Problemas climáticos fazem parte dos riscos inerentes ao agronegócio. Secas, chuvas fortes, temperaturas acima ou abaixo do esperado. E no Brasil, com dimensões continentais, alguma região vai sentir mais essas intempéries em algum ano.

Mas a safra 2023/2024 tem uma particularidade quando o assunto é clima. A região que mais produz soja no país foi atingida em cheio pelo fenômeno El Niño, algo que não é comum historicamente, segundo André Debastiani, sócio da Agroconsult e coordenador do Rally da Safra, um dos mais tradicionais levantamentos da situação das lavouras no País.

Na primeira apresentação em 2024 da expedição realizada pelas regiões mais importantes para o agronegócio brasileiro, Debastiani afirma que o El Niño atual está mais intenso que em anos anteriores, com as temperaturas da superfície do oceano Pacífico 1,9 grau acima da média histórica.

“Nós tivemos um El Niño mais intenso que esse entre 2015 e 2016. Mas historicamente, esse fenômeno não muda as condições para o Centro-Oeste. Nesta safra, ocorre o oposto”, explica o especialista.

A consequência disso é uma espécie de efeito dominó de más notícias para o produtor. Com todo esse cenário, a Agroconsult encontrou sinais de perdas irreversíveis em lavouras em praticamente todas as regiões produtoras – apenas o Rio Grande do Sul, que sofreu com estiagem severa na safra anterior, deve apresentar crescimento nos volumes colhidos.

E fez mais um corte, agora de 5 milhões de toneladas, em suas projeções para a produção de soja na atual safra. Com isso, a estimativa atualizada fica em 153,8 milhões de toneladas.

Em setembro passado, a primeira previsão da consultoria estava em 169 milhões de toneladas. Esse número baixou para 161,6 milhões de toneladas no começo de novembro. Um mês depois, voltou a cair, para 158,8 milhões de toneladas.

Desta vez, no entanto, as quebras previstas não têm encontrado eco na valorização das cotações do grão, como costuma ocorrer quando se prevê uma oferta menor da commodity. E isso é explicado pela conjuntura global de produção do grão, segundo André Pessoa, presidente da Agroconsult.

“Temos que ficar atentos à Argentina. O Brasil vai produzir 15 milhões de toneladas a menos do que poderia e 6 milhões de toneladas a menos que na safra passada. Só que lá, a produção vai passar dos 20 milhões de toneladas para pelo menos 52 milhões de toneladas”, afirma Pessoa.

Ou seja, a tendência é que o produtor colha menos e ganhe menos por tonelada colhida. No efeito dominó do El Niño, o impacto do clima sobre a produtividade foi bem sentido.

De acordo com a Agroconsult, nos principais estados produtores de soja, a queda chega a superar 11 sacas por hectare, como é o caso do Mato Grosso, que deve passar de 63,8 em 2022/2023 para 52,5 sacas por hectare na safra atual. Em nível nacional, a produtividade será de 4 sacas a menos por hectare se comparada ao ano passado.

Ele afirma que a combinação de falta de chuvas com temperaturas acima da média histórica contribuem para os problemas enfrentados pelos produtores de soja. “Tivemos registros de pelo menos 3 graus de temperatura acima dos registros históricos”, diz Debastiani.

“Quem fez a plantação precoce, vai apresentar um desempenho pior de quem deixou para plantar mais tarde. E não que esse último grupo terá uma produtividade ótima, mas será melhor que os precoces”, diz Debastiani.

Ele afirma que os mapas meteorológicos indicam um volume maior de chuvas em janeiro e fevereiro. “Chuva em excesso pode atrapalhar a colheita, inclusive afetando a qualidade do grão. As chuvas agora podem também prolongar o ciclo, com os produtores deixando para colher mais tarde”, explica.

No balanço do Rally da Safra, foi destacado também o alto índice de replantio nos estados que mais produzem soja. Segundo o levantamento do Rally da Safra, no Mato Grosso o replantio chegou a 8,5% da área, o que representa mais de 1 milhão de hectares. Goiás tem um índice parecido, com 8,7% de replantio, ou 360 mil hectares.

Em percentual, os índices mais altos estão no Nordeste e no Norte. A Bahia lidera a lista, com 15%, ou 286 mil hectares. Logo após vêm Piauí, com 12%, Rondônia, com 10,1%, Maranhão, com 10%, e Tocantins, com 10%.

Além do replantio, Debastiani registrou uma tendência ainda mais radical, com produtores abandonando suas plantações de soja. “No Mato Grosso, houve um crescimento de 13% na área de algodão”, conta.

Soja atrapalhando o milho

A Agroconsult não apresentou, nesse balanço do Rally da Safra, projeções sobre o milho de inverno, conhecido também como segunda safra.

Mas os especialistas já adiantam que o ciclo mais conturbado da soja deve ter reflexos diretos e negativos na produção de milho.

“Para o milho, temos dois problemas principais esse ano. O primeiro é o atraso na soja, que acaba prejudicando a janela de plantação de milho. O segundo é o preço. Quando a cotação vale a pena, o produtor até se dispõe a arriscar um plantio mais tardio. Não é o caso esse ano”, diz Debastiani.

A Agroconsult trabalha com uma redução de 6% na área plantada de milho para a safra de inverno. “Acredito que poderemos chegar a 94 milhões de toneladas na segunda safra, e então chegar perto de 120 milhões de toneladas no total da safra”, projeta o especialista. Na safra 2022/2023, foram produzidas mais de 130 milhões de toneladas de milho.

“Não acreditamos em projeções catastróficas, como um índice de menos de 30% de área plantada. No Piauí teremos um cenário de diminuição mais intensa de área, mas no Paraná, que é um grande produtor de milho segunda safra, vemos um aumento de área”, diz André Pessoa.

Ricardo França, head de Agronegócios do Santander Brasil, que participou da apresentação como patrocinador do Rally da Safra, afirmou que o banco está atento a esse cenário mais desafiador.

“Em 2023, tínhamos uma meta de chegar a R$ 50 bilhões em crédito rural e conseguimos atingir. Para 2024, teremos uma meta pública em breve. Mas estamos atentos aos produtores, para saber de onde vem as possíveis quebras de safra e, a partir daí, atender as necessidades de cada um”, diz França.

O executivo do Santander afirma que alguns produtores conseguiram fazer uma boa trava de custos no início da safra, o que garante uma rentabilidade da produção. “Assusta um pouco a queda dos preços em algumas regiões. Mas estamos vendo de perto se o produtor consegue o suficiente para pagar as operações de crédito, e seguir. Vamos ter que apoiar”.