez, teria questionado a Bunge se esta estava desacreditando a empresa. A companhia decidiu, então, desistir do negócio e divulgou, por meio do fato relevante divulgado em 25 de abril neste ano, que optou por não finalizar a venda.
“Como a possibilidade de cumprimento das condições precedentes à transação não é clara, notificamos a contraparte (Bunge) sobre a rescisão do contrato para resolver essa incerteza e focar em atividades de gestão estáveis”, relatou a holding coreana em um documento divulgado em um órgão semelhante à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) da Coreia do Sul.
O texto não deixou claro, no entanto, quais seriam as “condições precedentes” mencionadas e nem a quem caberia cumpri-las.
A companhia pertence aos coreanos desde agosto de 2017, quando teve 60% de seu capital acionário, que era do grupo chileno Corpesca, adquirido pela CJ Cheiljedang por R$ 450 milhões, em valores da época.
A histórica da empresa, porém, é mais antiga. A CJ Selecta nasceu em 1984 como uma trading de sementes de Goiás, a Sementes Selecta, que vendeu o controle da companhia aos chilenos da Corpesca em 2013, que revendeu a empresa à CJ em 2017.
Com sede em Uberlândia (MG), unidade industrial de processamento e produção de etanol a partir do melaço de soja em Araguari (MG) e filiais em Catalão (GO), Rio Verde (GO), Unaí (MG) e Primavera do Leste (MT), a companhia se especializou na produção de proteínas vegetais de alto valor agregado, com linhas distintas para o processamento da oleaginosa transgênica e não-transgênica.
Resumo
- Líder em produção de concentrado proteína de soja, a CJ Selecta acelera certificações e programas de agricultura regenerativa no Brasil para atender mercados exigentes, como o europeu
- Empresa lançou o programa Renova Terra em parceria com a Unilever, com meta de alcançar 45 mil hectares até 2030 e investimento de R$ 32 milhões
- Companhia é controlada por grupo coreano CJ Cheiljedang e quase foi comprada pela Bunge há dois anos