O assunto mais importante do momento é o anúncio do presidente norte-americano Donald Trump sobre a aplicação de tarifas de 50% às importações de produtos brasileiros, que se iniciaria a partir do dia 1º de agosto.

As discussões em torno dos motivos e do embasamento para as tarifas não são objeto deste artigo. No entanto, cabe destacar a grande preocupação de representantes do agro em relação à forma com que o assunto está sendo conduzido pelo poder executivo.

É fato que o presidente dos Estados Unidos não deu abertura para negociações pelos canais escolhidos pelo governo brasileiro. Mas também é notório o posicionamento do presidente Lula, que parece querer dobrar a aposta por meio de bravatas e sugestões impraticáveis, negadas até pelos seus pares representantes das maiores economias que compõem os BRICS.

É preciso entender que não há equivalência em um conflito envolvendo um país contra um outro, cuja economia é 14 vezes maior. O resultado provável será o crescente isolamento do Brasil, apesar de toda a sua importância como fornecedor global de alimentos.

Por mais que o tacanho e velho sentimento antiamericano renda aplausos a cada bravata do presidente brasileiro, a sociedade poderá arcar com as consequências.

Hoje é praticamente consenso entre os estudiosos em relações internacionais que o pior desfecho seria a retaliação por parte do Brasil. É importante esfriar os ânimos ao invés de estimular o conflito tratando o assunto como se fosse uma partida de truco.

Para a pecuária brasileira, o maior impacto é de curto prazo, o que vem se confirmando desde o anúncio das tarifas. Diante das incertezas com relação aos embarques aos Estados Unidos, era esperada a redução do abate pelos frigoríficos que os atendem até que a situação fosse definida.

Ao procederem assim, acabam afetando as demais indústrias que precisarão aguardar para avaliar como ficará o mercado interno, ou aproveitarão o movimento para pressionar os preços da matéria-prima, ou seja os preços de bois e vacas para abate.

Algumas análises divulgadas minimizam a importância das exportações aos Estados Unidos. O raciocínio se baseia na tese de que essas exportações representam menos de 2% do que é produzido no Brasil. Sendo assim, essa carne seria rapidamente absorvida pelo mercado interno. Acreditam que todo o movimento de baixa no mercado seria fruto de especulações por parte dos frigoríficos.

Embora os compradores realmente estejam usando a situação para aumentar a pressão baixista, que já vinha em curso antes do anúncio, é preciso olhar para o cenário com um pouco mais de cuidado. O número usado nessa análise compara as exportações de 2024, em toneladas métricas de carne sem osso, com a produção total de carne bovina do mesmo ano, em toneladas de carcaça (com osso).

No primeiro semestre de 2025, as exportações de carne bovina aos Estados Unidos aumentaram 112%, portanto o número seria mais que o dobro do usado no cálculo. A produção total de carne inclui toda a produção formal (fiscalizada) somada à informal, cuja parcela considerável – cerca de 2/3 - é referente aos animais abatidos para consumo das famílias nas próprias unidades de produção, tanto nas grandes como nas pequenas propriedades.

E mesmo entre o mercado formal, a oscilação do total da quantidade de carne exportada impactará diretamente os frigoríficos sob fiscalização federal (SIF), situação que abrange as indústrias com melhores posicionamentos também no mercado interno, salvo algumas exceções regionais. Portanto, a operação sob fiscalização federal é a de maior influência na precificação do mercado de carnes e de animais para abate.

Atualizando a análise da participação das exportações destinadas aos Estados Unidos em 2025 e considerando apenas a produção de carne sob fiscalização federal, nota-se que os norte-americanos absorveram 4,8% do total de carne SIF produzida no primeiro semestre. Em faturamento, considerando as proporções dos cortes exportados e o volume que fica no mercado interno, o mercado norte-americano respondeu por 6,7% do faturado na produção de carne fiscalizada pelo sistema federal no primeiro semestre.

E não pára por aí. Estima-se que os cortes do dianteiro representem 70% das exportações de carne bovina aos Estados Unidos. No primeiro semestre, esse volume correspondeu, em média, a 30 mil toneladas por mês, das quais 21 mil originadas de cortes do dianteiro e outras 9 mil toneladas do traseiro.

Pela proporção dos cortes desossados no dianteiro, na ponta de agulha (costela) e no traseiro da carcaça, e já computando a quantidade de carne de traseiro que atende a exportação, cada quilograma de carne exportada aos Estados Unidos gerou outras 900 gramas que ficaram no mercado interno ou foram direcionadas a outros países.

Sendo assim, as exportações aos Estados Unidos correspondem a cerca de 9% da carne produzida sob fiscalização federal. E considerando que o restante da carne fica no mercado interno em uma composição entre cortes do traseiro e ponta de agulha, o faturamento representa cerca de 11% do total que os frigoríficos obtiveram com a carne SIF no primeiro semestre.

O impacto dessa perda de mercado é relevante, especialmente numa atividade de margens baixas como é a operação frigorífica.

O mesmo raciocínio pode ser feito com todas as exportações da pecuária de corte brasileira, principalmente no caso da China, cujo volume é 3,5 vezes maior do que o embarcado ao mercado norte-americano, o segundo maior comprador em 2025.

Embora a soma de toda carne exportada represente cerca de 32% do que é produzido anualmente nos mercados formal e informal no Brasil, o total embarcado no primeiro semestre foi de aproximadamente 38,4% da produção sob fiscalização federal. Considerando apenas os preços entre exportações e importações, o mercado externo respondeu por cerca de 46% do faturamento com a carne produzida nos frigoríficos com SIF.

E ainda deve ser considerada a ponderação entre os cortes enviados ao mercado externo e os que ficam no mercado interno. Ao exportar cortes do dianteiro, miúdos, carne industrializada, tripas etc, os frigoríficos conseguem melhorar a precificação dos cortes que ficam no mercado interno, mantendo o fluxo de vendas de acordo com a capacidade de pagamento do consumidor.

Ao retirar, ou reduzir, essas variáveis da equação, as indústrias precisarão compensar a rentabilidade mexendo nos preços da carne vendida no mercado interno e nos preços pagos aos pecuaristas.

Sendo assim, mesmo que a substituição das exportações para os Estados Unidos seja viável, essa operação não será tão simples como possa parecer. Vai impactar a precificação do mercado, o que tende a afetar pecuaristas e consumidores.

O fiel da balança de quem perderá menos, como sempre, será a lei da oferta e demanda no decorrer do segundo semestre.

Se persistirem as tarifas que praticamente inviabilizam as vendas para lá, os impactos para o Brasil tendem a ser maiores no curto prazo justamente por todo esse reequilíbrio que precisa ser feito. No médio prazo, o Brasil redirecionará a carne exportada aos EUA.

Mesmo sendo o maior produtor global de carne bovina, historicamente os EUA precisam completar a sua demanda através das importações. Salvo alguns poucos períodos, o consumo interno de carne tem sido 4,5% superior à produção, na média dos últimos 65 anos.

O rebanho norte americano chegou ao menor patamar desde 1960, segundo dados do USDA. A quantidade de bovinos, que chegou a 132 milhões de cabeças, está em 86,3 milhões de cabeças em 2025. O abate, consequentemente, também está recuando, embora ainda não tenha atingido o menor patamar histórico.

Com a melhora dos índices de produtividade, a produção de carne está acima de índices históricos, mas reduzindo em relação à média dos últimos 6 anos. Em 2025, estima-se que a demanda por carne bovina supere a produção em 8,1%.

Apesar da histórica necessidade de importar carne bovina para complementar a demanda, a partir dos anos 1980 os Estados Unidos começaram a incrementar as exportações, aumentando também as importações. E, da mesma forma, as importações continuaram crescentes. Dos 65 anos da série histórica, em apenas 6 deles foi registrado saldo positivo entre o total exportado e importado.

Mesmo ocupando o quarto lugar no ranking de maiores exportadores de carne bovina, quando descontado o total importado de cada país, a posição dos Estados Unidos muda para importador líquido. Em 2025, o saldo negativo entre exportações e importações será de 986 mil toneladas de equivalentes carcaças.

Usando o mesmo raciocínio para todos os países exportadores, a importância do Brasil no mercado internacional aumenta consideravelmente.

Em 2025, a estimativa é que o Brasil responda por 23,7% das exportações de carne bovina. No entanto, ao descontar as importações dos exportadores, o Brasil deverá contribuir com 36,3% da carne ofertada no mercado global, visto que parte dos movimentos entre os países corresponde a uma triangulação, como é o caso da própria operação norte-americana.

Sendo assim, o aumento nos preços da carne bovina no mercado interno dos EUA será inevitável, fazendo com que parte da carne que seria exportada acabe ficando no mercado interno ou que o país procure aumentar as compras em outros fornecedores. Em ambos os casos, que devem ocorrer de forma simultânea, haverá espaços a serem preenchidos no comércio global.

Na disputa por esses espaços, o Brasil leva vantagem podendo acelerar a abertura de novos mercados ou aumentar as exportações para outros. As projeções para 2025 indicam que o Brasil exportará mais do que o dobro da Austrália, segunda no ranking global de exportações de carne bovina.

Ainda assim, para o Brasil, mesmo que o País supere a queda na quantidade embarcada, a tendência é que os preços médios para a carne redirecionada sejam inferiores aos valores pagos atualmente pelos EUA.

Independente do desfecho que ocorreria a partir do primeiro dia de agosto, é inegável que algum impacto negativo tenha que ser assimilado pela cadeia produtiva. A dúvida é qual será o tamanho do impacto.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.