Já faz alguns anos que é praticamente certo encontrar - seja na previsão de safra de uma consultoria ou em relatório de banco sobre o mesmo tema - uma espécie de asterisco em cima do Rio Grande do Sul.
Há uma semana, por exemplo, quando André Pessoa apresentou as projeções da Agroconsult para a temporada 2025/26, mesmo sinalizando uma safra recorde de soja, com 178,1 milhões de toneladas, citou um clima estável com “atenção especial ao estado gaúcho”.
A região tem vivido, é verdade, extremos climáticos, com secas severas nos anos de La Niña e uma tragédia histórica no ano passado devido a enchentes em várias cidades do estado. Mas apesar da dificuldade que deve persistir nos grãos, outros setores se mostram mais animadores.
Essa é a visão dos analistas Guilherme Palhares e Laura Hirata, do Santander, que passaram os últimos dias visitando uma série de fazendas e empresas agrícolas no Rio Grande do Sul.
Os dois publicaram um relatório a respeito das percepções dessa viagem, e notaram uma preocupação com os produtores de soja, mas uma animação no setor de biocombustíveis e de proteína animal.
Na agricultura, Palhares e Hirata citam que, de modo geral, os agricultores da região demonstraram muita preocupação com a insuficiência de chuvas após o plantio de soja realizado no último mês.
Apesar disso, a projeção é de uma safra melhor que a do ano passado. O último levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), apontou uma alta de 35% na produção de soja no RS, que deve passar de 16,6 milhões de toneladas em 2024/25 para 22,4 milhões de toneladas em 2025/26.
“As pesquisas de mercado sugerem menor investimento na colheita atual, o que pode limitar o potencial de rendimento. Os produtores ainda continuam a enfrentar perdas de safra, disponibilidade limitada de crédito, inflação de custos e uma mudança para insumos mais baratos”, disseram os analistas do Santander no documento.
Segundo o Santander, essa dinâmica também está pressionando as cooperativas, que não ficaram imunes ao ambiente desafiador. Um caso emblemático é o enfrentado pela Cotribá, uma das cooperativas mais antigas do País, que briga na justiça por uma blindagem junto aos credores.
Do lado positivo, os analistas enxergam que culturas de inverno, principalmente a canola, estão se expandindo, com a região mais ao sul do estado se adaptando a um mercado mais dinâmico com fazendas mudando do cultivo de arroz para a produção de soja e gado.
O avanço da canola está ligado a outra perspectiva positiva do Santander em relação ao agro gaúcho: o setor de biocombustível.
“Essa indústria está experimentando forte crescimento, com empresas investindo em várias partes da cadeia de suprimentos, incluindo diversificação regional, aumento da capacidade de esmagamento e o desenvolvimento de novos subprodutos e matérias-primas”, afirma o relatório.
“As conversas indicaram otimismo em relação à expansão da área de canola, embora o excesso de oferta de farelo de soja continue sendo uma preocupação importante”, acrescentaram os analistas do Santander.
A 3tentos, que também foi visitada pelos analistas do Santander, é uma das impulsionadoras desse mercado.
No último balanço divulgado pela companhia da família Dumoncel, é pontuado que a empresa avançou no “fomento à cadeia da canola no Rio Grande do Sul, abrangendo desde a comercialização de insumos até o processamento industrial”.
A 3tentos atua com uma espécie de prêmio para a canola, o que ajuda o produtor a plantar o grão sabendo que encontrará comprador. Somado a isso, os braços financeiros da empresa ajudam o agricultor com ferramentas de barter, o que dá mais liquidez à cadeia.
A safra da canola tem sua colheita no início de outubro, e também de acordo com a Conab, neste ano a cultura ocupou 209,9 mil hectares no estado gaúcho, praticamente quase toda área com o cultivo no Brasil inteiro (211,8 mil hectares).
O avanço nacional é de 43% em um ano. A produção estimada pela Conab é de 309 mil toneladas, 58% acima de 2024.
Por fim, o Santander ainda vê uma perspectiva positiva na pecuária do Rio Grande do Sul. “As reuniões destacaram o forte impulso para os produtores de proteína animal no RS. Os participantes do setor permanecem otimistas em relação aos preços do gado em 2026, em meio à retenção contínua de vacas”, diz o relatório.
Em relação aos suinocultores, o banco cita uma dinâmica de custos favoráveis, com baixos preços do farelo de soja e oferta abundante de milho. Nas exportações, acredita que o Brasil está bem posicionado para se beneficiar do cenário de peste suína africana que acontece na Europa, e prejudica as exportações espanholas.
Nesta semana, a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), pontuou que a exportação de carne suína brasileira deve atingir 1,49 milhão de toneladas, avanço de 10% em um ano.
Para 2026, a expectativa é atingir cerca de 1,5 milhão de toneladas, alta de 4% frente ao previsto para 2025. O presidente da associação, Ricardo Santin, disse que é provável que o Brasil se transforme no terceiro maior exportador mundial de carne suína, ao avaliar que o Canadá deve vender uma faixa de 1,35 milhão de toneladas neste ano.