Os seis protagonistas estão em volta de uma mesa retangular, na sala de uma das unidades da Coopavel Cooperativa Agroindustrial. É uma quarta-feira de agosto, no meio da manhã.

Por mais de uma hora, eles deixam suas funções e interagem com uma tela de televisão. Resumem seus últimos anos, desde seus países de origem até Cascavel, polo do agronegócio com 364 mil habitantes no Oeste paranaense, de onde relatam suas histórias.

Joselin Del Carmen Franco Mata, é a primeira. Formada em contabilidade, trabalhava em uma agência bancária e seguiu, sozinha, o caminho de milhões de seus conterrâneos. Diante do colapso financeiro e político da Venezuela, há nove anos atravessou a fronteira brasileira rumo a Boa Vista, capital de Roraima.

Principal porta de entrada de venezuelanos no Brasil, a única capital brasileira acima da Linha do Equador, no extremo norte brasileiro, há tempos não consegue absorver tanta gente e mão-de-obra. Após mais de um ano por lá, um militar lhe sugeriu a mudança para Cascavel. Lá, encontraria emprego e mais oportunidades, conta ela.

Joselin topou, foi para o Paraná e logo surgiu a oportunidade de emprego. Mesmo com a barreira do idioma, conseguiu uma vaga na Coopavel. De auxiliar de escritório, migrou para auxiliar de logística e por lá segue. Se adaptou rapidamente ao novo país, à língua portuguesa e à comida. Trouxe mãe e irmãos para cá. “A oportunidade está no Brasil”, resumiu.

Junior Marius está no Brasil há mais tempo. São mais de dez anos por aqui. Ele tocava, ao lado do pai, uma pequena propriedade rural de criação de gado no Haiti. Mas roubos de animais em um país devastado por um terremoto seguido de conflitos civis de gangues os obrigaram a deixar a nação caribenha.

Com o Brasil em mente, em 2014 veio direto para Cascavel e foi recebido por um primo. Com francês e criolo como idiomas nativos, sofreu mais do que Joselin para se adaptar. Também foi acolhido pela cooperativa nas operações de recepção de aves para abate em uma das unidades frigoríficas.

Também foi promovido e hoje é encarregado na linha de produção. “Agora sou um brasileiro. Mantenho contato com pessoas que moram fora e o Brasil é um dos países que melhor recebe estrangeiro”, contou o sempre sorridente Marius.

Conterrânea de Marius é a também sorridente haitiana Redonda Doriscar. Há quase sete anos no Brasil, veio com pai e irmãos para Cascavel em 2019. A mãe veio antes, passou por Manaus (AM) e se estabeleceu no município paranaense onde familiares já residiam.

Com apenas 15 anos à época, Redonda foi estudar português, uma forma de se adaptar ao novo país, segundo ela. Depois, veio a faculdade de enfermagem, o trabalho em um supermercado e, em seguida, o emprego na Coopavel. Foi contratada como auxiliar de produção e promovida para inspetora de garantia de qualidade.

Por lá, dizem, a moça é rígida. Mas tem um coração do tamanho do seu sorriso e do seu empenho. “As pessoas me trataram muito bem e tenho que agradecer a todos. Mas lidar com gente não é fácil, tem de cobrar o que está errado, dar uma puxada na orelha”, brinca a haitiana em portugês fluente.

Luis Alfonzo Rodriguez e Carlos Eduardo Bautista Jimenes são outros dois venezuelanos na sala. Com personalidades distintas, Rodriguez é mais tímido e Jimenes mais extrovertido. Engenheiro mecânico, Rodriguez chegou ao Brasil há quatro anos com a família na onda migratória do país vizinho. Se estabeleceu em Manaus e arrumou emprego fora de sua área. Mas seus pais não conseguiram trabalho.

“A virada”, segundo ele, veio quando um vizinho sugeriu que eles migrassem para Cascavel. Logo após a nova mudança, Rodriguez arrumou emprego na área e, em seguida, foi contratado pela Coopavel.

“Já prestava serviço aqui e, quando viram um projeto meu, me chamaram”, disse o agora desenhista mecânico da cooperativa. Mãe, pai e irmã de Rodriguez também foram empregados pela Coopavel e na cooperativa o venezuelano conheceu sua atual namorada. Uma brasileira, por sinal.

O caminho de Jimenes foi mais tortuoso. Com conhecimento agrícola por morar e estudar em uma escola agropecuária no interior da Venezuela, seguiu na área quando imigrou, em 2020, com a mulher e três filhos para o Brasil. A primeira parada foi em Boa Vista, onde trabalhou como diarista em propriedades rurais da região.

Dois anos depois, foi indicado pelo próprio patrão para um emprego fixo: administrar a fazenda do empresário e ex-senador Rudson Leite, em Cantar, município a 70 quilômetros da capital.

“Tudo ia muito bem, tinha carteira assinada e gostava do serviço. Mas o problema era a educação dos meus filhos, que era muito difícil por causa da locomoção até a escola”, explicou.

Com irmão já estabelecido em Cascavel, Jimenes explicou a situação ao ex-senador e conseguiu ajuda dele e da Operação Acolhida, da Polícia Federal. O processo demorou quatro meses até que todos desembarcassem no Paraná, há três anos.

“Comecei a procurar emprego e me falaram que a Coopavel era uma empresa receptora de imigrantes”. Jimenes foi contratado como auxiliar de carregamento e expedição. Em pouco mais de um ano já era monitor do setor. A esposa e o filho mais velho também conseguiram emprego na cooperativa.

“Como imigrante, posso garantir que o Brasil é o melhor do mundo. Hoje a gente vê conterrâneos nosso sendo deportados e repatriados pelos Estados Unidos, enquanto aqui fomos acolhidos, recebemos documentos, moradia e oportunidade”, resumiu Jimenes, o último estrangeiro a interagir com a televisão, que funcionou como o canal da entrevista, por videoconferência, dos cinco estrangeiros com a reportagem do AgFeed.

Eles são apenas dois haitianos entre os 1.169 e apenas três venezuelanos entre os 1.084 que trabalham na Coopavel. Com sede e 18 agroindústrias em Cascavel, 34 filiais em 21 municípios, 8 mil cooperados e R$ 5,3 bilhões de faturamento, a gigante paranaense se tornou o maior polo receptor de migrantes no cooperativismo brasileiro.

Dos 7.701 funcionários, 2.355, ou 30,6%, são estrangeiros, de 17 nacionalidades. A imensa maioria, como mostram os números, é haitiana e venezuelana. Os colaboradores dos dois países respondem, juntos, por 29,3% da força de trabalho total e por 95,7% da estrangeira na cooperativa.

Para efeito de comparação, dados do governo federal apontam que menos de 1% dos empregados formais no Brasil são estrangeiros.

De acordo Aguinel Marcondes Waclawovsky, gerente de Recursos Humanos da Coopavel, uma série de fatores, juntos, explica como a cooperativa se transformou em um exemplo único de pluralidade e acolhimento para esses estrangeiros.

O principal fator é o próprio município. Um dos cinco maiores do Paraná, Cascavel sempre foi terra de forasteiros, tem porte grande e infraestrutura capazes de acolher brasileiros e ondas migratórias como a haitiana e a venezuelana. O segundo fator é a própria cooperativa, maior empregadora do município.

“Outras grandes cooperativas estão em cidades menores que não têm infraestrutura nem privada e nem pública para suportar a vinda dos estrangeiros”, explicou Waclawovsky. Ele cita a Copacol, em Cafelândia, com 17 mil habitantes, e a Cooperativa LAR, em Medianeira, com 54 mil habitantes, como exemplos.

A predominância dos haitianos e venezuelanos no quadro de funcionários da Coopavel veio na esteira de duas ondas migratórias. Há mais de uma década, a unidade do exército brasileiro no município se tornou referência para o acolhimento dos imigrantes haitianos, que foram trabalhar na construção civil e também na cooperativa.

A comunidade do país caribenho se consolidou. “Como exemplo, Cascavel tem sete rádios comunitárias para os haitianos”, citou o executivo.

De acordo com o gerente de Recursos Humanos da Coopavel, a segunda onda migratória, a venezuelana, generalizada no Brasil, encontrou em Cascavel as condições econômicas e sociais perfeitas para abrigar os estrangeiros. Waclawovsky conta que entre as duas nacionalidades a principal barreira para a adaptação no município e na Coopavel foi a do idioma para os haitianos.

“Os venezuelanos conseguem entender o português e se adaptam melhor, mas os haitianos têm dificuldade, e nós que tivemos de nos adaptar. Fizemos os primeiros treinamentos, a integração e até os contratos em francês e em criolo”, explicou.

O sexto elemento

De volta à mesa de venezuelanos e haitianos, o sexto personagem não é um forasteiro.

Willian Almeida Polido é brasileiro, mas também foi acolhido pela Coopavel. Após trabalhar por dez anos na cooperativa, ascendeu até a área de exportação. Mas não dominava a língua inglesa, um dos principais requisitos para o cargo.

Em 2022, Polido pediu demissão e foi morar e estudar o idioma inglês na Irlanda. Em oito meses, enfrentou todos os perrengues que estrangeiros passam em outra nação. Para se sustentar, lavou louças e cortou legumes em restaurantes e grama em campos de rugby.

Aprendeu o novo idioma e voltou para Cascavel. “Fiquei 14 dias desempregado e nem tive tempo de entregar currículos. A própria Coopavel me procurou e voltei”, concluiu o atual supervisor de exportação que, assim como seus colegas, também foi acolhido pela cooperativa.

Resumo

  • Coopavel se tornou referência nacional em acolhimento de imigrantes, com mais de 30% de seus funcionários sendo estrangeiros, em sua maioria haitianos e venezuelanos
  • Histórias individuais de migrantes mostram adaptação, ascensão profissional e a importância do suporte oferecido pela cooperativa
  • Infraestrutura de Cascavel ajudou a criar um polo único de emprego e inclusão acima da média nacional, que é de 1% dos trabalhadores estrangeiros.

Redonda Doriscar: haitiana está na cidade há sete anos e hoje é inspetora de qualidade

Calos Eduardo Bautista Jimenez: venezuelano, passou por Roraima antes de chegar a Cascavel

Joselin Del Carmen, venezuelana: "A oportunidade está no Brasil"

Luiz Alfonso Rodriguez: "Quando viram um projeto meu, me chamaram", diz o engenheiro mecânico venezuelano

Junior Marius: de pequeno pecuarista no Haiti a encarregado de produção na COopavel

Linha de produção em frigorífico da cooperativa: processos e treinamentos adaptados para incluir migrantes

Vista de Cascavel: com mais de 360 mil habitantes, cidade oferece infraestrutura capaz de acolher migração