A utilização da recuperação judicial (RJ) como resposta às crises econômico-financeiras no agronegócio tem sido recorrente, em especial no caso de produtores rurais. Não há dúvidas a respeito da possibilidade jurídica da utilização da ferramenta pelo produtor rural, ainda que organizado como pessoa física. Contudo, mesmo com recentes alterações legislativas que buscaram delimitar condições de acesso, ainda não se verifica uniformidade ou padrão na exigência dos requisitos pelo Poder Judiciário.
E qual a relação do Ministério Público (MP) com tais processos?
Neste ponto, é válido recordar que o trâmite legislativo da Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005) vetou previsão que obrigava a intervenção do órgão nos processos de recuperação judicial, falência e processos relacionados. A justificativa, bastante plausível, mirou em não sobrecarregar o MP e evitar morosidade no andamento dos processos concursais.
Ainda assim, há diversas previsões ao longo da legislação de insolvência que trazem hipóteses de intervenção do MP.
Essas previsões, que podem ser interpretadas como eventual discricionaridade do juiz em oportunizar a oitiva do fiscal da lei e do próprio MP em atuar, não almejaram afastar a fiscalização dos processos, mas sim torná-la mais assertiva, de modo a canalizar os esforços do MP aos momentos e eventos em que sua participação é fundamental.
Justamente nessa linha, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público recomendou atuação especializada dos representantes estaduais nos processos de recuperação judicial (Recomendação nº 102/2023), tanto para fins de avaliar o cumprimento de requisitos de acesso à recuperação judicial, o que envolve a análise formal da regularidade dos documentos apresentados pelos devedores, para fins de verificação do preenchimento de requisitos, quanto para atuar como fiscal da ordem jurídica no âmbito da análise dos créditos e do cumprimento da lei em disputas relacionadas às garantias.
Voltemos à questão proposta: a relação do MP com as recuperações judiciais de produtores rurais e de agentes do agronegócio é, a nosso ver, essencial na busca por maior segurança jurídica na aplicação de legislação que foi reformada em 2020 e até o momento não alcançou uniformidade na jurisprudência.
A particularidade das exigências realizadas pela lei para que o produtor rural pessoa física possa pedir RJ, por exemplo, bem como as que permeiam as relações contratuais e garantias que integram a cadeia agroindustrial, acarretam complexidade adicional a esses casos.
A intervenção do MP nas RJs do agronegócio, apesar de não ser uma constante até o momento, conta com exemplos interessantes.
O mais recente se deu em processo recuperacional em curso na 2ª Vara Empresarial de Salvador (Processo n.º 8224325-27.2025), em que o MP do Estado da Bahia recorreu da decisão que antecipou os efeitos da RJ aos devedores, a despeito de, nos termos da intervenção em questão, os requisitos legais para tal não terem sido integralmente atendidos.
O caso mencionado exemplifica hipótese de intervenção pontual, mas certeira – dado que indica os gargalos do pedido de RJ e da atuação jurisdicional antes mesmo da própria autorização judicial para o início da RJ.
Caso outros representantes do órgão fiscalizador da ordem jurídica sigam a mesma linha, é possível que o árduo caminho para a uniformização jurisprudencial encontre alguns atalhos de relevância, tanto aos agentes econômicos em crise no setor, quanto aos agentes de financiamento do agronegócio.
A insegurança atual é, sem dúvidas, prejudicial a ambos.
José Afonso Leirião Filho é mestre em Direito Comercial pela PUC/SP e sócio do VBSO Advogados