A ofensiva de Donald Trump contra países como China, México e Canadá vem causando muita volatilidade no mercado de commodities.
Quando o maior comprador mundial de carne suína, por exemplo – o México – corre o risco de pagar 25% de tarifa para importar dos EUA é fato que o mundo especula onde ele terá que buscar o produto, mexendo com os preços. Nesse caso, Trump desistiu da tarifa antes dela entrar em vigor, com o México sinalizando ceder nas questões que são importantes para o presidente americano. A proposta foi postergada por pelo menos 30 dias.
No mercado da soja, porém, a expectativa é de que a tensão deva durar mais tempo. Isso porque estamos falando de duas grandes forças: o maior comprador mundial de soja, a China, de um lado, e o segundo maior exportador da oleaginosa de outro, já que EUA só perde para o Brasil nesse setor.
Além disso, ao contrário do Canadá, que também contou com o adiamento da tarifa para que haja negociação, no caso chinês a taxação de 10% realmente entrou em vigor nesta terça-feira. E veio acompanhada, de imediato, do anúncio de uma retaliação por parte da China.
Pequim anunciou uma tarifa de 15% sobre a importação de energia dos EUA e de 10% sobre petróleo e equipamentos agrícolas americanos.
Será que a soja e o milho americanos também serão tarifados? Para o especialista em mercado de soja, Pedro Dejneka, da MD Commodities, que mora em Chicago, “daqui algumas semanas é provável que as commodities agrícolas também entrem na dança”.
Mesmo assim, o analista diz que é muito difícil saber com exatidão quando e como cada país vai agir e quais produtos serão afetados. Ele critica “opiniões vazias” que rondam o mercado, destacando que “a mais pura realidade é: não sabemos exatamente como EUA e China se comportarão na "Guerra Comercial 2.0".
Feita essa ressalva, Dejneka disse ao AgFeed que, na sua opinião, as negociações entre os dois países estão apenas no início, por isso ainda não estaria configurada a “guerra” e sim um “atrito comercial”. Mas é fato, na visão dele, que o clima pode se intensificar antes de uma possibilidade real de acordo, seja parcial ou integral.
“Acredito que o mercado está seriamente subestimando a possibilidade de uma intensificação da tensão comercial entre os dois países - o jogo está apenas começando e Trump 2.0 não veio pra brincar”, afirmou.
Efeito nos preços
Para Guilherme Britzki, sênior broker da McDonald Pelz, importante corretora internacional de grãos, uma tarifa de 10% - que ainda nem foi aplicada pela China para a soja americana – “já foi precificada no mercado”.
Caso a disputa se prolongue por mais tempo, a expectativa é que os prêmios da soja no Brasil se fortaleçam no segundo semestre deste ano, com forte demanda pela soja brasileira, na avaliação de Dejneka.
“Quanto aos preços em Chicago, se de fato houver o anúncio de tarifas adicionais e a negociação se esticar por meses, isto sem dúvida pesará negativamente nas cotações em Chicago, enquanto não houver acordo; não que altas não possam acontecer, mas seriam muito breves e devido a problemas climáticos ou alguma outra surpresa”, explica.
Já Guilherme Britzki admite que prêmios podem seguir suportados no segundo semestre, mas não acredita em efeitos significativos das tarifas sobre a soja. Segundo ele, a China sabe que pode comprar soja abundante na América do Sul e poderá usar isso a seu favor nessa disputa.
Nesta terça-feira, por exemplo, a soja subiu em Chicago. Além da tarifa que ainda não chegou à soja, alguns fatores influenciaram o mercado. Um deles é a expectativa que o fim da semana de feriados do Ano Novo Chinês marque compras mais fortes por parte do país asiático, que estaria com estoques mais baixos.
No Brasil, os prêmios estão em tendência de alta, subiram 15 centavos de dólar por bushell desde a semana passada. Mas, segundo Guilherme Britzki, não é o efeito Trump que está pesando e sim a taxa de câmbio que saiu do patamar acima de R$ 6 para R$ 5,80, afastando os produtores rurais dos negócios com as tradings.
Também tem deixado o mercado da soja mais tenso por aqui uma mudança no padrão de fluxo das exportações. A colheita está muito atrasada em relação à média histórica, em função do excesso de chuvas em Mato Grosso, por isso a disponibilidade do produto não está acompanhando o que era previsto pelos embarcadores.
Brasil mais competitivo
Uma das questões destacadas pelos analistas é que a soja brasileira já está mais competitiva do que a norte-americana. Com os preços que estão sendo praticados nesta terça-feira, por exemplo, o comprador chinês paga entre US$ 30 e US$ 50 a menos por tonelada se opta pelo produto brasileiro. É um movimento tradicional do mercado no primeiro semestre, quando é colhida a safra brasileira, especialmente em anos como esse, em que a produção de soja será recorde por aqui.
“A soja brasileira é mais abundante, mais barata e na vasta maioria dos casos, de melhor qualidade. Com ou sem 'tarifas' ou 'guerra comercial 2.0', os EUA devem exportar cada vez menos soja à China”, opinou Pedro Dejneka.
Ele lembra que o Brasil exporta em torno de 75 milhões de toneladas de soja para o país asiático e que os EUA venderam menos de 25 milhões de toneladas.
“Esta diferença deve aumentar nos próximos anos. A exceção seria um 'acordo comercial' entre EUA e China - que na minha visão seria apenas temporário - levando em consideração que a China não cumpriu o acordo assinado em 2020”, alertou.
O sócio da MD Commodities acredita que se uma tarifa for aplicada para a soja americana, o Brasil poderia facilmente exportar até 80 milhões de toneladas para os chineses. O volume total exportado, incluindo os outros mercados, poderia chegar a 110 milhões de toneladas.
A resposta, portanto, à pergunta que deu título a essa reportagem seria: talvez exporte um pouco mais soja, seriam pelo menos 5 milhões de toneladas no cálculo de Dejneka, mas não deve ser nada muito diferente do já poderia ocorrer. Afinal, como disse Guilherme Britzki, “a China não precisa da soja dos EUA”.
Milho tem cenário diferente
O analista Pedro Dejneka explica que no caso do milho a situação é um pouco diferente. Os EUA produzem e exportam mais e a própria China é importante produtora.
“O Brasil é competitivo, esse ano mais competitivo do que era ano passado. A China não vem importando muito milho, eles têm uma produção enorme por lá, o preço doméstico deles também está relativamente baixo comparado a 2021, 2022 e até 2023, mas o mercado de milho tem uma dinâmica diferente agora do que o mercado de soja”, explica.
Dejneka acredita que caso haja um acordo comercial entre China e EUA há boas chances de o milho estar contemplado nesta lista, o que teria um “efeito altista” para as cotações do cereal em Chicago, desfavorecendo o produto brasileiro.
De qualquer forma, ele lembra que a inclusão do milho num acordo comercial não é garantia de cumprimento, já que no que chama de “Trump 1.0” a China não comprou os volumes previstos de grãos.
“O governo americano liderado pelo Trump está observando isso, está analisando esses dados e sem dúvida vai incluir esse fato em uma potencial negociação agora nessa versão 2.0, o que me faz acreditar que estamos apenas no início dessa negociação”.
A expectativa este ano é que o Brasil volte a exportar um volume próximo de 45 milhões de toneladas de milho, bem mais que em 2024. Porém, o sócio da MD alerta que tudo vai depender do clima na safrinha, considerando que o plantio já está atrasado e é necessário observar como se comporta nas próximas semanas.
No mercado do milho, as negociações com o México também são importantes. Os mexicanos são primeiros no ranking dos importadores de milho americano e, caso sofressem a taxação, teriam que buscar em outros mercados - quem sabe, o Brasil. Mas as notícias dos últimos dias confirmaram a postergação dessa possível tarifa por 30 dias.
Para Samuel Isaak especialista em commodities da XP Investimentos, se Canadá e México sustentassem uma guerra tarifária entrariam em recessão por causa da dependência econômica com o país vizinho.
Segundo ele, contar com tarifas contra China para ter alta de preços de produtos agrícolas no Brasil é algo muito incerto. Outro fator que também poderia ocorrer caso houvesse uma guerra comercial entre México e Estados Unidos, e o país latino-americano retaliasse as exportações norte-americanas seria uma mudança no fluxo global de comércio, principalmente de suínos e frango, lembrou o analista da XP.
"Com a recuperação dos rebanhos de suínos na China, o México passou a ser o maior importador de suínos e o segundo de frango do mundo. Se o México retaliasse os Estados Unidos, seu maior fornecedor, haveria uma mudança de fluxo global", afirmou.