Por Sinara Travisani e Ticiane Figueirêdo
As mudanças climáticas que, dentre outros efeitos, aceleram a reprodução de algumas pragas, bem como o importante papel que o Brasil desempenha na produção global de alimentos, fazem com que a jornada para nos tornarmos líderes globais na produção (e adoção) de bioinsumos seja um caminho natural e, em alguma medida, necessário.
Primeiro, porque esses produtos biológicos se apresentam como uma alternativa aos fertilizantes químicos e defensivos agrícolas convencionais, não apenas por promover uma a sustentabilidade ambiental, mas também produtividade das lavouras.
Segundo, porque o cenário de competitividade global, pressionado por um mercado consumidor cada vez mais exigente, impõe uma série de restrições socioambientais e relacionadas à proibição ou diminuição de resíduos de defensivos agrícolas .
Assim, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de bioinsumos (produtos de controle, inoculantes, bioestimulantes e solubilizadores) no Brasil ganham uma grande importância.
No entanto, para que a inovação chegue dentro da porteira, o setor de bioinsumos precisa de incentivos de mecanismos que garantam a proteção e a valorização de novos produtos no mercado. Nesse contexto, as patentes verdes surgem como um instrumento essencial para impulsionar a competitividade das empresas e estimular a adoção de novas tecnologias agrícolas.
Os bioinsumos vêm ganhando espaço na agricultura brasileira, especialmente em culturas como a soja, onde a fixação biológica de nitrogênio já é amplamente utilizada. Outros exemplos de sucesso incluem o controle biológico de pragas, como o uso de vespas parasitoides na cana-de-açúcar.
Mas, apesar do crescimento do setor, desafios ainda limitam sua expansão, como a concentração da produção no eixo Sul-Sudeste, a burocracia para registro de novos produtos e a falta de incentivo à pesquisa e desenvolvimento de bioinsumos inovadores.
A inovação no setor agrícola exige mais do que apenas pesquisas acadêmicas. É fundamental que novas tecnologias cheguem ao mercado e se tornem produtos competitivos. Nesse sentido, a propriedade intelectual desempenha um papel estratégico.
A proteção por patente permite que empresas e instituições de pesquisa tenham segurança jurídica para investir em novos bioinsumos, garantindo exclusividade no mercado e possibilitando um retorno sobre o investimento em inovação.
Sem a proteção adequada, muitas tecnologias promissoras correm o risco de serem copiadas antes mesmo de sua adoção em larga escala, reduzindo os incentivos para novas pesquisas e desenvolvimento.
O Programa de Patentes Verdes do INPI é um mecanismo importante para acelerar esse processo. Criado em 2012, o programa reduz o tempo de análise de patentes de 4,5 anos para cerca de 9 meses, permitindo que novas tecnologias sustentáveis sejam rapidamente protegidas e disponibilizadas no mercado com exclusividade pelo titular.
Até 2024, mais de 1.097 pedidos de patente participaram do trâmite prioritário, sendo que 204 estavam diretamente ligados à agricultura sustentável, incluindo biofertilizantes e agentes de controle biológico. Apesar desse avanço, a participação de bioinsumos no total de patentes verdes ainda é limitada, representando apenas 18% das inovações sustentáveis registradas no Brasil.
Para que a agricultura brasileira realmente se beneficie da revolução dos bioinsumos, é essencial fortalecer a cultura da inovação e da proteção intelectual no setor. Algumas medidas estratégicas podem impulsionar esse processo:
• Proteger e valorizar a inovação: Empresas que desenvolvem novos bioinsumos precisam registrar suas tecnologias para garantir exclusividade no mercado, aumentando seu valor competitivo e protegendo-se contra cópias.
• Acelerar a adoção de novas tecnologias: Com a proteção por patente, startups e empresas podem buscar parcerias estratégicas e investimentos para escalar sua produção e comercialização.
• Estimular parcerias público-privadas: A colaboração entre universidades, centros de pesquisa e empresas pode acelerar o desenvolvimento de bioinsumos inovadores e viabilizar sua inserção no mercado.
• Desburocratizar o registro de bioinsumos: A legislação ainda impõe barreiras para a aprovação de novos produtos biológicos, dificultando sua entrada no mercado. Um processo mais ágil poderia incentivar mais empresas a investirem no setor.
• Expandir o mercado de carbono, créditos verdes e de biodiversidade: com o avanço do mercado regulado de carbono e ampliação dos estudos sobre as metodologias de redução e emissão de gases de efeito estufa, além do aumento dos financiamentos destinados a projetos ESG dos estudos relacionados aos ganhos ecossistêmicos.
A proteção por patentes não apenas fortalece as empresas inovadoras, cujas pesquisas trazem segurança e controle de qualidade para os bionsumos que lançam no mercado, mas também contribui para a competitividade do agronegócio brasileiro no cenário internacional.
Países como os Estados Unidos e a China já avançaram na adoção de bioinsumos protegidos por patentes, criando um diferencial competitivo que pode colocar o Brasil em desvantagem caso o país não acelere sua própria política de inovação no setor.
As patentes verdes são uma ferramenta essencial para acelerar a competitividade brasileira no mercado de bioinsumos, o que impulsionará, ainda mais, o país no mercado global de commodities e créditos verdes.
Com seu vasto território, vocação agrícola e potencial no mercado de carbono, o Brasil tem todas as condições para se tornar uma referência mundial na produção e adoção de bioinsumos.
Entretanto, para que isso se concretize, é fundamental que toda a pesquisa e desenvolvimento realizados recebam a devida proteção e prioridade nos registros, garantindo, assim, uma vantagem competitiva para as empresas e promovendo uma agricultura mais eficiente e ambientalmente responsável.
Ticiane Figueirêdo, sócia especialista em Agribusiness, e Sinara Travisani, especialista em Propriedade Intelectual do Souto Correia Advogados.